Crítica | Adão Negro

Perdido em algum lugar de “Adão Negro” tem um filme

Porém, a sensação de que ele foi picotado em diversas rodadas de edição é grande e o resultado é um emaranhado de cenas costuradas em um fraco roteiro.

Já são quase 10 anos acompanhando o Universo Estendido da DC, fracasso após fracasso, e tentando entender exatamente porque o estúdio não é capaz de indicar que está no caminho para acertar sua fórmula, essa estrada longa e tortuosa já custou 1,9bi de dólares em 11 produções que arrecadaram quantias igualmente exuberantes para a Warner, sem obter o mesmo prestígio na opinião pública que os concorrentes na Marvel possuem. Por coincidência, eu mesmo escrevi aqui para o site críticas sobre os últimos 3 longas do chamado DCEU (“Aves de Rapina”, “Mulher-maravilha 1984” e “O Esquadrão Suicida”) e relendo esses textos notei um certo otimismo da minha parte especialmente em relação ao último, dirigido por James Gunn, que indicava um caminho mais autoral e criativo para os filmes da franquia. “Adão Negro” não segue pelo mesmo caminho, depois de alguns anos deixando de lado o ambicioso projeto de repetir as histórias que se cruzaram para levar os Vingadores para o cinema, parece que a Warner tenta retomar essa ideia e retorna aos velhos vícios apresentando, mais uma vez, uma película confusa, triturada por edições e interferências do estúdio e incapaz de contar uma história.

A abertura típica soma um letreiro indicando estarmos no anos 2600 a.C misturada com um off narrando a história de um povo antigo em um lugar com marcações de Oriente Médio, a voz de um menino conta sobre um rei maligno que escravizou seu povo para procurarem uma pedra mágica chamada eternium capaz de construir um objeto para invocar poderes demoníacos, para combater esse rei, seis deuses escolhem um campeão e criam um Shazam! na antiguidade oriental. Agora, 5 mil anos depois, o mesmo país fictício chamado Kahndaq está sob domínio de mercenários atrás de eternium e cabe a pesquisadora Adrianna Tomaz (Sarah Shahi) impedir que eles descubram a coroa Sabbac feita para invocar os demônios. Enquanto tenta fazer isso, a personagem invoca Teth-Adam (Dwayne Johnson) na sua forma de Shazam! para impedir que os vilões alcancem seu objetivo. O ressurgimento do antigo campeão atrai atenção de Amanda Waller (Viola Davis) que envia a Sociedade da Justiça da América para capturar o personagem-título, o grupo formado por Doutor Destino (Pierce Brosnan), Gavião Negro (Aldis Hodge), Esmaga Átomo (Noah Centineo) e Ciclone (Quintessa Swindell) chega no país e encontra mais problemas do que imaginavam.

Se parece confuso é porque é mesmo, nos seus 120 minutos de duração (maior mérito do filme é ficar na casa de duas horas) “Adão Negro” tenta ser algumas coisas, mas não se compromete a nada. O primeiro ato é construído em torno do filho de Adrianna, Amon (Bodhi Sabongui) e tudo até ali indica que o adolescente é quem vai carregar a ação, o que faria bastante sentido em relação a história do prólogo sobre um jovem de Kahndaq que se rebelou contra a repressão, Amon parece bastante engajado em ajudar sua mãe a lutar contra a milícia internacional que oprime seu povo. No decorrer do filme, porém, Amon e a discussão sobre imperialismo perdem a importância e no terceiro ato o jovem é mais um Macguffin que um personagem. O roteiro, em vários aspectos, apresenta confusão e incerteza sobre o percurso que quer tomar, algumas vezes parece querer discutir sobre o sentido de ser um herói colocando Teth-Adam e o Gavião Negro em conflito sobre métodos, em outras cenas demonstra certa vontade de que o público se importe com os integrantes da Sociedade de Justiça da América, que são mal introduzidos e não possuem mais que algumas frases de efeito e diálogos em que explicam com todas letras aquilo que estão sentindo, o que impossibilita de fato qualquer tipo de identificação.

Tudo isso indica que Teth-Adam deveria ser o protagonista, mas a realidade é que não há esforço para criar um bom arco para ele, rapidamente ele toma as decisões que um herói deve tomar, sua afeição por Amon e Adrianna é muito rápida e já na metade do filme o vínculo entre ele e a família que o acolhe já tem pouca importância. Aliás, esse é o núcleo das atuações horrorosas porque para contracenar com o carismático e sempre ruim The Rock, o diretor escalou dois atores ainda piores. Assim como “Adão Negro” é incapaz de determinar um protagonista, temos um dos piores vilões da história dos filmes de herói, o líder da Intergang Ishmael Gregor (Marwan Kenzari) que pretende resgatar a coroa de Sabbac e se tornar o Campeões das forças do mal é um péssimo ator incapaz de criar qualquer urgência no espectador, além disso o personagem é mal escrito de um jeito que fica imediatamente que ele é o vilão do filme, mas nenhuma de suas ações possuem coerência na sequência das cenas. As grandes viradas tanto do protagonista quanto do antagonista no terceiro ato apesar de serem surpreendentes parecem não fazer grande diferença naquilo que o roteiro se esforça para percebermos sobre cada um. E pior, o visual do vilão quando transformado em um demônio é uma das coisas mais feias, sem graça e sem imaginação que já vi em um filme do gênero.

Por sinal, a parte técnica não fica atrás no quesito decepção, como tem sido a regra nos blockbusters hollywoodianos, “Adão Negro” é mais uma bagunça visual, com cenas inteiras completamente artificiais que começam a chamar cada vez mais atenção para os efeitos especiais dando a impressão que qualquer dia não teremos mais atores na frente das telas verdes. As sequências de ação dão dor de cabeça pela falta de unidade, isso é um resultado provavelmente do fato de o filme ter passado por quatro rodadas de edição apenas para baixar a classificação indicativa de R (maiores de 17 anos) para PG-13 (recomendado para maiores de 13 anos), por isso nenhuma das sequências apresenta realmente momentos de violência genuína, que parece ser toda a intenção de boa parte do roteiro, mas também são todas longas demais para serem tão pouco visualmente impactantes e demonstram estar com pedaços faltando.

E se fosse a história de um anti-herói se adaptando a uma sociedade com padrões morais, inclusive de heroísmo, diferente da sua? E se fosse a história de um menino adolescente que precisa se aliar com a mãe e um ser com poderes quase ilimitados e os ajudar a trabalhar em equipe contra uma ameaça a vida deles (no primeiro ato torci muito para que o filme fosse um remake de “O Exterminador do Futuro 2”)? E se fosse sobre um grupo de super-heróis que muitos anos depois precisa se reunir para combater a maior ameaça de suas vidas em um país do oriente médio e no caminho descobrem serem eles mesmos parte do problema daquele lugar? Todas essas ideias encontram ecos no roteiro de “Adão Negro”, mas nenhuma delas de fato está lá, é um roteiro incapaz de demonstrar qualquer vontade própria e se força apenas para marcar as caixinhas que a Warner precisa para tentar viabilizar um universo compartilhado, dessa vez partindo de personagens que o público tem pouca ou nenhuma identificação desde o ponto de partida para não queimar nomes com Batman e Super-homem com tanta rapidez. Dito isso, tudo indica que a DC vá ser bem sucedida nesse plano porque a essa altura a qualidade ou um mínimo de esforço para criar algo criativo já não faz nenhuma diferença.

3,5

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