Crítica | Yi Yi

Conforme se descobre o cinema, eventualmente você se depara com algumas das “novas ondas” mais tardias e que acabam por dominar listas e mais listas daqueles cinéfilos que tendem a fugir do mainstream. Dentre elas, a Taiwanesa, da qual Edward Yang se destaca como um dos principais nomes.

De cara, para alguém pouco acostumado, um filme como “Yi Yi” pode assustar: com praticamente três horas, sem uma “história” definida e sobre uma cultura tão diferente da nossa (no Brasil e no ocidente, de maneira geral), o longa grita para os cinéfilos, mas chega como um sussurro imperceptível para os espectadores mais casuais. Literalmente, como uma onda chegando na beira da praia sem conseguir molhar os pés por quem ali caminha. Inclusive, se dissesse que minha expectativa antes de assistir encontrou o impacto da experiencia que tive, estaria mentindo.

Sinto como se poucos filmes contem tanto sobre o país onde se situam como este. Os personagens que assistimos são porque ali existem, e o próprio lugar se manifesta em suas ações e emoções. Em algumas cenas, vemos personagens por janelas que refletem os prédios e luzes vizinhas, misturando seus rostos com aquelas imagens. Em outras, eles parecem se encolher perante ao tamanho das ruas que, por sua vez, parecem a eles pertencer em diversos momentos onde não vemos mais ninguém em tela. É uma relação intrínseca, inerente, que por vezes tende a prendê-los dentro de suas próprias vidas, apenas para libertá-los em momentos onde caminham para longe da cena e ficamos apenas com os espaços vazios - que, por sua vez, representam o nada que ocupa a maior parte do mundo e de nossas vidas e que, é claro, lembram o mestre Yasujiro Ozu.

Mas de nada valeria esta sutil, mas precisa manipulação dos espaços de Yang caso não nos importássemos com os personagens que ocupam estes espaços e a familia Jian, multifacetada em suas fases e maneiras de viver a vida, é um retrato quase universal da condição humana. Mostrando três gerações diferentes, vemos como todas são abaladas com a única coisa que todos temos em comum, a inevitável marcha do tempo, e são nos últimos dias de vida da avó que todos deixam suas emoções aflorarem. A mãe precisa se ausentar para se recuperar, o pai precisa fugir, o filho ainda nem sabe o porquê daquilo tudo, a filha acaba ficando com a casa nas costas para combinar com o imenso peso da adolescência. Por isso, quando vemos cada um deles conversando com a senhora, o peso emocional é enorme, porque ali trazem não apenas a dor de perderem alguém querido, mas tudo que ocorre em suas vidas e, de certa maneira, o medo - ou, simplesmente, a ciência - de que aquilo um dia lhes acontecerá. Por isso, os espaços vazios e o ritmo lento tomam ainda mais força, pois sentimos o peso do filme junto com o peso das emoções dos personagens.

Também interessante é apontar como o amor parece mover cada fase da vida, e também como Yang retrata cada uma dessas fases. Na forma da descoberta com o pequeno Yang-Yang, que aprende sozinho a nadar para ter algo em comum com sua crush na escola (fiquei MUITO apreensivo quando ele pulou na piscina). No inevitável melodrama vivido por Ting-Ting onde todos os beijos parecem votos matrimoniais e todas as brigas parecem o fim do mundo. Na exaustão da mãe, que normalmente é a encarregada de cuidar de todos. E, é claro, nos amores não consumados do passado que tendem a assombrar todos os adultos em maior ou menor escala - as cenas no hotel lembram e, possivelmente, influenciaram, “Amor à Flor da Pele” e “Encontros e Desencontros”, enquanto as do parque aludem para “Cleo de 5 as 7” e, novamente, para Ozu.

Porém, o melhor momento de “Yi Yi” só poderia ser o final, onde Yang-Yang (ele dividir o nome com o diretor não pode ser coincidência) finalmente conversa com sua avó, algo que ele considerava sem sentido antes. “Eu quero mostrar para as pessoas coisas que elas não sabem”, ele diz, enquanto amarra uma rima criada durante o filme, quando tirava fotos das nucas das pessoas e as presenteava com algo que raramente viam de si mesmas. Então, a mesma trilha que iniciou o longa volta a tocar, e ele complementa sua frase “Talvez eu descubra onde você está”, e a completa dizendo que seu primo recém nascido o lembra da avó, que vivia dizendo que estava velha, e que agora poderá repetir o mesmo para ele.

A beleza de “Yi Yi” pode ser resumida nessa cena, ao mostrar que o que Yang-Yang finalmente parece entender, mesmo que ainda não saiba, é de que do momento em que nascemos, até a nossa morte, não sabemos ou conhecemos quase nada do que há para saber ou conhecer. Mas vivemos, e isso que importa.

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