Cena em Detalhe | Os Bons Companheiros
Nascido em Flushing, Nova Iorque em 17 de Novembro de 1976. Descendente de italianos; Martin Charles Scorsese sempre explorou suas raízes em sua obra. Seu reconhecimento começou com o filme “Mean Streets”, início da amizade e parceria com o ator Robert Deniro. Em 1976, alcançou com o estrelato com o aclamado “Taxi Driver”; Recebendo o Palme d’Or no Festival Internacional de Cannes.
A estética dos filmes do aclamado Scorsese são singulares e identificáveis. Narração do protagonista, quebra da quarta parede, montagem alinhada ao ritmo da música da época retratada. Isto pode ser consequência do duradouro casamento em que ocorre entre diretor e membros da equipe técnica.
Inspirado no livro “Wiseguy: Life in a Mafia Family” de Nicholas Pileggi. “Os Bons Companheiros”, ou “Goodfellas”, mostra a eletrizante jornada de Henry Hill (Ray Liotta) na máfia nos anos 60 e é considerado uma das obra primas da filmografia do cineasta, que demonstra sua meticulosa técnica e a habilidade em tornar cenas corriqueiras grandes eventos. Todas ocasiões são extravagantes, com belos cenários e inovadores movimentos excelentemente coreografados de câmera. E é claro, seus personagens se tornaram criaturas míticas.
Na cena que será descrita, se visualiza a imponência de participar do grupo de Goodfellas. Henry é respeitado e temido por todos que o cumprimentam, enquanto Karen (Lorraine Bracco) tem o primeiro contato com o universo do crime que traz perigo e benefícios para quem participa.
A cena inicia com Henry entregando as chaves de seu carro para um guardador. Karen pergunta se não há problema em deixar ali, ele responde que não há inconveniência alguma. Inclusive, é melhor. Desta maneira, não desperdiçam tempo. Sabemos que pela posição do ofício de Henry, ninguém seria tolo em roubar seu Cadillac. Até mesmo, Henry quando mais novo foi um guardador.
Ele então guia Karen até uma entrada secundária. Explica que prefere entrar por ali, pois não gosta de filas. Na porta, há um segurança, ele alcança uma gorjeta. O movimento de câmera com following, o mostra cumprimentando os funcionários do estabelecimento demonstrando que é frequentador assíduo. Eles cruzam por várias pessoas, para algumas Henry lança seu famoso sorriso. Logo, entram na cozinha. Todos funcionários abrem alas para o casal passar. Após andar por um longo corredor, finalmente estão no restaurante. São abordados pelo maitre e é possível visualizar a fila para as mesas. Mas não para Henry Hill.
Já faz alguns segundos que a cena está rolando, e não houve corte algum. A câmera acompanha o caminhar dos dois, neste momento o foco vira para o garçom carregando uma mesa. O maitre sinaliza que a mesa deve ser colocada bem na frente e que está a disposição de Henry. Os funcionários do restaurante organizam o local para o casal sentar; Henry entrega uma gorjeta para cada um deles. Karen fica espantada com a quantia. Antes mesmo de sentar, Henry é abordado por mesas vizinhas, acena e os cumprimenta como uma estrela de cinema. A expressão de Karen demonstra deslumbre. Quando os dois sentam, o garçom está segurando uma garrafa de champanhe enviada por outro cliente; Henry sorri e agradece.
Sentada ao lado dele tentando processar tudo que viu, Karen pergunta qual a ocupação dele. Ele responde que trabalha com construção, ela então segura e analisa suas mãos. Vê que são macias e não gastas por uso de força manual. Ela fala que não parece. Rapidamente, sem olhar para Karen, ele replica dizendo que trabalha com administração e logística. Sutilmente o olhar da mulher demonstra que parece saber com o que ele está envolvido. É como se quisesse arrancar a verdade dele. Por outro lado, se ele optar por não falar nada não há problema algum. Afinal, ela se sente atraída pelo status e imponência que significa estar ao lado dele.
Apesar de Karen não ter muitas falas, a trilha que embala a cena - música pop do anos 60: “Then He Kissed Me” da banda The Crystals - subjetivamente revela sobre seus sentimentos em relação à Henry; “Ele me beijou de uma maneira que eu nunca tinha sido beijada antes. Eu sabia que ele era meu, então eu dei-lhe todo o amor que eu tinha”. Demonstrando que o homem que ela está prestes a se apaixonar não é nada convencional. A câmera foca para o palco, irá iniciar a atração musical. A cena encerra, porém o som diegético do show se torna extra invadindo a próxima cena.
Apesar de não haver a presença de um diálogo contínuo nos planos descritos. O olhar do espectador é conduzido a perceber a atmosfera e o tom da narrativa da trajetória de Henry Hill. A cena desenha exatamente o que o atraiu para esse universo. Henry abandonou a escola, portanto sua doutrinação, seus pilares foram construídos pelos mafiosos. Nesse momento, assistimos a transformação dele em produto do meio.
Não há vontade de se acomodar em empregos comuns que não o tragam notoriedade. São ações e falas que ao longo da cena evidenciam estas tendências; sua impaciência de aguardar como a maioria, que o colocou nesse universo. Não só por uma mesa, ou vaga para estacionar. Para tudo. Foi a admiração pela figura criminosa de Jimmy Conway (Robert Deniro) que o influenciou a entregar gorjetas para cada um dos funcionários. Traço que expressa humanidade, apesar dos meios para exerce-la.
Além de todos aspectos citados que caracterizam as obras de Martin Scorsese, o principal deles é seu interesse por retratar biografias de protagonistas com histórias de vida conturbadas. Afastado de filmes sobre máfia desde “Os Inflitrados”, 2006. Martin Scorsese retorna com o gênero em “ O Irlandês”, sem previsão de estreia, e o filme foi dado como o maior orçamento da carreira do diretor. Assim como Alfonso Cuáron em “Roma” , o longa irá estrear na plataforma de streaming Netflix. O elenco conta com os veteranos: Robert Deniro, Al Pacino, Harvey Keitel e Joe Pesci; Que aparentemente recusou 50 vezes até aceitar o papel.