Crítica | Morte Morte Morte
GERAÇÃO ANTI-CINEMA
Hit do Horror de 2022 é - mais um - sintoma do fim da sétima arte
Pela primeira vez, desde antes da pandemia, fui no Cinema com um grupo de amigos. Quando entramos em 2020, tínhamos todos vinte e poucos anos, hoje já são vinte e muitos, mas a sensação é de que passamos pelo menos um e meio estacionados.
Chegamos atrasados, o McDonalds estava sem batata frita (!) e o Burger King demorou quase uma hora. Pegamos a sessão em andamento (me senti sujo), e ao colocar os olhos na tela onde adolescentes (ou melhor, atores nos seus 20 e muitos fingindo ser adolescentes) forçavam conversas “jovens” em uma piscina, minha namorada disse: já odiei. E ela adora filmes adolescentes.
A hora seguinte foi pior.
Não sei se sou geração X, Y ou Z, mas normalmente me consideram o velho do grupo - muito por preferir assistir a um filme mudo de 1920 do que sequer pensar em ver Morte Morte Morte de novo. Se qualquer coisa, cada vez desprezo mais a juventude da minha época. Fingem desprendimento, mas são certamente das gerações mais bundonas que já existiu, inexplicavelmente conservadoras mesmo que vistam cada vez mais a bandeira da libertação. Em algum ponto na luta por igualdade e diversidade, a esquerda perdeu a mão, e começou a campanhar por um mundo asséptico e politicamente correto - do contrário, você será cancelado.
E talvez Morte Morte Morte não seja sobre isso, mas claramente é um produto de sua geração, tentando brincar com o próprio discurso, mas soando tão profundo como uma thread em uma página de fofoca no Twitter. Com certeza a maioria das pessoas que forem ver vão se “divertir” com o whodunit (provavelmente um dos “gêneros” mais infalíveis de todos), sem ligar que a diretora debutante, Halina Reijn (que tem uma história fascinante, aliás), ou não assistiu nem 10 filmes na vida, ou ainda precisa estudar muito para poder comandar uma produção desse tamanho.
Não que este seja necessariamente um “filme grande”, mas não deixem se enganar pela tentativa de soar caseiro: Morte Morte Morte tem um orçamento que com toda a certeza passa dos sete dígitos (em dólar). Afinal, apesar de jovens, Pete Davidson lidera um elenco que tem uma indicada ao Oscar, uma ex-Jogos Vorazes, e a estrela do sucesso cult Shiva Baby.
Tentando emular o charme de Baghead, Reijn faz o possível para tentar inovar esteticamente. Os celulares como única fonte de luz, a câmera “na mão” (mais sobre isso adiante), as interpretações que tem uma dose considerável de improviso físico. Porém basta, como eu disse, ter assistido a alguns filmes e não estar completamente sedado pela onda de anti-Cinema que tomou conta dos meios de produção (e que tem na Marvel seu carro chefe), para perceber que toda a estilização caseira é apenas uma desculpa para não pensar um filme que requer uma decupagem mais delicada.
Os melhores whodunits… não, os melhores thrillers envolvendo assassinos são aqueles que integram seus suspeitos à suas câmaras fechadas, usando o vazio dos cômodos (Pulse, O Homem Invisível), a paranoia dos olhares (Ópera, Corra), a geografia específica dos lugares (Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, E Não Sobrou Nenhum), o poder da edição e dos espaços (Janela Indiscreta, Halloween) para potencializar o suspense. Reijn só desliga as luzes e liga a câmera, usando as possibilidades do digital e dos efeitos visuais como desculpa para não pensar em nenhum esquema de iluminação descente, ou para sequer pensar as cenas no espaço a sua disposição. A impressão é que tudo foi feito com alguns ensaios, e que a edição é uma muleta para a falta de controle da diretora.
Pense: quantas imagens marcantes você lembra desse filme? Agora pegue alguns dos títulos acima, e perceba como de cara já lembra de pelo menos dois ou três enquadramentos que ficam depois que os créditos rolam.
E essa abordagem livre (que um crítico ousou comparar Cassavetes) certamente pode funcionar, mas é preciso então unidade entre os elementos. No momento que a câmera passeia, a encenação rígida do elenco (que não é ruim!) surge como um empecilho, ainda mais quando elas tentam executar as piadas do roteiro, mas em nenhum momento quebram o senso de seriedade auto-indulgente que a obra adota. Morte Morte Morte tira sarro de si mesmo apenas no texto, porque em todo o resto tem a mesma rigidez de qualquer filme pseudo protesto sobre desigualdade social - o que faz com que a engenhosidade dos assassinatos se perca no moralismo que comento a seguir.
Pois cinco anos após Corra trazer uma discussão extremamente contemporânea de maneira inovadora, um filme como esse dá todos os passos pra trás. Pois vejam: além de sua rasura técnica, Morte Morte Morte sugere que suas protagonistas negras (ou Russas) são problemáticas justamente por serem lésbicas e gostarem de sexo, que as drogas levam você a acidentalmente derrubar alguém da escada, que uma jovem adulta não pode namorar alguém mais velho… apenas para reverter e dizer que os mais velhos são confiáveis e os jovens não e, o pior de tudo, se recusa a sequer botar a culpa dos assassinatos em alguém porque isso seria agressivo demais para uma geração que acha que filmar alguém pelado é um crime e que cenas de sexo são desnecessárias. No fim, a culpa acaba sendo da internet mesmo - literalmente.
Em um ano onde um filme de Ação sobre homens brancos do exército tentando mostrar quem tem o melhor avião é mais progressista (sem deixar de ser reflexivo e grato ao passado) do que um Slasher sobre um grupo de jovens sexualmente livres usando drogas em uma casa, o fato de Morte Morte Morte ser anti-Cinema é o menor dos problemas.