Crítica | A Besta (Netflix)
Em 1976, Martin Scorsese lançou um filme que serviria de influência para uma quantidade cada vez maior de filmes, boa parte destes independentes e/ou voltados para um público menos amplo. Dentre seus muitos filhos, temos os excepcionais “Drive” e “Você Nunca Esteve Realmente Aqui”, uma versão pop (e muito boa) em “Baby Driver”, a medíocre trilogia “Busca Implacável” encabeçada por Liam Neeson, o razoável “O Protetor” com Denzel Washington, o francês “Leon”.
E, agora, este italiano “A Besta”, nova sensação na Netflix.
Escrito e dirigido por Ludovico Di Martino, o filme segue a mesma premissa de vários acima: criminoso solitário/veterano de guerra atormentado tem de salvar menina da máfia/esquema de tráfico humano, com a diferença de que aqui o personagem de Fabrizio Gifuni é pai da menina em questão, o que torna sua busca ainda mais implacável (eu sei que não deveria estar fazendo piada, mas cá estou).
Sou um fã confesso desse sub-sub-gênero e gosto de todos os filmes acima citados, independente de suas qualidades e defeitos, e não foi diferente com o filme de Di Martino. Pouco preocupado em desenvolver seus personagens, o diretor abre a projeção comunicando, com poucos diálogos, o que precisamos saber sobre Leonida Riva: ele foi para guerra, é atormentado por suas memórias e precisa de remédios para se manter são. Sua relação com os filhos é complicada, a ponto de ele ir como um criminoso a deriva no jogo de rugby de sua filha Terry, e embora o personagem pareça, aqui e ali, extremo em excesso, a performance de Gifuni convence principalmente em sua determinação em salvar a filha, a qual o faz se arriscar sem pensar duas vezes.
Apostando em uma fotografia escura, que esconde mais do que revela e que mergulha o “herói” da história em trevas, Di Martino faz ótimo controle da câmera em cenas de ação, nos permitindo as ver sem cortes excessivos e que ilustram as habilidades e brutalidade do homem que dá título ao filme. Em um plano sequência em um de seus flashbacks, ela segue Leonidas em um local cercado de inimigos, onde podemos entender o porquê de sua tormenta. Em outra cena, o diretor intercala a troca de olhares entre Leonidas e sua filha, que revelam não apenas a conexão inerente dos dois, mas nos situam com perfeição no espaço onde a cena ocorre.
Mas por mais que, esteticamente, o longa eleve o nível de seu texto, a velocidade com que tudo acontece nos impede de sentir o peso daquela situação da maneira devida. Pegue “Os Suspeitos”, de Dennis Villeneuve ou “Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood, onde crianças também são raptadas e percebam como o peso destes acontecimentos soa como uma tragédia irremediável. Até vemos a mãe de Terry, interpretada por Mattia Riva, sofrer, mas confesso não saber identificar se tal sofrimento vem do medo de perder a filha ou por saber de tudo que aconteceria sendo que o pai dela estava envolvido. Nisso o diretor se revela incompetente, pois apesar de ser uma trama impossível de não nos conectarmos por sabermos que, em parte, é algo que acontece de verdade, Di Martino falha em adicionar camadas emocionais e, até mesmo, sociais em sua narrativa. Ou melhor, de balancear o ritmo frenético (que funciona) com impacto dramático.