Crítica | Arlequina: Aves de Rapina
A introdução do novo logo da DC para os cinemas, misturando elementos antigos da companhia com a nova cinematografia semelhante ao que a Marvel tem feito recentemente já é um indicativo do que se espera de “Aves de Rapina”.
Com um prólogo em animação, muita narração em off, efeitos especiais e piadas inseridas em boa parte dos momentos sendo eles importantes ou não, parece que os produtores começam a encontrar o caminho da Marvel, diminuir a aposta e investir em um filme básico e divertido que, mesmo sendo R rated nos Estados Unidos, é um entretenimento de menos de duas horas (Deus salve os filmes de menos de duas horas). Apoiado nas cenas de ação, que não são poucas, na boa dinâmica das atrizes que performam bem e não tanto no roteiro bastante básico, “Aves de Rapina” já representa uma melhora expressiva para os filmes de herói da Warner que em parte abre mão de uma identidade própria em troca de se aproximar da fórmula de sucesso de outros estúdios. A sua maior ousadia fica por conta da construção de uma narrativa não-linear para suas personagens o que ocasiona em parte os piores momentos do roteiro, mas também garante que no terceiro ato, melhor momento do longa, nosso interesse e conhecimento sobre a história das personagens cria expectativas e reações sobre seus desfechos.
A animação abre o filme com Harley nos contando sobre sua história até o ponto inicial do filme: seu término com o Coringa. Esse momento poderia ser mais bem aproveitado no sentido de estabelecer arcos dramáticos para personagem, mesmo que contribua para a psiquê da psiquiatra que escolhe abrir mão de sua vida para o caos. Ela nos conta que seu pai tentou inúmeras vezes se livrar dela quando criança, mas ela insistentemente voltava para ele e que ela nunca foi boa em seguir ordens. O estopim para a história do filme é o término dos dois palhaços, que leva Harley a primeiro questionar sobre como levar a sua vida “um Arlequim precisa de um mestre”, nos diz ela e segundo, perder a proteção que tinha do namorado e velhos conhecidos se sentem seguros para prestar contas. Contando sua história, ela atravessa pedaços do tempo em que as outras personagens também estão passando por mudanças que as farão se cruzar.
O filme extrapola a presença da sua protagonista e busca as linhas das futuras parceiras, mas cruzando suas histórias cria momentos pouco convenientes. Harley quebra as pernas do motorista do vilão Roman Sionis, Dinah Lance então se torna a sua nova motorista, Renee usava o antigo motorista como informante do crime em Gotham e entra em contato com a nova para tentar seguir a parceria. São acontecimentos lineares e mesmo cada personagem não se conhecendo a ação de uma interfere na vida da outra, porém cada um desses momentos é apresentado com referência ao anterior. E não é repetitivo só textualmente, mas refilmando problemas de “Esquadrão Suicida” com trilha sonora, Harley nos conta sobre seu amor horrível com Coringa, ouvimos “I Hate Myself for Loving You” ou ela tem que achar um diamante e há uma cena dela cantando “Diamonds are a Girl Best Friend”. Parece que o roteiro dá todas informações 3 ou 4 vezes para o espectador, só para garantir.
Sobre as personagens: a Detetive Renee Montoya (Rosie Perez) foi deixada para trás por seu antigo parceiro que assumiu créditos por seu trabalho e se tornou capitão, além disso sua ex-namorada é promotora e interfere na sua investigação sobre o vilão Roman Sionis (Ewan McGregor). O vilão por sua vez é chefe de Dinah Lance, cantora no seu bar de vilões que o serve em gratidão por ele ter “tirado ela das ruas” segundo ela mesma, apesar como ser apresentada como grande devota do patrão, isso não aparece em nenhum momento. Cassandra Cain, interpretada por Ella Jay Basco, é a melhor entre as coadjuvantes, a personagem é uma menina que pratica pequenos furtos na rua e acaba se tornando aprendiz de Harley e portadora do MacGuffin e de certo modo é o que liga as outras duas personagens. Sionis, por sua vez é um chefe do crime em Gotham, expulso da sua família planeja o roubo que o tornará barão único, tem uma relação peculiar com seu braço direito Zsasz (Chris Messina) e um fetiche por mutilações. A quantidade de clichês estabelecidos nesse parágrafo é uma outra questão, o off da protagonista costumeiramente aponta eles, mas no fundo não há nenhuma tentativa de inversão de clichês, o que não chega a ser um problema, mas sim, o filme é apoiado em uma história não muito criativa, mesmo que ria disso. Cada uma dessas personagens possui o próprio arco e o filme dosa bem a quantidade e complexidade disso para que faça sentido e seja acompanhável.
Ao final, quando se juntam, acompanhadas da “Caçadora” (Mary Winstead), que também tem sua história apresentada mas de maneira secundária temos as melhores cenas do filme, um momento de desafogo do roteiro lento e desajeitado. Nos dois primeiros atos somos dados apenas relances disso, o que há de mais divertido são as cenas de ação: elas são simples, muito mais simples que dos seus colegas de estúdio, poucas usam armas de fogo e por isso criam risadas e são criativas, como a cena em que Harley luta contra mercenários no depósito da delegacia com os objetos que compõem a sua volta, incluindo bolas de boliche e, bom, cocaína. As grandes piadas, aquelas recorrentes, forçadas pelo roteiro não funcionam muito bem, como a do sanduíche de ovo de Harley, mas há os pequenos momentos, os olhares de Margot Robbie e sua dinâmica com Basco são divertidíssimos e avançam o filme. Esse é um filme de ação e o arco dramático de Harley é construído entre lutas, fugas e suas piadas. Ele não chega a ser eficiente. Ao fim, não podemos dizer que a personagem é fundamentalmente diferente de si mesma ao ser largada pelo Coringa, há vislumbres de mudanças, mas a mesma personagem começa e termina o filme. Ao contrário das suas colegas com mudanças mais desenvolvidas.