Melhores Filmes da Década: 2010s | Ficção Científica
Feche os olhos e se imagine em meio a cidades flutuantes, carros voadores, robôs ultra inteligentes e seres humanos geneticamente modificados e perceba como tudo isso ainda é um sonho consideravelmente distante.
O gênero da Ficção Científica é um dos mais intrigantes em qualquer forma de arte. Imaginar uma Fantasia, aparentemente surreal, é uma tarefa livre de limites, porém, adivinhar o que vai acontecer nas próximas centenas de anos é algo muito mais difícil e, sim, assustador.
Estamos terminando o primeiro quinto do século 21 e diversos cientistas do projeto Event Horizon Telescope (EHT) divulgaram as primeiras fotos de um Buraco Negro, para espanto e celebração da comunidade científica. Claro, o fenômeno se encontra, bem, um tanto distante da Terra, cerca de 50 milhões de anos-luz e, para comemorar o quão insignificante ainda somos perante a este universo que cada vez parece maior e mais assustador, decidimos listar os dez filmes de Ficção Científica lançados nos anos 2010 que mais fazem nossas cabeças virarem e questionar nossa própria existência.
Ps.: Decidimos desconsiderar os filmes da saga “Star Wars” e “Star Trek” pois ambas as séries poderiam também figurar como fantasia.
E, é claro, alerta de spoilers.
10 | Interestelar
É simplesmente inegável a beleza de “Interstellar”. Apesar de dividir opiniões, o filme é uma das experiências visuais mais intrigantes talvez desde ‘‘2001: Uma Odisseia no Espaço’’.
A terra como conhecemos está fadada a acabar engolida por tempestade de areias.
A primeira metade do filme onde o visionário diretor Christopher Nolan - que possui outro filme nesta lista - faz o que sabe fazer de melhor: desenvolver e criar personagens marcantes. Depois disso, o filme se torna uma experiência sobre ecologia e biologia, que questiona as leis do tempo e espaço, sugere uma 4ª dimensão baseada no amor e faz tudo isso ser crível.
Mas mais do que o filme que se restringe a grande tela, a história que Nolan conta consegue adentrar sob a pele de qualquer um. Particularmente foi depois de “Interestelar” que meu interesse crescente pelo cosmos aconteceu. Tudo que o filme apresenta, por mais que alguns acontecimentos sejam por vezes verdades e por outras palpites estudados ou cogitações, tudo é tão fascinante que é impossível não se entregar aos questionamentos subsequentes á experiência indescritível que é esse filme.
Instigante como poucos, “Interestelar” é majestoso e Nolan, a sua maneira, nos mostra um pouco de sua visão magnificente, linda e implacável do nosso universo.
Melhor Cena: “Today’s my birthday, and it’s a special one because you told me… you once told me that when you came back we might be the same age…”.
9 | Expresso do Amanhã
Essa produção Sul Coreana/Tcheca, baseada em um livro francês de mesmo nome por Jacques Lob, tem um dos cenários mais originais - se não o mais original - de toda a lista. Perceba toda a inusitada beleza na metáfora concebida por um trem que carrega toda a humanidade em um caminho perpétuo, por conta de toda a terra estar desolada ao seu redor e, é claro, com este trem sendo dividido em porções desiguais de qualidade de vida.
A estreia do aclamado diretor Bong Joon-ho em uma produção com o idioma principal sendo o inglês (não, nem o coreano, nem o tcheco, nem o francês) traz Chris Evans lutando contra praticamente tudo que o herói que o marcou para toda uma geração é tão veemente em apoiar. Aqui ele é Curtis, um jovem que lidera a revolução contra a parte rica do trem, que, acreditem ou não, pode muito bem servir como uma metáfora para o capitalismo tão amado do Tio Sam.
Futuros distópicos como esse são extremamente raros e não pelo fato de se situarem em um trem e não em cidades desmoronadas, mas por oferecem uma ideia totalmente inovadora a um sub gênero que insiste em se repetir. Pode não ter sido o sucesso que merecia, mas diferentemente de seus tantos irmãos, pode muito bem sobreviver o teste do tempo.
Melhor Cena: Chris Evans contando sua terrível história.
8 | trilogia planeta dos macacos
Ok, roubamos um pouco aqui, mas, assim como as únicas outras trilogias melhores que essa em todo o milênio (“Senhor dos Anéis”, “Batman de Nolan”), não há nada melhor do que avaliar esta - visualmente impecável e conceitualmente desafiadora - obra como um projeto único, realizado ao longo de vários anos.
Talvez um dos melhores casos de um reboot no cinema ter funcionado ainda melhor do que a saga original, o mais impressionante e o motivo de esses filmes funcionarem tão bem funcionam ao redor do arco de um dos melhores personagens desta década: o Caesar de Andy Serkis.
Começando como um simples e simpático chimpanzé no primeiro filme, que nutria uma relação de amizade sincera com o personagem de James Franco (infelizmente ausente das sequências), Caesar se desenvolveu em um líder extremamente marcado pelas dores da vida, mas sem nunca deixar de lutar pela liberdade de seu povo e Andy Serkis, autoridade máxima na captura de movimento, dá vida ao personagem com tanta vivacidade que deveria ter sido indicado ao Oscar.
Claro, os efeitos visuais tem papel importante e são irrepreensíveis durante toda a série, mas são os temas trabalhados que transformam esta trilogia em algo realmente especial. Existem diversas espécies vivendo nessa Terra, mas apenas uma ameaça todas as outras, inclusive, a si própria. Caesar sabe disso, mas ainda assim, seu único objetivo era a paz e isso o torna mais humano que a maioria de nós.
Melhor Cena: “Caesar is home”
7 | Looper
Brincar com o tempo é um dos sonhos mais molhados de qualquer fã de ciência. Seja ele apenas um leigo apaixonado por todos os filmes nesta lista ou qualquer dos cientistas mais importantes do mundo, o tempo é um dos maiores enigmas e motivos de crises existencialistas e, ah, ele está passando agora e sua vida está acabando um minuto de cada vez (sim, “Clube da Luta”).
Filmes sobre assassinos de aluguel são comuns (normalmente Westerns são excelentes exemplos, como a “Trilogia dos Dólares”, “Onde Os Fracos Não Têm Vez” e “Django Livre”, enquanto alguns filmes de ação são péssimos, como “Hitman Assassino 47”), filmes sobre lapsos temporais também (o ótimo “O Predestinado” quase entrou na lista) e até mesmo a junção de ambos não é algo tão original. Porém nessa história altamente inventiva, escrita e dirigida por Rian Johnson, camadas são adicionadas e um contraste essencial entre o futurismo presente na narrativa e a maneira retrô de filmá-la o tornam uma das aventuras mais interessantes dos últimos anos.
E é engraçado como, caso descobríssemos como voltar no tempo, logo transformaríamos essa habilidade em uma arma mortal, assim como tudo que a humanidade mostra e, talvez nesse futuro improvável, não seríamos salvos ao final da projeção.
Melhor Cena: “And then I saw it…”
6 | Gravidade
“Gravidade” é o retrato propriamente dito do nosso universo. É grandioso, preponderante e ameaçador ao mesmo tempo que é de uma beleza petrificante. De todos os trabalhos recentes de Alfonso Cuarón é difícil destacar qual o melhor, até porque cada um se destaca em áreas diferentes, o que demonstra a volatilidade do diretor. Dito isso, “Gravidade” é algo assustador.
Seus enquadramentos são contemplativos e variam em expressar o que há de mais belo e apavorante no universo. Há uma cena em questão, onde Sandra Bullock começa a rodopiar em direção ao nada. Não há filme de terror ou história de suspense que traduza o medo proporcionado pela sequência e, logo em seguida, não há como não ficar admirado pelo visão do planeta em que habitamos.
Falando em Sandra Bullock, ela e George Clooney dão um show a parte. Todo relacionamento e química deles são reduzidos à diálogos e respirações, e o roteiro faz o trabalho perfeito de fazer duas pessoas completamente relacionáveis e gostáveis, com quem possamos nos preocupar, estarem ali. Clooney possui um otimismo e é quase incomodativo de tão charmoso (como sempre) e Bullock traduz com perfeição todo medo e angustia necessário para sua personagem.
Quase tudo funciona perfeitamente em “Gravidade” que, assim como o espaço ao nosso redor, é maravilhoso.
Melhor Cena: A tensão absoluta provocada por alguém que marcha, descontroladamente, na direção do magnífico e aterrorizante universo.
5 | sob a pele
Surreal como, em apenas seu terceiro filme (e desde então não conseguiu colocar as mãos em nenhuma produção de alto nível) Jonathan Glazer conseguiu fazer um projeto que botaria inveja em muitas das mentes mais ambiciosas e inventivas da história do cinema.
Contando esta estranha, noturna e (conceitualmente) violenta história de uma alienígena na Terra que parece não ter nenhum objetivo se não seduzir e assassinar (?) homens que aborda nas ruas de Glasgow, Escócia, Glazer concebe uma das ficções científicas mais complexas e ambíguas de todo o século 21, cujo significado não é apenas aberto a interpretação, mas convida o público a destrinchar e desvendar cada elemento envolvendo a intrigante personagem principal, vivida por Scarlet Johansson em seu melhor trabalho até agora.
E é importante frisar essa constatação, pois a atriz, além de aprender a dirigir uma van e a masterizar seu sotaque britânico, teve de contracenar com não atores que nem ao menos sabiam que estavam sendo filmados, tendo que improvisar praticamente do zero a cada nova cena. Como isso foi possível? Graças à mente psicoticamente ambiciosa de Glazer, que decidiu utilizar o recurso da câmera escondida para fazer a maior parte do longa.
“Sob a Pele” sucede por tudo isso, mas mais ainda por retratar de forma enigmática temas extremamente relevantes na nossa sociedade atual. Feminismo, machismo, identidade humana, descobrimento da própria sexualidade e os efeitos que ela causa em homens e mulheres. É uma ficção científica aterrorizante e brutalmente real.
Melhor Cena: Uma linda Scarllet Johansson se admirando no espelho, em um momento introspectivo e complexo, capaz de fazer a nós todos nos conectarmos com a mente de uma alienígena predadora de homens. Um daqueles milagres do cinema.
4 | a chegada
“A Chegada” é um raro filme de ficção científica que se preocupa em responder perguntas raramente levantadas quanto a possibilidade da chegada de uma raça alienígena a Terra.
Pense só: estes alienígenas não invadem apenas os Estados Unidos; não respiram o mesmo ar que nós e, por tanto, não podem deixar suas naves; não procuram por guerra. Mais do que isso, não conseguem se comunicar conosco e para isso nenhum herói improvável surge, com inteligência tão grande quanto os músculos que porta, mas sim professores e cientistas de linguagem para que se possa entender o propósito e significado das mensagens que eles querem deixar para a raça humana.
É um filme, acima de tudo, sobre diferenças e o que podemos fazer, como sociedade unida - que não somos - para contorná-las da melhor forma possível, que oferece insights sobre um entendimento do universo e do próprio sentido da vida que ainda não somos capazes de compreender.
Talvez um dos retratos mais interessantes e realistas do que realmente aconteceria se uma forma alienígena superior chegasse a Terra, “A Chegada” é mais um atestado do visionarismo de Dennis Villenueve, que empresta a história toda a escala necessária para que seu impacto seja sentido da melhor forma. Tudo isso, é claro, abrilhantado por uma performance seminal de Amy Adams, brutalmente esnobada no Oscar em um ano que deveria concorrer apenas com ela mesma (“Animais Noturnos”).
Melhor Cena: Amy Adams descobrindo algo que não apenas pode salvar a humanidade, mas uni-la como nunca antes.
3 | Ex-Machina
Talvez nada alimente mais o gênero da ficção científica do que algo que, diferente dos alienígenas, acreditamos ser possível provar em um futuro não tão distante que, de acordo com o que “Ex Machina” sugere, já pode até mesmo estar entre nós.
Concebido como uma ideia durante toda sua vida, a estreia de Alex Garland como diretor figura como um dos suspenses mais enervantes de toda a década, transformando o real Teste de Turing - operação utilizada para se determinar se um robô tem uma inteligência comparada a de um ser humano - em uma experiência aterrorizantemente realista.
Muito se deve ao estelar trio de atores, que encarnam os três lados clássicos da maioria das histórias de monstro: o criador, interpretado magistralmente por Ocar Isaac, implacável e sempre um passo a frente; o herói, interpretado pelo eclético Domnhall Gleeson, justo e que deixa suas emoções falarem mais alto; e a criatura que, interpretada por Alice Vikander - outra que deveria ter ganhado o Oscar de si mesma (“A Garota Dinamarquesa”) -, figura como um dos personagens mais enigmáticos e polarizadores da história do gênero.
“Ex Machina” lida com questões que vão muito além da simples existência - ou não - da inteligência artificial e mostra que apenas a sua concepção é algo muito mais complexo que todos nós imaginamos.
Melhor Cena: a dança de Oscar Isaac… tudo bem… Domnhall Gleeson transformando nossa cabeça em uma espiral paranoica ao se cortar para descobrir se é, ou não, um robô.
2 | a origem
O filme menos “científico” da lista é também o mais original (piada intencional). Além de brincar com nossa imaginação, o sétimo longa da aclamada carreira de Christopher Nolan nos faz questionar o significado de algo tão simples, que julgamos ter noção completa de como funciona. Afinal, o que torna a realidade real?
Também figurando no nosso top 10 filmes de 2010, o projeto é talvez o mais passional da carreira do diretor até então, sendo que ele utilizou seus filmes anteriores como um treino - muito qualificado, diga-se - para poder trazer o épico mundo concebido em “A Origem” à vida da forma mais grandiosa e visualmente plausível possível. É como se cada cenário tivesse sido meticulosamente pensado e a mistura de efeitos práticos e especiais cria uma ilusão de ótica que, por vezes, nos faz questionar se o que vemos em tela não seria, na verdade, um gigantesco cenário construído sem as leis da física terem influência sobre.
Mas Nolan é um apaixonado e - notem como este é seu segundo filme na lista e o segundo onde o amor tem um papel importante - faz da narrativa uma complexa e instigante mistura de um suspense de assalto, uma fantasia surreal, uma ficção científica clássica e, no centro de tudo, uma história de amor que insiste em acontecer mesmo após ter sido terminada da maneira mais trágica possível. Não podemos culpá-lo, nem o personagem de Leonardo DiCaprio, por quererem construir um mundo onde todas as leis são dobráveis à nossa vontade, onde o tempo não passa de um conceito que podemos usar conforme quisermos.
E o simples fato de acreditarmos cegamente neste mundo e debatermos, anos depois, o que de real e irreal há nele, prova que esta é uma das ficções mais eficazes e perturbadoras já concebidas.
Melhor Cena: É real?
Menções Honrosas: Predestinado (2014); No Limite do Amanhã (2014); Perdido em Marte (2016); Midnight Special (2016); Aniquilação (2018); Ad Astra (2019).
1 | Blade Runner 2049
Quando o primeiro filme é considerado uma das obras mais influentes de todos os tempos, com seu impacto sendo sentido até hoje tanto no cinema como em outras áreas - música, literatura, histórias em quadrinhos, vídeo games -, há poucas coisas que podem ser feitas para que a alta expectativa envolvendo uma sequência, lançada 35 anos depois, seja cumprida. “Blade Runner 2049” não é nada menos que um milagre da sétima arte.
Não é apenas uma sequência que adiciona ao universo concebido pelo original, mas funciona como uma extensão igualmente profunda e visionária que destrincha e joga ainda mais combustível no fogo criado pela pergunta central daquela história que, três décadas depois e (hoje, 2019) no ano em que fora imaginada, ainda queima com uma voracidade perturbadora. Se lá questionávamos nosso futuro como humanidade e, propriamente, o que faz de nós, humanos, especiais e dignos de qualquer coisa, aqui o dilema moral criado pela história é tão cruamente entrelaçado com a nossa realidade que chegamos a temer e questionar nossa concepção de humanidade.
Não que seja, desta vez, um mundo mais acessível de visitarmos, pois aquele universo nunca nos recebeu de braços abertos. Assistir a este filme é quase como uma experiência extrassensorial, onde a música de Hans Zimmer reflete toda a tensão e dureza de cada um daqueles cenários magistralmente construídos e realçados por uma das mais belas cinematografias - do irrepreensível Roger Deakins - já vistas em uma tela de cinema, que, juntos à efeitos especiais conceitual e tecnicamente impecáveis, dão vida à um mundo que preferimos não acreditar ser real, apesar de que, no fundo, sabemos que já vivemos em uma versão menos tecnológica dele.
É claro, Ridley Scott (diretor do primeiro filme) produziu e co escreveu o roteiro com Hampton Fancher (um dos roteiristas do original) e, em seu maior trunfo aqui, escolheu um dos diretores mais talentosos de sua geração em Dennis Villeneuve (que aparece pela segunda vez na lista) que extraiu tudo de melhor de cada um dos elementos e de seu irretocável elenco.
O que é um ser humano? É essa a pergunta que somos convidados a responder toda vez que revisitamos ao clássico de Ridley Scott.
O que é a humanidade e qual o nosso lugar nela? É essa pergunta que nos assombra toda vez que lembramos da melhor ficção científica dos anos 2010.