Metal Extremo 101 + 20 Álbuns Transgressores
Se o rock fosse uma semente, o metal extremo seria o fruto proibido
extremo | ex·tre·mo | adj
Situado no ponto mais distante; afastado, longínquo, remoto.
Que atingiu o mais alto grau de algo; máximo, sumo.
Que ultrapassa o limite do que é considerado razoável; exagerado, excessivo.
Que foge ao habitual ou à regra.
Que assinala o fim de alguma coisa; derradeiro, final, último.
(Fonte: Michaelis)
Tudo começou na amplificação da guitarra e do baixo, no pedal de bateria, no blues e no jazz, e na mutante cultura do século XX. Já as técnicas vocais animalescas vieram mais pra frente por consequência da crescente intensidade proporcionada pelas tecnologias citadas anteriormente.
Artistas do jazz, do blues e do rock and roll plantaram e semearam essas sementes selvagens da amplificação que ao longo dos anos foram sendo selecionadas em diversas linhagens. Domesticadas para vários gostos, inúmeras variedades deram origem a diversos gêneros musicais que ouvimos hoje, cem anos depois. Hoje, busco aqui explorar brevemente algumas linhagens específicas selecionadas pelo sabor mais intenso, picante e as vezes bem amargo. Certamente não são do gosto de todos. As linhagens mais brandas podem ser mais facilmente apreciadas, já as mais intensas são para pessoas intensas. Não que exista um mérito em apreciar esse ou aquele sabor, essa ou aquela intensidade.
Assim como tudo nessa vida, gosto é gosto e é só provando que se descobre. Busco, aqui, apenas contar uma breve história sobre como surgiram gêneros musicais mais intensos, especialmente os da linhagem do metal extremo, como death metal, grindcore e black metal. Foi à partir daí, acredito eu, que a picância e a intensidade, as vezes amargura, começaram a tomar proporções absurdas. Pelo menos pra época eram. Mas antes de abordar esses gêneros, se faz necessário um breve contexto histórico sobre a vanguarda do Heavy Metal. E pra ajudar na jornada, fiz uma playlist com algumas das músicas que serão mencionadas ao longo do artigo.
O início do fim: A tríade do Heavy Metal dos Anos 70
O ano 1968 foi marcado pelo nascimento de três bandas muito importantes pra história da música. São elas: Deep Purple, Led Zeppelin e Black Sabbath. Amplamente aclamadas, hoje há consenso sobre a importância de seus feitos. Foram de grande influência para os mais diversos artistas, do rock, do punk, do pop, dentre outros. Sob principal influência do hard rock, blues rock, psicodélico e progressivo, a tríade do Heavy Metal ampliava os elementos já postos, como o foco em virtuosidade na guitarra, com riffs e solos mais complexos e rápidos, power chords pulsantes e muita distorção a todo o volume. Um baixo e uma bateria também se faziam necessários para criar uma parede de som pulsante e energética. As temáticas eram mais sérias, falavam da vida e da morte, problemas ideológicos e políticos, religião e ocultismo. Em termos estéticos, o álbum autointitulado Black Sabbath (1970) viria a influenciar as linhagens mais transgressoras ao trazer temáticas sobre satanismo e o oculto, com uma pegada mais diabólica como é possível ver na capa, nas letras e nas apresentações dos integrantes da banda. Outras bandas importantes pra história do heavy metal são Coven, Blue Cheer e Steppenwolf.
O Inferno na Terra – Nova onda do metal britânico
Rock e heavy metal não eram os únicos gêneros musicais da rebeldia. Na verdade, na metade dos anos 70 a primeira geração de punk rock havia saído do underground, tomando conta do mainstream. Em um quase antagonismo, novas bandas de metal surgiram para competir com o punk do rádio. O lançamento do álbum autointitulado Iron Maiden (1980) foi um divisor de águas e marca o início da New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM ou nova geração do heavy metal britânico). Bandas inglesas como Samson e Angel Witch, apesar de não explodirem da maneira que a Iron Maiden, foram parte essencial pra época underground do gênero. Novatas, Diamond Head, Saxom, Raven, Tygers of Pan Tang, Motörhead; e até veteranas, Black Sabbath, Judas Priest, Whitesnake, AC/DC, acabaram surfando nessa onda. Os norte-americanos não ficaram de fora. Com maior apelo as rádios e sob influência de música pop, algumas das bandas mais populares foram Mötley Crüe, Poison, Bon Jovi, Europa e os “traidores” dos britânicos da Def Leppard. O foco aqui era aparências e diversão, as músicas eram como o bom e velho “sexo, drogas e rock’n’roll”. Também nos Estados Unidos uma banda em particular ficou muito popular ao continuar a linha mais bruta do NWOBHM: Metallica. Seguindo uma linha ainda mais abrasiva do que a dos canadenses Exciter e Anvil, os precursores do thrash metal, como o subgênero ficaria conhecido foram Metallica, Megadeath, Slayer e Anthrax. O som dos norte-americanos ficou marcado pela agressividade lírica e instrumental. Especialmente a banda Slayer, como no debut Hell Awaits (1985), mais pra frente viria a influenciar o black e o death metal. Se distinguiram dos britânicos ao aumentar a velocidade e o uso de distorção mais intensa, tanto nas guitarras como na técnica vocal. Enquanto a linhagem do glam, ascendeu e a do thrash continuou a tradição, algumas outras eram domesticadas nas profundezas e continuariam descendo cada vez mais.
Bem-vindo ao Inferno – 1ª Geração do Black Metal
Logo no início dos anos 80, dobraram a aposta de Black Sabbath. Witchfinder General foi pioneiro em ampliar a aura sombria do heavy metal clássico, sendo considerada a primeira banda de doom metal. De modo geral, diferente das outras linhagens, a maneira em que o doom intensifica o metal vem da busca por um som mais grave acompanhado de músicas mais lentas e longas, o que fica bem evidente a medida que o subgênero progride e, influencia e é influenciado por outras bandas do black metal, do rock gótico e do pós-punk. Outras bandas notáveis do início do doom metal foram Saint Vitus, Cirith Ungol, Trouble, Pentagram e Candlemass.
Agora, apostando no oculto, a postumamente intitulado primeira geração de black metal surgia das profundezas. Mais explicitamente satânicas e intensas nas composições, as pioneiras foram Venom, Mercyful Fate, Hellhammer, Celtic Frost e Bathory. Nascida em Newcastle, na Inglaterra, a banda Venom era debochada e ácida. A blasfêmia e o caos de Welcome to Hell (1981) certamente chocou muitos britânicos na época. Com o anticristianismo digno de um especial de natal do Porta dos Fundos, foi no seu segundo álbum, Black Metal (1982) que a banda se destacou. Se o primeiro se tratava de demos, essa já contava com uma produção profissional que possibilitou canções mais atmosféricas, como na intro de Buried Alive. Vocal distorcido, a pá na terra e a respiração ofegante sintetizam essa nova noção de transgressão. Cronos, Mantas e Abaddon também iniciaram a tradição da utilização de pseudônimos tão sombrios quanto a própria imagem.
A banda Mercyful Fate, da Dinamarca, tinha um som que não apontava pra linhagem mais agressiva, porém não deixavam a desejar em questão lírica, teatral e imagética. As letras tinham um tom satânico forte, porém mais sério do que de Venom. Era mais voltado para o satanismo moderno, ou seja, não se baseavam na noção teísta da existência real de Deus ou de Satã e sim na filosofia de LaVey, de 1966. As músicas se aproximavam mais da NWOBHM ou thrash metal do que do black metal de seus contemporâneos, tanto no vocal como na dupla de guitarras. Um bom exemplo disso é a faixa The Oath do álbum Don’t Break The Oath (1984). Em termos de apresentação, faziam uso de ossos e partes de animais como recurso teatral e são tidos como precursores do corpsepaint (face branca, e olhos e boca pretos, normalmente), a maquiagem comumente associadas ao black metal até hoje.
Outra banda influente vem de um pequeno município agrícola na Suíça. Hellhammer teve um início difícil, mas em retrospecto foram aclamados pela inovação. Tom Fischer, idealizador da banda, tinha na música um refúgio. Sobrevivente de uma juventude trágica de abuso e violência, o garoto, quando livre, viria a amadurecer seu gosto musical voltado a linhagens mais extremas. Foi influenciado por bandas como UFO, Discharge, Rush, Motörhead, mas principalmente por Venom. Inflamado pelo single debut In League With Satan (1981) o jovem decide se dedicar ao ofício e, com o pouco que tinha, comprou um baixo. Anos depois ele formou a Hellhammer e fizeram três fitas-demo gravadas precariamente. A oportunidade apareceu pela convocação de bandas extremas feitas pela recém-criada Noise Records, da Alemanha. Em 1984 gravaram um split, Death Metal (não confundir com o subgênero de mesmo nome, explicarei sobre ele mais pra frente) e um EP, Apocalypyic Raids. Apesar da oportunidade, o álbum quase não foi publicado. “Nós chegamos lá como os poderosos da Hellhammer, uma banda de metal radical e extrema, e fingimos que sabíamos de tudo… E não sabíamos. Dissemos, ‘ nós vamos produzir esse EP e blá, blá, blá’, e obviamente ficou horrível pra época” (Dayal Patterson, 2013, p59). A crítica da época foi abismal mas o EP revolucionou a vida dos rapazes. O sonho não terminava ali, mesmo a banda não resistindo ao baque. Logo em seguida, Tom e Martin começaram a repaginar os conceitos postos até então, conceito, estética, álbum, temáticas e até o nome. Frost simbolizava o fim de um ciclo, a queda de uma civilização. No caso, Celtic (pronuncia-se Keltic), em referência a suas raízes. Em junho de 84, Hellhammer morre e de suas cinzas nasce a Celtic Frost. No mesmo ano, o miniálbum Morbid Tales marcaria o novo ciclo, mais inovador, mais pesado, mais groove, melhor gravado e melhor performado. Em 1985, gravam o inovador To Mega Therion com a capa, Satan I, do artista H.R. Giger. Dramático, rítmico e eclético, o álbum é aclamado até hoje e viria a influenciar, não só o black metal, mas muitas linhagens do metal extremo daqui pra frente. E da mesma forma, continuaram inovando nos anos subsequentes.
Outro grande influenciador, Bathory, apesar de chegar um pouco atrasada pra festa, marcou a noite. A capa de Bathory (1984) é inegavelmente icônica, assim como a atmosfera é o som do black metal da segunda geração (como abordarei mais adiante). Certa vez, no site oficial dos suecos, Quorthon teria descrito o som da banda como a “amalgama da penumbra de Black Sabbath, O som de Motörhead e o recém-descoberto frenesi de GBH” (Dayal Patterson, 2013, p37). O primeiro álbum é, sem dúvida, muito importante, mas o segundo, The Return….. (1985), é ainda mais sombrio que o debut e viria a inspirar fortemente o Black Metal dos anos 90.
O Inferno é aqui – Grindcore e Death Metal
Na Inglaterra industrial dos anos 80 ainda imperava o punk rock, sobretudo os da segunda onda. Eram mais velozes mais raivosos e mais revolucionários que nunca, tanto liricamente quanto musicalmente. Naquele ponto, ao contrário da repulsa dos anos anteriores, a colisão e intersecção com o metal era inevitável. O resultado dessa cruza seriam, principalmente, o crust punk e o grindcore. Grosso modo, o crust é mais punk que metal e o grind é mais metal que punk. A cena de ambos gêneros, e outros, não só coexistiam mas se retroalimentavam a cada show e a cada fita-demo ou EP gravado e distribuído. São muitas as bandas importantes que influenciaram essas linhagens, são nomes do Reino Unido como Discharge, Crass, Exploited, GBH; dos Estados Unidos como Siege e Dirty Rotten Imbeciles (D.R.I.); e do Brasil como Ratos de Porão, Cólera, Olho Seco e Inocentes; dentre muitas outras, mundo afora. Vale ressaltar que o punk em solo americano daria origem ao hardcore, mais agressivo e rápido semelhante a chamada segunda onda dos europeus, simplificando. Naturalmente a velocidade das músicas aumentou muito mas nem sempre o apelo técnico e virtuoso acompanhava. Tocar na velocidade de 230 BPM não é exatamente fácil, mas certamente a solos e riffs complexos não era o foco aqui. Mesmo as influências do metal tinham uma abordagem mais simples e crua como por exemplo, as bandas de thrash metal europeu, como os suíços da Celtic Frost (também associada a primeira onda de black metal) e os quatro do thrash alemão, Kreator, Destruction, Tankard e Sodom.
Assim, na metade dos anos 80 já se solidificava a cena do grindcore em volta de selos independentes como o Earache Records de Nottingham e Manic Ears de Bristol. Outro eixo importante foi o bar The Mermaid em Birmingham, responsável por catalisar uma fan base em volta da jovem Napalm Death. Mick Harris, com apenas 19 anos, é tido como o responsável por cunhar o termo blast beat, para descrever a batida veloz utilizada, e o termo grindcore, em referência ao hardcore punk. Foi com o álbum Scum (1987) que Napalm Death virou história. A absurda velocidade, a voracidade e o vocal político e direto viriam a ser o som do grindcore dali em diante, músicas curtas e soco na cara. Em relação a temática, outra forma se destaca. A banda Carcass de Liverpool, como o nome sugere, cantava literalmente sobre morte. A capa de seu debut Reek of Putrefaction (1988) é uma colagem feita com imagens de cadáveres e de autópsias retiradas de literatura médica. O álbum tinha um objetivo simples: ser o mais nojento e abjeto possível. E conseguiram, tanto é que nos relançamentos de alguns anos depois, a capa era outra. Dessa vez, a original ficava na parte de dentro do CD. A medida que a primeira geração de punk e a NWOBHM se tornava mainstream na Europa, os novos subgêneros se espalharam ao redor do globo. Do outro lado do oceano Atlântico, as cenas eram bem mais esparsas, naturalmente, e continuavam se proliferando com o status de movimento underground. Washington D.C., Nova Iorque, Los Angeles, Boston e oeste de Massachusetts; Ontário e Colúmbia Britânica; São Paulo, Belo Horizonte, Santiago, Bogotá, Lima, Cidade do México, para citar alguns eixos. Nos Estados Unidos a versão mais pesada do punk foi chamada de hardcore e trasbordou pras outras nações americanas, além de ter influenciado a cena underground dos europeus, como exemplificado anteriormente.
De Flint, Michigan, Matt e Scott tinham interesses em comum. Os jovens eram entusiastas da cena hardcore e amantes de Celtic Frost e Slayer. Formaram uma banda em 84, primeiro foram Tempter, depois Genocide, Ultraviolence e Genocide de novo, mas sempre buscando tocar rápido. Apesar de altos e baixos, em 86 já tinham certa popularidade localmente. Apesar disso, o agora quarteto, trocou o nome pra Repulsion e com as habilidades mais amadurecidas, viriam a se estabelecer como precursores do grindcore nos EUA. Mas foi em 1989 que o compilado de demos, Horrified, chegaria na Europa, lançados pelo selo da Carcass, Necrosis Records (subsidiária da Earache Records, aquele selo da Napalm Death). Não é a toa que foram notados. A banda tinha um timbre semelhante a Slayer porém mais rápida e compartilhavam da temática gore com os britânicos. The Stench Of Burning Death e várias outras, são sobre apocalipse zumbi, por exemplo. Apesar da vida curta, a banda foi assertiva e deixou seu nome na história do grind americano.
Com apenas 15 anos de idade os amigos de escola formam a banda que anos depois criaria o termo death metal. Os garotos norte-americanos da Possessed buscavam o som e aura sombria dos debuts de Slayer e Venom, satanismo incluso. Se agruparam em 1982 e amadureceram suas habilidades ao participar ativamente da cena de thrash metal em Bay Area, Califórnia. Essa cena também é conhecida por gestar nomes do thrash como Metallica e Exodus. O som era bem semelhante ao thrash, porém bem mais satânico e com vocal muito distorcido. Daí, plantaram a demo Death Metal, em 1984, e no ano seguinte colheram a gravação do álbum Seven Churches. Assim, Possessed influenciaria tanto a cena do thrash metal como a ainda inexistente cena do death metal. São duas as bandas consideradas precursoras no subgênero. Além de Possessed, contribuindo com o nome, atmosfera e vocal mais agressivo que o thrash, Death foi quem deu o passo adiante na brutalidade.
Também criada por amigos da escola, inspirados em Venom e Motörhead. A primeira iteração da banda se chamava Mantas, em homenagem ao guitarrista da Venom. Em 1984 a banda já tinha uma demo, mas tudo mudou quando eles tiveram acesso a demo Death Metal, da Possessed. A epifania gerada nos garotos foi tanta que mudaram o nome da banda pra Death e trataram de engrossar mais a música. No fim do mesmo ano se apresentariam pela primeira vez como uma banda de death metal. No ano seguinte um dos guitarristas sai da banda e em busca de novos integrantes, tentam juntar esforços com os amigos de Michigan da banda Repulsion (Genocide na época). A dupla vai até a Flórida, mas logo desistem e voltam pra reagrupar a banda. Diferenças criativas os separaram, porém acabaram por fazer uma troca importante. Chuck, da Death, tinha em mãos uma demo Surrender or Die da banda underground canadense Slaughter. Era um som ainda mais rápido que o disponível anteriormente e viria a influenciar tanto Repulsion como Death. Em seguida Chuck vai até São Francisco atrás de um bateirista mas acaba voltando em menos de dois meses. Então tenta com uma banda em Toronto mas em dois meses, pula pra outra. O nômade finalmente consegue um parceiro para gravar uma demo, Mutilation (1986), o que rendeu um contrato com a gravadora indie Combat Records. Mais uma vez Chuck retorna a Flórida, mas não sozinho. Em novembro de 1986 nasce o álbum Scream Bloody Gore. Apesar do bom resultado, o baterista acaba retornando a califórnia, deixando Chuck sozinho mais uma vez.
Paralelamente as idas e vindas da Death, a Morbid Angel ia pra lá e pra cá. Formada pelo amor compartilhado por Black Sabbath e Iron Maiden, Mike e formam a banda Morbid Angel. A banda começa oficialmente em 1984. Até 1988, o grupo sofreria diversas mudanças, sendo o único membro constante o guitarrista Azagthoth. O início não foi nada fácil. Eles se mudaram pra Charlotte em função de um estúdio. De dia trabalhavam num lava-jato e de noite ensaiavam e compunham. Foi nessa época que descobriram o álbum Scum dos britânicos da Napalm Death, o que os incentivou bastante. Em 1987, com a demo Thy Kingdom Come em mãos, retornam a Flórida. No ano seguinte já se sentiam prontos para colocar a Morbid Angel no mapa e, depois de muitos telefonemas, saem para sua primeira tour, viajando em um ônibus escolar velho. Os shows eram pequenos, obviamente, mas ainda assim ajudaram a dar forma a cena underground dos Estados Unidos.
A banda Obituary começou ainda mais cedo que as outras bandas mencionadas. Idealizada pelos irmãos Tardy. Apesar da educação católica, a inclinação pra música extrema veio desde cedo. Eles começam na infância com a bateria de um amigo e nos anos seguintes se inspirariam na cena underground local. Em 1984 já tinham uma banda, Xecutioner junto com um colega do ensino fundamental. Inspirados inicialmente pelas bandas emergentes, como Venom, Slayer e Metallica, foi com a descoberta de Morbid Tales, da Celtic Frost, que a imaginação fluiu. Entre 85 e 87, os garotos gravam algumas fitas-demo, que acabam parando nas mãos do editor de zines e futuro jornalista do site blabbermouth, Borivoj Kgin, que se impressionou com o vocal abrasivo de John Tardy. Com sua ajuda, os garotos garantiram um espaço no split Raging Death (1987), abrindo muitas portas pra futura banda Obituary.
Nesse caldeirão com os primórdios do thrash, death, black, grindcore, punk, hardcore música brutal surgia de todos os cantos. Esses jovens rebeldes não são os únicos. Na Suécia, fortemente influenciados pela Bathory e por hardcore local e americano, uma onda de novos artistas surgia e viria a dar a região a alcunha de país do death metal. Entombed, Dismember, Unleashed, Grave e Tiamat, também fundadas por jovens artistas, influenciaram muito no contágio do death pela Europa. Exemplos de bandas notáveis são Fear of God, de Suíça; Disharmonic Orchestra, da Austria; Vader, da Polônia; Krabathor, da antiga Tchecoslováquia; entre muitos outros. Nas Américas, nomes como Sepultura e Sarcófago, de Belo Horizonte; Vulcano, de Santos; Mystifier, de Salvador; Pentagram, do Chile; Mortem e Hadez, do Peru; Autopsy e Cannibal Corpse, nos EUA;
É importante lembrar que distinguir entre primeira e segunda geração é interessante a fim de clareza acerca de diferentes linhagens de black metal, porém tais termos podem dar a entender que são dois conceitos distintos. Na realidade a transição foi gradual à medida que fitas-demo e álbuns eram, de mão em mão, lançados e distribuídos; e interpretados, replicados e/ou expandidos. Esses termos vieram a ser aplicados a posteriori e com distanciamento histórico. Talvez uma melhor interpretação seria a de que, na época, cada artista era considerado mais extremo ou obscuro, do que pertencente a essa ou aquela linhagem. Exemplos perfeitos de elos entre a primeira e segunda geração do black metal são Slayer, dos EUA e três dos Big 4 do thrash teutônico: Sodom, Kreator e Destruction. Com a exceção de Tankard, que segue uma linhagem mais leve, os alemães intensificam bem a temática sobre satanismo, violência, guerra e antifascismo. Outro diferencial é a velocidade e a abrasividade das composições que se equiparam ao punk hardcore da época.
No Brasil, em 1984 e 1985, duas bandas importantes são formadas: Sepultura e Sarcófago. Ambos são considerados os precursores do black, do death, e no caso de Sepultura, do groove e do nu metal. Walter começa na Sepultura mas após desavença com os irmãos Cavalera, sai da banda. No ano seguinte foi convidado pra Sarcófago. Tiveram forte influência de bandas como Black Sabbath, Celtic Frost, Bathory, Napalm Death, Slayer, Exodus, Motörhead além de hardcore gringo e brasileiro. Sepultura sai na frente com o álbum Morbid Visions (1986). Lançado pela Cogumelo Records. O álbum tem uma produção fraca, assim como a performance. Em 1987, lançam Schizophrenia, já com o som mais polido e mais definido pra linha do thrash metal. No ano seguinte assinam com a Roadrunner Records e lançam o álbum internacionalmente. Também em 1987, os mineiros da banda Sarcófago lançam o debut I.N.R.I., pela Cogumelo Records. O álbum também sai do país e viria a ser particularmente influentes na cena do black metal norueguês, influenciando sonicamente com o blast beat e aprimorando no visual malvado e pretensioso, como na capa do debut. Se trata de uma foto dos integrantes num cemitério, usando corpse paint, cruzes invertidas e acessórios de pregos e balas, dando início a tradição das capas de álbum soturnas e monocromáticas, nesse mesmo estilo.
O Silêncio do Morto – 2ª Geração do Black Metal (1990)
Voltamos à Suécia. O ano era 1987 quando Quorthon, com 21 anos, lançava o terceiro álbum da Bathory, o último da trilogia satânica. Under the Sign of the Black Mark é obscuro e cavernoso como os anteriores mas inova na utilização de sintetizadores, elemento que viria a influenciar bandas como Sigh e Samael. A partir daí Quorthon começa sua segunda trilogia, dessa vez focando em cultura nórdica pré-cristianismo. Os álbuns seguintes impulsionaram um novo subgênero, o viking metal. Ao que parece acidental, a segunda trilogia inspiraria o nacionalismo fascista das bandas nórdicas que viriam a incorporar signos ligados a cultura nórdica em seus anseios nazistas. Quorthon nega ter tal ideologia e alega que nessa época seu interesse é exclusivamente na história antiga. É preciso ressaltar que a partir daqui neofascismo é muito recorrente, então é recomendável, a quem tiver interesse em black metal, que pesquise sobre os artistas. Até mesmo aqueles que não aparentam podem compartilhar dessas ideologias. Um bom exemplo atual é a Deathspell Omega que tem atitude suspeita. NSBM (black metal nacional-socialista, essencialmente black metal nazi) é o termo utilizado para se referir ao subgenero dos fascistas. Os seguintes compilados são um bom ponto de partida pra pesquisa: Black Metal: Is it sketch? (“Esse é suspeito?”) https://rateyourmusic.com/list/ChadWorthington1/black-metal-is-it-sketch/3 e Black Metal bands and their politics (“Bandas de BM e suas políticas”) https://rateyourmusic.com/list/HelloInquisitor/black-metal-bands-and-their-politics/3/.
Nesses compilados não consta o perfil de uma banda que será mencionada. Sarcófago é sketchy. São racistas e homofóbicos conforme a entrevista no Fúria Metal em 1997, disponível no Youtube. O entrevistador pergunta pra eles sobre a faixa Purification Process cuja a letra diz “fuck off the gays, fuck off the indians, fuck off the browns”. Eles afirmam se referir apenas a estilos musicais, mas tem que ser muito trouxa pra acreditar nessa resposta. O vocal da música é praticamente inaudível mas o que dá pra escutar não corrobora com a explicação. O álbum em si, pra além de ser bem ruim, trem uma vibe bem reacionária. Enfim, vamos ao que interessa.
No início dos anos 90, Wagner Antichrist, da Sarcófago, já trocava correspondências com o responsável pela atenção negativa em torno do black metal e por sua disseminação. É por aqui que inicia a segunda geração de black metal. E não era o único. Oysten, conhecido como Euronymous, já havia reunido em torno de si popularidade na cena musical da Noruega e em outras cenas mundo afora, como da Colômbia, Japão, EUA e outros. Especialmente depois de abrir uma loja de discos e dar início a Deathlike Silence Records em Oslo. Ele e seu infame grupo, o Inner Circle, viria a chamar atenção pro black metal norueguês das formas mais abjetas e criminosas, incluindo fogo criminoso, suicídio e assassinato. Tudo começa em 1984, quando três adolescentes rebeldes de classe média se encontram. Unidos pelo interesse comum em Black Sabbath, Venom, Motörhead e Celtic Frost, os jovens formam a Mayhem. Eles gravam diversas fitas-demo nessa época. Buscavam fazer música de maneira mais abrasiva possível. Além de utilizarem de agressividade, como seus ídolos, buscavam intencionalmente fazer gravações em péssima qualidade. A transgressão não era só sonora, mas estética, sempre de maneira desconfortavelmente porca. E até aí, tudo bem. Foi em 88 que a situação começa a ficar absurda. Ingressam na banda um bateirista e um vocalista sueco. De pseudônimo Dead, logo de cara já apresentava um comportamento notoriamente evasivo, depressivo e uma estranha obsessão por morte. Isso que só piora quando eles se mudam para uma casa numa região rural. Em 1991, ele tira a própria vida. Ao encontrá-lo, supostamente, Euro retorna para buscar uma câmera e então fotografa o cadáver antes de chamar a polícia. A foto viraria capa de um bootleg. Em luto e enojado pelo comportamento do guitarrista, o baixista deixa a banda, sendo o único virar as costas ao grupo. O comportamento dos integrantes dali em diante piora ainda mais, especialmente de Euronymous que frequentemente se portava como uma pessoa cheia de ódio e malvada, o que, segundo os mais próximos, se tratava de um personagem. Seu discurso envolvia promover um satanismo “real”, anticristianismo e discurso de ódio, sempre em função de criar uma aura em volta de si. De certa forma, funcionou. Em entrevistas e até conversas privadas com as revistas underground da época, Euro performava dessa maneira. No mesmo ano ele abre uma loja de discos, que vira um ponto focal para a cena. Os mais próximos, integrantes de outras bandas, viriam ser conhecidos como o Inner Circle. Se instaurava ali uma aura de culto, com Euronymous como charlatão. E, assim como antes, chegada de outra personalidade problemática tensionou ainda mais a situação. Varg é o nome por trás do projeto Burzum. Ele ganhou atenção do grupo e admiração de Euronymous ao colocar em prática o que antes era apenas discurso. Diversos crimes foram cometidos nessa fase. Incêndios criminosos em igrejas cristãs por autopromoção. Um assassinato de um homossexual. E pra fechar com chave de ouro, em 1993, Varg assassina Euronymous a facadas por uma desavença envolvendo questões financeiras, supostamente. Ele é sentenciado a 21 anos de prisão, levando junto dois cúmplices e o outro assassino. As bandas mais próximas a essa situação foram Thorns, Emperor, Immortal, além da Mayhem e Burzum.
Toda essa situação vira publicidade para o grupo, expondo-os não só para a noruega como para outros países. Apesar dos crimes, o som cortante e obscuro feito nessa época foi extremamente influente, pro bem e pro mal. O black metal já tinha tomado muitas formas diferentes e os eventos ocorridos na Noruega viriam a catalisar muitos outros projetos, com a expansão dos conceitos já estabelecidos, a criação de novos e a fusão com outros. As mais variadas temáticas viriam a ser abordadas para além do satanismo. Religião, filosofia, política, história e ciência. Supremacismo e neonazismo, com o nacional socialist black metal (NSBM); anarquismo e marxismo, com o red and anarchist (RABM). Linhagens formaram um black mais melódico e sinfônico, como em Cradle of Filth. Outras se misturam com música folclórica, como Ulver, Moonfog, Enslaved e Negura Bunget. Outros inovam no campo da música eletrônica, como Beherit, Mysticum e Striborg, todos os três mudando drasticamente seus estilos. Outros tão inovadores e ecléticos que nem me arrisco a classificar, como Sigh, In the Woods... e Solefald. Isso sem falar dos que continuam a expandir as fronteiras, como Krallice, com uma abordagem progressiva, explosiva e atmosférica; Jute Gyte, com música atonal e de ritmos incompreensíveis; Cult of Fire, com mantras dedicados a Kali; Liturgy, com a subversão e superação do “black”; The Botanist, com um dulcimer e uma profecia; Violet Cold, combinando blackgaze, eletrônica e folk azeri. Existem muitos tons de black.
50 Tons de Morte – Nu Metal
No fim do milênio, música extrema já era bem difundida tanto no underground, black, death grind, hardcore; como no mainstream, como glam metal, NWOBHM, punk. Outro gênero musical transgressor muito importante não foi mencionado até aqui. Nos anos 80, assim como o metal e o punk, a cena do hip-hop crescia muito nas margens da cultura contemporânea, cenário perfeito para a formação de mais linhagens inovadoras. Em 1984, início da era de ouro do hip-hop, Run-D.M.C. lança um álbum autointitulado com a música Rock Box, uma das primeiras músicas a fundir rock com rap e o primeiro clipe de hip-hop a tocar regularmente na MTV. Em 1986, é lançado o sucesso Walk This Way, uma colaboração da Aerosmith e Run-D.M.C. Em 1987, o guitarrista da Slayer colabora com a música No Sleep Till Brooklyn dos Beastie Boys. Também em 87, a banda Anthrax lança o EP de rap metal I’m the Man com samples do Run-D.M.C. e dos Beastie Boys. Em seguida, Public Enemy lança a música Bring the Noise com a participação da Anthrax. A colaboração também rendeu uma tour. Em 1989, Faith No More lança o eclético The Real Thing. Em 1990, Primus lança Frizzle Fry. Em 1991, vem o autointitulado Mr. Bungle. Em 1992, tem o rap metal do Body Count, autointitulado. Em 1994, Korn abre a caixa de pandora. Assim se formou o nu metal, simplificando muito. Depois vem Rage Against the Machine, Deftones, P.O.D., Limp Bizkit, Sepultura, System of a Down, Slipknot, Linkin Park e por ai vai. Mais uma vez o underground transborda no mainstream.
Esse artigo não risca nem a superfície do tema, mas espero muito que desperte a curiosidade. O objetivo principal foi catalogar, sobretudo aqueles entre 1980 e 2000, de maneira introdutória os diversos subgêneros para que seja um ponto de partida para uma melhor compreensão da história do heavy metal e também para o descobrimento de novas formas de perceber, sentir e compreender o mundo e tudo aquilo que a arte pode refletir. Além de pesquisar bastante pra tentar ser acurado e sucinto, preparei a playlist com carinho e com muito cuidado para tentar não incluir nenhum artista de má índole ou de ideologia criminosa. Ainda assim vale relembrar que é sempre bom fazer uma pesquisa sobre os artistas do metal extremo. Em seguida, darei uma breve apresentação de álbuns que acho muito interessantes. Eles estão separados entre clássicos e modernos e estão em ordem de ano de lançamento. Caso queira escutá-los enquanto lê, todos eles aparecem ali na playlist.
Os clássicos
Venom | Black Metal (1982)
Newcastle, Tyne and Wear, Inglaterra
Além de dar nome ao gênero, o começo do satanismo explícito é aqui. Nesse caso é de tom satírico, nada de se levar a sério. Levemente mais picante que o rock da época, é energético e animado ao contrário do que a capa sugere. Em comparação ao álbum anterior, Welcome to Hell, um álbum demo disfarçado, é bem melhor produzido e mais refinado. Se é que dá pra chamar de refinado.
O menos black dos metais é bem sombrio mesmo assim. A caveira diabólica da capa não mente. Mas não é exatamente como os outros da primeira geração do black metal. É bem mais sério e filosófico que os outros. Por natureza, afinal é mais sobre um satanismo ateísta, Satanás aqui é mais um símbolo do que qualquer outra coisa. O álbum conta com momentos épicos de vocal de falsete bem agudo e limpo, tipo Iron Maiden e longos solos de guitarra.
Bathory | The Return….. (1985)
Estocolmo, Estocolmo, Suécia
A atmosfera é sombria, a guitarra é bem chiada e embolada; a batida é desleixada e oscilante e o vocal é moribundo e amargo. Black metal 101. Esse álbum é considerado da primeira onda de black metal e é o mais influente nas características sonoras da segunda onda. Com certeza é uma antiobra-prima.
Slayer | Reign in Blood (1986)
Huntington Park, Califórnia, EUA
Da galera do thrash norte-americano, Slayer é de longe o mais rápido, o mais sombrio e o mais satânico de todos. A capa é do artista Larry Carroll. O álbum não chega a ser tão sinistro e grotesco quanto um black metal, mas, com certeza, é pra lá que ele aponta. Tem a batida clássica do thrash, só que mais rápida e com mais pedal duplo. O vocal é bem agressivo e melódico, estilo Metallica. É um clássico do black/thrash que inspirou a maioria dessa lista e provavelmente vai continuar assim. Reign in Blood é o Sgt. Peppers do metal extremo.
Napalm Death | Scum (1987)
Birmingham, Midlands Ocidentais, Inglaterra
Desde o início é bateria a todo vapor. Os riffs são simples e efetivos, como no punk rock, porém com tanta distorção que em momentos nem se entende. Pra combinar o baixo é cheio de distorção, o que ajuda a criar essa onda gigante sonora onde o vocal surfa loucamente. A onda quebra e em seguida vem outra, de novo e de novo. As músicas são bem curtas mesmo, é coisa de dois minutos em média. Cada uma joga na cara do ouvinte duras verdades sobre a nossa sociedade, nada de satanismo e ocultismo. A realidade já é sinistra o suficiente.
Sigh | Scorn Defeat (1993)
Tokyo, Kantō, Japão
Segue bem a fórmula do black metal da segunda geração. Aura fantasmagórica, guitarra opressora, batida pesada e vocal demoníaco. Em contraste, chama a atenção o uso de piano e órgão em momentos chave, dando continuidade a melancolia porém de maneira graciosa, mostrando uma faceta virtuosa do compositor. Outro diferencial vem do uso da mitologia Hindu como pano de fundo. O álbum descreve o apocalipse ou o fim do quarto yuga, segundo hinduísmo. Ready for the Final War descreve o momento em que Kongoyasha, Fudo, Gundali, Daiituko e Gouzanze empunham suas espadas antes do fim. “Adentrando no vazio, onde nem mesmo a escuridão pode existir, então apenas chore nesses destroços”.
Ulver | Bergtatt (1995)
Oslo, Noruega Oriental, Noruega
Apesar de ser contemporâneo e conterrâneo dos artistas mais problemáticos da noruega, aqui a pegada é bem menos caricata. Não que não seja sombrio mas a produção é bem mas apurada, as músicas são mais polidas. A atmosfera não é desconfortável, mas também não é amigável. Como a floresta da capa, onde, segundo a letra das músicas residem trolls sedentos por cristãos. Também diferente dos outros, o vocal limpo é predominante. O vocal distorcido é dedicado somente aos trechos mais rápidos e barulhentos. Chama a atenção o contraste atingido ao trazer trechos complexos de violão logo após o rugir da guitarra. Chama atenção também a dinâmica, o álbum conta com momentos de maior volume e de menos volume, criando uma espacialidade rara nos primórdios do black metal. A quarta faixa, Een Stemme Locker, é um dos momentos mais marcantes do álbum. São dois violões, uma simples percussão e vocais etéreos e sombrios, criando uma atmosfera melancólica e opressora.
Death | Symbolic (1995)
Altamonte Springs, Flórida, EUA
When did it begin? (Onde começou?) É contra intuitivo, mas é sobre a vida. O álbum começa com Symbolic que começa com um andamento bem contido, porém manco; com uma conversa filosófica e séria. Logo em seguida a velocidade aumenta e o pedal duplo come solto. Um breve respiro e começa de novo. E assim segue, filosófico e cerebral, com solos complexos. Mesmo nos momentos mais fictícios o álbum, como em Misanthrope, serve ao terreno sempre. Nessa faixa fala sobre um ser estelar que nos observa coletivamente e ele odeia o que vê. De certa forma o álbum inteiro é assim, reflexões sobre conflitos da humanidade, simbólico.
Sepultura | Roots (1996)
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Um clássico do nosso país. Mistura música indígena e africana com o peso da guitarra, groovado e agressivo que traz das profundezas um ódio milenar. Para a criação do clássico, os mineiros buscaram se voltar as raízes da nossa cultura, então viajam até o Mato Grosso conhecer a comunidade Xavante na terra indígena Pimentel Barbosa em Canarana. Eles saem de lá inspirados e com duas faixas, Itsári e Canyon Jam. Lá ocorre uma troca muito importante pra história da música nacional.
11Meshuggah – ObZen (2008)
Umeo, Västerbotten, Suécia
ObZen é tão influente que é discutível a criação de um novo subgênero do metal: o Djent. O nome é em referência a onomatopeia do palm mute numa guitarra de 8 cordas. É basicamente o som percussivo estranho como no verso de Electric Red. Por mais estúpido que pareça, esse tipo de guitarra deu origem a inúmeras bandas que buscam imitar esse rugido grave para ser usado de maneira rítmica. Pra que usar um baixo se existem guitarras de 8 cordas, não é mesmo? Faz perfeito sentido. Pra além desse timbre peculiar, o ritmo consegue ser mais absurdo ainda. Esse é o tipo de coisa que é melhor mostrar do que explicar, então não vou nem tentar explicar. Adianto aqui que o baterista não é um robô, é de fato um humano, por incrível que pareça. Fato curioso e menção honrosa: o baterista, o Thomas Haake, é casado com a Jéssica Pimentel. Ela é mais conhecida por seu papel em Orange is the New Black mas também é vocalista das bandas Alekhine’s Gun e da clássica Brujeria (ella es La Bruja Encabronada), ambas do death metal.
Os Modernos
Krallice | Years Past Matter (2012)
Nova Iorque, NY, EUA
Esse é uma montanha-russa do início até o fim. Uma não, muitas emendadas. As músicas não tem uma estrutura clara, a cada trecho vai avançando e avançando, com um trecho mais forte que o outro. O ritmo é abstrato como o nome sugere e fluido como a lava retratada na capa. “Anos Após a Matéria” é uma viagem sem volta pra além da existência da vida nesse universo.
Solefald | World Metal. Kosmopolis Sud (2015)
Kristiansand, Agder, Noruega
O nome da banda significa “pôr do sol” na língua nórdica antiga. As temáticas da banda tendem a ser mais cabeçudas, são sobre filosofia, política, história e coisas do tipo. E pra combinar, o som é bem eclético. A faixa de abertura é sobre a história da humanidade e incorpora vários tipos de música ao longo dos oito minutos. A faixa dois questiona a história moderna. A quarta conta a história moderna. As mais pesadas são a seis e a sete, que falam sobre o atentado em Oslo de 2011 e sobre luto. As letras são em inglês, francês e norueguês, colocando ainda mais variedade pro mix. É um álbum muito detalhado e interessante, assim como os outros da banda.
Al-Namrood | Diaji Al Joor (2015)
Arábia Saudita
Al-Namrood é uma das bandas mais underground que existem e não é por opção. Num país onde religião é política, a sharia wahbabita, não existe nenhuma possibilidade da banda ver a luz do sol. Nesse caso, desafiar a religião é punível por lei, quem dirá em forma de black metal. Ainda assim, desde 2008 o trio lança suas músicas na internet. No início, no estilo lo-fi e cru característico do gênero, mas com o passar dos anos as produções foram melhorando cada vez mais. O quinto álbum da banda, Diaji Al Joor, representa fortemente a crescente da banda, em termos de composição, produção e emoção. Logo na primeira faixa a atmosfera desértica é posta. O vento sopra, uma harmonia de neys, um oud, um canto sinistro é a prenuncia de que algo sombrio está por vir. Em seguida a percussão e o oud anunciam o começo. Outros instrumentos marcantes desde a primeira faixa são o qanun, semelhante a uma harpa; o darbuka, tipo um tambor; e o violino. Em entrevista com a Vice, Mephisto revela: “Não há o que explicar, os conceitos envolvidos no black metal descrevem o que estamos experienciando. (…) O que pode ser mais motivante do que viver num país onde tudo é controlado pela religião?”
Zeal & Ardor | Devil Is Fine (2017)
Nova Iorque, EUA/Basileia, Suíça
Manuel Gagneux conta em uma entrevista sobre seu post em um fórum sobre música que gera a temática que muda o conceito de black no metal. E se os escravizados trazidos pras Américas tivessem se revoltado contra a imposição ao cristianismo? E se buscassem aliança com o inimigo para a destruição de seus mestres? Daí surge a mistura de gêneros afro-americanos estadunidenses (da ancestralidade de Gagneux) com o black e death europeu. A banda formada na suécia seguiu essa linha no álbum seguinte, Stranger Fruit, e mais recentemente divergiu dessa formula em favor de novas misturas de gêneros bem interessantes.
Botanist | Collective: The Shape Of He To Come (2017)
São Francisco, Califórnia, EUA
Diferente dos outros álbuns de Otrebor, a primeira faixa entrega a identidade do instrumental. Não existem guitarras em suas composições. O baterista, buscando dar forma ao conceito, escolhe o dulcimer de martelo como instrumento tonal e começa a praticar. É uma espécie de harpa em uma caixa trapezoide tocada com martelos de madeira semelhantes a baquetas de bateria. Dessa forma ele conseguiria transferir seus conhecimentos percussivos e compor black metal sobre plantas. O conceito da banda gira em torno desse personagem perturbado, o botanista, que busca exílio na floresta por odiar o avanço tecnológico as custas da destruição dos ecossistemas. Em solitude, o botanista recebe mensagens proféticas sobre o apocalipse Verdante. Infelizmente, no momento da escrita desse artigo, o site que explicava a história e os termos utilizados nas músicas encontra-se fora do ar. Todavia, em Collective, a mensagem é clara em relação a profecia. Essa obra inova muito em cima de conceitos básicos do black metal. Como sugerido em outro álbum, a obra de Otrebor se trata de green metal.
Alien Weaponry | Tangaroa (2021)
Waipu, Bream Bay, Nova Zelândia
A primeira vez que eu vi uma seleção neozelandesa performando um haka (num dos jogos olímpicos, eu acho) eu me impressionei muito. “É muito do rock”, eu pensei. Experienciar todo o poder do haka em um álbum de metal é absolutamente incrível. Tangaroa é cheio dessa energia empoderadora. O instrumental se encaixa perfeitamente com o canto de guerra, é groovado e dançante, a guitarra é bem pesada e percussiva. E colocando no contexto lírico, faz mais sentido ainda. O álbum é cantado em inglês e em maori e fala sobre a mitologia local e da colonização sangrenta do império britânico. Pra quem gosta de metal, esse aqui é obrigatório.
Wormrot | Hiss (2022)
Singapura
Singapura é o país dos precursores do metal védico, Rudra. Mais recentemente, os mais populares são da Wormrot, desde 2010 assinados com a lendária Earache Records. Hiss não é só grindcore, é hardcore, é thrash, é black. Vocal ora furioso ora poderoso; riffs memoráveis, riffs porrada, riffs black; blast beats insanos e várias batidas diferentes; e um violino absurdo. É um álbum muito versátil considerando que o foco deles é grindcore, gênero que por vezes não tem muita nuança e variedade de emoções. É muito memorável considerando que tem 21 faixas e só 32 minutos. Na verdade parece ter bem menos faixas de tão bem que uma leva a outra. Fato curioso: Wormrot tinha uma fã muito fofa e excepcional. Seu nome era Biquette (~2003 – 2013), também conhecida como a cabra do punk rock. Ela teve um momento de fama em 2012 quando postaram fotos suas na internet. Até onde sei, é a primeira fã de grindcore não-humana já registrada.
Liturgy | 93696 (2023)
Brooklyn, Nova Iorque, EUA
Haela Hunt-Hendrix é provavelmente uma das artistas mais inovadoras da lista. A americana vem trabalhando seu estilo de composição desde 2008 a fim de virar o conceito de black metal do avesso. Em 20xx em um manifesto, Transcendental Black Metal – a Vision of Apocalyptic Humanism, a compositora define o que busca fazer como transcendental em oposição ao que chama de hyperbolean black metal, fazendo referência a segunda onda de black metal. Ali ela define a filosofia de seu trabalho em busca de superar a tradição de ampliar cada vez mais a intensidade para além do círculo vicioso depressivo que não tem início ou fim. A saída, dentre outros aspectos, seria se desfazer do uso do blast beat em troca do que chama de burst beat. Em resumo, seria mais fluido e mutante que o “um-dois, um-dois, um-dois” do blast beat tradicional. Esse papo cabeçudo, por mais pretensioso que pareça, deu força pra que Haela fizesse esse tipo de metal de luz, empoderador, pulsante e fluido. Isso sem falar da questão espiritual trazida por sua filosofia, que, francamente, eu não compreendo. A pesar da noção de ritmo mais fluido não ser coisa criada aqui, certamente a versão proposta chama a atenção, não só pela complexidade mas pela intensidade e sinceridade emocional que as transições, viradas e erupções proporcionam. Os elementos trabalhados nos cinco álbuns anteriores se convergem nesse, que é facilmente um dos melhores álbuns dessa lista.
Arka’n Asrafokor – Dzikkuh (2024)
Lomé, Maritime, Togo
Arka’n é muito assertiva em seus feitos. Se trata da primeira banda de metal de Togo, pequeno país da África ocidental, próximo da Nigéria e da Costa do Marfim. Dzikkuh traz elementos da cultura Jeje pro universo do metal. A fusão de elementos do thrash, groove, nu e metalcore, com padrões rítmicos complexos criam o que chamam de afro metal ou asrafocore (asrafo significa guerreiro em jeje). Esse álbum tem a atmosfera única da Terra-mãe, empoderadora e feroz como o rugido da leoa. Assim como fazem Alien Weaponry e Sepultura, furar a bolha da hegemonia rítmica ocidental é fundamental para a difusão da música extrema ao redor do planeta. Esse álbum é obrigatório pros metaleiros e curiosos.
Oranssi Pazuzu – Muuntautuja (2024)
Tampere, Bircária, Finlândia
Um sonho febril. Aparição alien ou alucinação sideral? Logo de cara o ouvinte é apresentado com esse ritmo estranho, pulsante, que vai até o fim da música e ainda sim a construção atmosférica do clímax segue com riffs graves e rítmicos. O vocal absurdo e a letra em finlandês corroboram muito pra uma vibe psicodélica e alienígena. Quando cheguei em Valotus, a sexta de oito faixas, achei que era o fim. O que diabos poderia vir depois da morte. A cada sequência de ghost notes, um pouco mais perto do centro do pesadelo. Provavelmente uma das músicas mais catastróficas que já escutei. Mas realmente tem vida após a morte. As últimas duas faixas mostram justamente a contemplação do resultado da bad trip astronômica.