R. Emmet Sweeney | Um Eastwood Subestimado

Notas do tradutor:

Texto publicado por R Emmet Sweeney em seu blog pessoal, em 06 de Junho de 2010. Firefox é um filme curioso de Eastwood. Para muitos, um dos momentos menos marcantes de sua carreira, um filme estranhamente austero e institucional, mas que na visão de Sweeney configura como um de seus principais atestados autorais.

O texto original pode ser conferido aqui.


A partir de 9 de julho, a Film Society do Lincoln Center em Nova York apresentará a série “Complete Clint Eastwood” (Clint Eastwood Completo), cujo título é um pouco enganoso: ela exibirá todos os filmes que ele dirigiu, mas apenas algumas de suas atuações mais importantes (ainda assim, é uma programação excelente). A homenagem é pelo seu aniversário de 80 anos, comemorado há alguns meses por nossa própria Susan Doll. Como os filmes de Clint estão bem representados em mídia doméstica, é fácil para qualquer pessoa fora de Nova York montar sua própria retrospectiva de Eastwood — e um dos filmes que, na minha opinião, merece ser reavaliado é o thriller de espionagem Firefox, de 1982. Toda a produção dele no início dos anos 80, de Bronco Billy (1980) até Sudden Impact (1983), é extraordinária e relativamente esquecida. Mas Firefox, talvez por seus elementos bizarros de ficção científica, foi duramente julgado e relegado à programação noturna de canais a cabo.

Eastwood interpreta Mitchell Gant, um piloto aposentado da Força Aérea que sofre alucinações por conta do tempo em que foi prisioneiro de guerra no Vietnã. Ele é chamado de volta à ação depois que os EUA descobrem que a URSS concluiu a construção de um caça de alta tecnologia, o MiG-31, codinome Firefox. Capaz de voar a seis vezes a velocidade do som, invisível ao radar e com um sistema de armamento controlado pela mente do piloto — eliminando o tempo de reação em combates aéreos —, o caça poderia mudar o equilíbrio da corrida armamentista e o rumo da Guerra Fria. Gant é encarregado de roubá-lo por causa de suas habilidades linguísticas, já que o sistema da aeronave só funciona com alguém que pense em russo. Comparando com seu filme mais satírico The Eiger Sanction, Eastwood disse: “Firefoxera mais ‘quadrado’, mais tradicional. Era sobre caras maus de olhos rosados, mas com personagens comuns enfrentando uma missão impossível.”

Gant é tão comum que chega a ser anônimo. Lançado meio que contra a vontade no meio da Guerra Fria, ele é um pacote de ansiedade. Eastwood explora diversas variações de inquietação em seu rosto, franzindo os lábios em caretas e cerrando-os em expressões de desconforto — o retrato de um homem profundamente incomodado com sua própria pele. Passando de disfarce em disfarce e de personalidade em personalidade (de traficante americano a turista, e depois a piloto russo), ele se torna um comentário sutil sobre os personagens que o próprio Eastwood construiu ao longo da carreira. O anti-heroísmo irônico do Homem Sem Nome e a obsessiva obstinação de Dirty Harry, então, são apenas outras máscaras — e sua atuação desconfortável reflete sua relação ambígua com elas. Todos os seus filmes parecem ser reavaliações e desconstruções de sua própria personalidade, e Firefox é um dos primeiros e mais inteligentes exemplos disso (tema que continuaria em Sudden Impact, Os Imperdoáveis e Gran Torino).

Gant não é exatamente um herói, mas um homem levado pelas circunstâncias. Ele nunca parece estar no controle: é empurrado por agentes da CIA, depois entregue a contatos da resistência na Rússia, sempre cuidadosamente instruído, mas nunca no comando de suas identidades falsas. Na verdade, Gant é repetidamente criticado por suas atuações, sendo instruído a fingir estar doente para disfarçar sua falta de talento para enganar. Seu desconforto e medo constante tornam o filme mais próximo de John Le Carré do que de James Bond, e a fotografia em luz baixa de Bruce Surtees expressa perfeitamente a narrativa dura e determinista. Cada homem que ele encontra está envolvido de corpo e alma no futuro da Rússia, sacrificando-se estoicamente por sua causa, enquanto Gant é um pistoleiro confuso fazendo o trabalho apenas porque é o único que pode. Ele parece não ter ideologia, perturbado pelos sacrifícios heróicos dos combatentes da resistência, que dão suas vidas na esperança mínima de que Gant terá sucesso. É um filme de espionagem utilitário, um cenário mórbido onde os corpos são descartados após cumprirem sua missão — um jogo sombrio onde mortes são entregues livremente por uma chance remota de vitória. Dave Kehr chegou a descrever a concisão do filme como “bressoniana” em sua crítica no Chicago Reader, e é difícil discordar — ou até pensar em outro filme de ação dos anos 80 em que tal descrição pudesse ser remotamente aplicável.

Em uma entrevista com Michael Henry, Eastwood disse que Firefox “é o único dos meus filmes em que usei storyboards”. E embora mencione especificamente o planejamento das sequências de efeitos especiais com o avião, o filme como um todo parece meticulosamente estruturado. O movimento principal vai das sequências escuras de espionagem aos céus azuis brilhantes da fuga da Rússia, mas há micro-movimentos dentro dessa estrutura, incluindo algumas sequências de montagem cruzada habilmente ritmadas. A abertura alterna entre a sala de guerra do governo dos EUA e a tentativa de convencer Gant a aceitar a missão em sua casa no campo.

O filme rapidamente se desfaz da história de fundo enquanto introduz a ideia de que Gant é apenas um peão em grandes movimentos geopolíticos. Isso fica claro na sequência final de montagem cruzada, que alterna entre as salas de guerra soviética e americana rastreando os movimentos de Gant no ar, com o próprio Gant preso no meio, falando russo com o superavião obediente.

Gant parece mais feliz nesse momento final, isolado da humanidade, mergulhando sua personalidade em uma máquina. Ele está destruindo sua individualidade enquanto, aparentemente, voa rumo à liberdade. As imagens se tornam mais claras à medida que o filme se torna ainda mais sombrio – a autoaniquilação como uma forma de libertação eufórica.

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