Clipping. e a Abstração do Horror Urbano
Você, que mora em uma metrópole e nunca presenciou:
Trilha de sangue numa avenida movimentada
Porrada generalizada com direito a tiro pra cima
Gritos sem explicação que acordam a vizinhança inteira
Múltiplos assaltos a mão armada
Então você não mora em uma metrópole.
A inevitável abstração do horror urbano é, na minha opinião, a mais visceral e complexa categoria do gênero. Não tem rosto, não tem aviso prévio, a violência humana é de natureza imprevisível e simples de entender; a mais real, trivial e instintiva forma de falar sobre horror. O ano de 2020 foi um terror por si só, um para os estudiosos e os livros de história tentarem explicar, além do fator óbvio que fez deste ano uma gigantesca torre de estrume, 2020 também foi um ano repleto de controvérsias políticas e sociais.
"Donald Trump is a white supremacist, full stop
If you vote for him again, you're a white supremacist, full stop
Call it like it is, and then let the rims spin 'til they full stop
Put one up for Big Floyd, the march is not goin' to stop"
- Chapter 319
"Visions of Bodies Being Burned" é o segundo disco conceitual de horror sci-fi do grupo clipping. Herdando a temática lírica de "There Existed an Addiction to Blood", mas ao mesmo tempo muito mais confortável com a sonoridade mais áspera e industrial; os minutos finais das duas primeiras faixas flertando com a Noise Music quase como artefato de jumpscare. Afinal de contas, esse é um disco de histórias aterrorizantes.
Os - muitos - interlúdios entre as principais faixas do disco são artifícios sonoros imprescindíveis para a construção estética. "Wytchboard" e "Drove" sendo urgentes para as faixas que as precedem. "Say The Name" evoca imagens de slashers dos anos 90, mas principalmente "Candyman".
"Eaten Alive" também referencia o filme do mesmo nome, do diretor Tobe Hooper. O último terço da canção serve de noisescape e interlúdio para "Body for the Pile" que é de longe uma das faixas mais movimentadas e experimentais do projeto, também um dos pontos mais altos em relação à produção, onde inúmeras fontes sonoras banais, como: alarmes, apitos e clicks harmonizam.
O tema visceral e cru da violência urbana se faz presente em "‘96 Neve Campbell" e "Make Them Dead", como na primeira linha da faixa ilustra: medo, ódio, raiva, morte e doença. Nos transportando automaticamente para a tensão política-racial em meio a uma pandemia global.
Os fantasmas e personagens daquele ano caótico ainda vivem conosco; vivenciando tudo isso do sul global, mas sabendo dos impactos aterrorizantes que assombram as minorias numa intensa crescente do renascimento do proto fascismo. Nada mais desconfortante do que a vida real e a discrepância entre quem domina e quem é dominado.