Crítica | Enquanto Estivermos Juntos
Existem muitos filmes sobre fé, espiritualidade e religião. Assim como existem milhares de romances no cinema. Contudo, essa foi a primeira vez que assisti um filme que só pode ser classificado como, simplesmente, gospel.
Um filme gospel.
“Enquanto Estivermos Juntos” é dirigido por Andrew Erwin e Jon Erwin, e conta a história real de Jeremy Camp, cantor e compositor americano, de música gospel, que possui uma carreira de sucesso. O filme se passa durante sua juventude, e conta história de seu romance com Melissa. Dizer mais do que isso, caso você não conheça a história do artista, é dar spoilers.
Sem saber de absolutamente nada sobre o longa, o assisti de coração aberto. Mesmo sem ser católico, muito menos ortodoxo, me conectei com alguns elementos da narrativa e me emocionei em algumas cenas. De modo geral, a estrutura do filme funciona, e acomoda bem a história que ele se dispõe a contar. No entanto, dois elementos o impedem de poder ser um filme bom: os aspectos técnicos, e a envergadura exageradamente religiosa da direção.
Mas antes, falemos dos prós.
As atuações do filme são boas. KJ Apa entrega-se de corpo e alma, com uma atuação ótima. Apesar de ser responsável por algumas linhas de roteiro sofríveis ao longo do filme, Britt Robertson também performa muito bem. Os atores coadjuvantes são funcionais, ninguém é excelente, mas não há nenhuma atuação que destoe negativamente. A estrutura do filme, como mencionei anteriormente, é bem organizada, e em termos estritamente fotográficos, é uma produção acertada, bem filmado e com alguns planos vistosos. Além disso, as cenas mais importantes são muito bem dirigidas, emocionantes e impactantes.
Contudo, isso não basta para fazer o filme acontecer como ele gostaria. Tecnicamente, o longa sofre por erros precários que vão do roteiro à produção. Ainda no início do filme, é possível perceber um descaso absoluto, pra não chamar de incompetência, com os figurinos, ambientações, escolhas de trilha musical e até mesmo enquadramentos. Isso porque o longa se passa em 1999, e parece se passar em 2020. Tirando algumas inserções pontuais de mobiliário cafona, ou de um disc-man, nada no filme remete a época no qual ele se passa. Os personagens usam roupas que não lembram a época, os ambientes não tem as cores ou as texturas da época, e até mesmo os planos gerais parecem obviamente mais recentes, tanto pela aparência dos lugares filmados quanto pela maneira com que são filmados. A cereja do bolo da falta de precisão temporal é a trilha musical, de um filme que se passa em 99, tocando hits de 2008. A soma desses fatores não atrapalha o desenvolvimento da história, mas tiram muito da experiência que o filme, teoricamente, deveria entregar.
Por algum motivo, uma das poucas referências anos 90 que os diretores decidiram inserir foi justamente uma que ainda causa queimadas catastróficas: pessoas acendendo balões. Não uma, nem duas, mas três vezes temos personagens acendendo balões na praia. Uma escolha de referência no mínimo questionável.
Além desses problemas, ainda há uma falta de criatividade e foco na direção. A criatividade em falta fica evidenciada em cenas que o filme quase copia de outros sucessos de bilheteria recentes. Por exemplo, as cenas de palco e música lembram muito as cenas de “Nasce Uma Estrela” (2008), há uma cena num planetário que lembra a cena de “La La Land”. E a falta de tom é responsável por um sentimento de confusão até o meio do segundo ato, onde fica claro pra onde o filme está indo. Durante os primeiros quase 40 minutos, o longa não se decide entre coming of age, romance adolescente, biografia musical e filme cristão.
A outra parte que dificultou minha apreciação e conexão com o filme foi a forma com que o tom religioso é aplicado aqui. A personagem de Melissa tem algumas falas completamente irreais, do tipo que nenhum ser humano fala nos contextos em que ela está inserida. As referências católicas são easter eggs constantes, e assim acabam afastando quem não é tão ortodoxo quanto o filme é — em alguns momentos, me senti perambulando numa festa para a qual não fui convidado, o famoso “penetra”. O fato de os diretores também serem os responsáveis pelo longa anti-aborto “October Baby” também não me faz simpatizar nem um pouco mais com eles e como eles aplicam suas crenças em seus filmes.
Se você é ouvinte de música gospel americana, em especial, fã de Jeremy Camp, católico praticante, branco, hétero, e americano, esse é o melhor filme que você vai ver na sua vida.
Se você não tem problemas com gospel, e se considera alguém com fé, de preferência católico/cristão, contanto que possa ignorar algumas frases mal escritas e uma produção preguiçosa, provavelmente vai ter uma boa experiência com o filme.
Se você não se encaixa nas categorias acima, ou simplesmente prefere usar 2h com algo mais bem executado - que pode ser até mesmo um macarrão em casa - por favor, passe esse filme.