Cobertura | CineBaru 2021

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Mais de um ano de pandemia a dentro, o Cinema brasileiro sofre um de seus piores momentos recentes na questão de apoio e investimento, mas graças à iniciativas por todo o país temos ao menos alguns festivais que mantém nosso cenário, resistindo.

Um deles é o CineBaru - Mostra Sagarana de Cinema, festival do sertão brasileiro que traz uma mostra de curtas desde 2017. A seguir, todos os filmes que assistimos no festival e o que achamos de cada um deles! Eles estão divididos entre a Mostra Competitiva Regional e a Mostra Sertãozinho de filmes infanto-juvenil.

Você pode conferir o site do festival aqui.


mostra competitiva regional

Sessão Lutas Contra a Barbárie

(por Marco Oliveira)

Último Gás, de Duda Gambogi - Esse é daqueles que provam que pra fazer cinema basta uma câmera na mão e uma ideia na cabeça (não que tenha a ver com o Cinema Novo, mas a fala encaixa bem). Gostei muito do enquadramento único que, a todo momento, parece que vai desenvolver em algo a mais, mas o desenvolvimento é algo próprio e específico, dentro de um desenvolvimento espiritual e pessoal maior. Legal notar como a atuação é carismática mesmo só vendo a silhueta da menina.

Sufocar, de Gemerson Sander Silva - Me diverti DEMAIS com esse, chegou a me lembrar o primeiro conto de “Kwaidan”, do mestre Japonês Masaki Kobayashi. O legal é que abraça seu lado meio “trash” enquanto também serve de alegoria pra uma das maiores bobagens que ouvimos como desculpa pra não usar máscara, enquanto também conversa com o estado atual da pandemia mesmo, que sufoca e prende todos nós. Em suma, um terror feliz em ser o que é e diversão garantida.

Distopia, de Lilih Curi - Gosto como usa a montagem pra entrelaçar, mas também confundir, as linhas de tempo. É um filme incômodo, que usa bem o escuro e os enquadramentos deslocados, mas no fim não sei se peguei bem o que o cineasta quis dizer, demorei um pouco pra pegar a linha narrativa. O final é forte e marcante, por mais que desagradável, e pode gerar discussões interessantes, mesmo que, de novo, tenha ficado meio solta a ideia geral.

Crua, de Clara Vilas Boas e Emanuele - Sinto como se fosse um longa preso no corpo de um curta. Mais tempo pra desenvolver o dia a dia e até a revelação final poderiam fazer muito bem. Tem uma encenação simples, as vezes lembra um pouco o "Califórnia" da Marina Person (que amo), mas gosto como apresenta os personagens masculinos de maneira periférica - eles não são o núcleo da narrativa, mas a dialética dela. Já quando parte pra algo mais voyeur não encaixa com essa simplicidade e parece que vemos outro filme, diferente das cenas como a da piscina, ou do irmão chegando bêbado, que funcionam por mostrar o terror que o curta passa pela visão da menina - que manda muito bem, espero ver mais dela. Minha cena favorita talvez seja a alternância entre o carro com a mãe e o ônibus, um ambiente conhecido por ser hostil com gurias jovens, e ao rolar os créditos com os sons ao redor é interessante pensar que, mesmo com fones de ouvido, aquilo é tudo que ela ouve. Foi meu favorito dessa mostra!


Sessão Ecos de resistência e novas existências

(por Taís Palinski)

Trindade, de Rodrigo R. Meireles - Trindade em meio aos cantos narra sua trajetória e expõe a sociedade escravocrata que perdura em nosso país. Apesar das dores, ela não deixa de compartilhar seus traumas e superações com a mesma fé que canta seus pontos de umbanda. O diretor intercala rotina, relatos e acasos, porém nos deixa curiosos para conhecer a personagem além dos sofrimentos.

Sonhos no Chão, Sementes da Educação, de Lucas Bois - Apesar do formato convencional, o documentário cumpre o objetivo de denunciar a destruição dos sonhos dos alunos e moradores do acampamento quilombo Campo Grande. Após a posse de Zema (governador), a destruição da Escola Popular Eduardo Galeano foi anunciada, culminando no despejo de mais 14 famílias. Eficiente em dar voz ao povo da roça e em expor uma realidade desconhecida na vida urbana privilegiada.

Reexisto, de Lethicia Galo e Rodrigo Campos - A proposta de slideshow com narrações poderia soar monótono, ainda mais com o tema pandêmico, porém com os cliques feitos durante o isolamento social somos impactados por relatos de pessoas como nós, presos em casa lidando com a revolta de um país governado por um genocida. As animações e efeitos sobrepostos nas imagens criam vida e em conjunto com a trilha sonora certa calmaria cresce num discurso revoltado. Em três atos vemos a adaptação, revolta e reflexão e ainda ficamos com um quê de esperança de que as coisas venham a melhorar.

Reduto, de Michel Santos - Com caráter muito pessoal, Michel Santos constrói um curta experimental em busca da delicadeza em suas raízes intoxicadas pelo agronegócio. Intercalando imagens próprias com conteúdo publicitário de Luís Eduardo Magalhães, compreendemos o conceito de “o Sul do Brasil na Bahia” e as angústias do diretor sobre pertencer ou não a um lugar que o apaga. No fim, assim como o título, o curta se torna um obra fortificada no interior de outra.

Minha Nuvem, de Priscila Rezende - Refletindo suas inseguranças e angústias em frente ao seu reflexo, Priscila é transparente com o público em relação ao racismo que mulheres pretas lidam diariamente. De frente com sua imagem ela analisa seu cabelo e padrões impostos pela branquitude. O trabalho que também foi realizado durante a pandemia aborda a solidão e em meio às lembranças a diretora abraça sua companhia, de certa maneira convidando outras mulheres a fazerem o mesmo com suas nuvens.

Manual do Zueiro Sem Noção, de Joacélio Batista - Aproveitando o discurso “o brasileiro não tem limites”, Joacélio cria um manual em formato de curta-metragem que mistura a infância rebelde com questões políticas anarquistas, o humor se faz com o contraponto da narração infantil com conteúdo politizado em conjunto com as atividades zoeiras das crianças em tela, porém a lista enumerada se torna cansativa por não causar uma conexão e fechamento tão divertidos como a proposta inicial.

As Cores Que Ele Pintou, de Brenno Ayan - O curta de Brenno Ayan combina relatos de Andrey Lemos com suas práticas religiosas. Possui uma estética interessante com cores pasteis que fazem associação ao título e temática. Ainda assim permanece no formato tradicional de documentário, mas cumpre o objetivo de contar a história do homem preto, gay e candomblecista. Aqui refletimos estereótipos que existem nas militâncias e como nem sempre elas acolhem. Compreendemos os vários recortes que o protagonista se encaixa e as dificuldades por consequência. Apesar da curta duração da obra o fechamento é agradável por fazer contraponto com a sociedade atual que vem evoluindo, mesmo que lentamente.

A Praga do Cinema Brasileiro, de Zefel Coff e William Alves - Em visita ao Congresso Nacional, Zé do Caixão roga uma praga que abre “o portal das películas amaldiçoadas”, partindo desse ponto, Coff e Alves constroem um grande acervo do cinema político brasileiro. Desde a ditadura militar, nosso audiovisual retrata crises e revoluções. A curadoria de filmes e cenas geram um Déjà vu, mostrando que nada mudou e que nosso cinema continuará amaldiçoado.


Sessão Recortes de afetos

(por Taís Palinski)

Facão, de Camila Hepplin - O cinema tem o poder de mudar vidas. Essa é a mensagem que fica no curta “Facão”, onde uma jovem estudante de cinema é assaltada por um moço que ao encontrar seus DVDs é impactado pelas histórias e desiste dos crimes. A ideia em si é positiva, pois reforça a importância da arte e de como a representatividade tem um papel importantíssimo na formação do indivíduo, porém o curta peca ao não desenvolver os personagens e suas relações. Assistindo a amizade dos personagens sem o desenvolvimento um perigo paira sobre a narrativa, pois não assistimos uma evolução convincente. Curta com boas intenções e um discurso importante, mas alguns problemas na execução.

E Agora, Maria?, de Bruna Maria e Camila Gregórios - Romance adolescente, lésbico e brasileiro. “E Agora, Maria” é doce, delicado e divertido, constrói ótimas relações entre personagens, principalmente entre a protagonista e a mãe. Nada mais gratificante do que ver a temática LGBT+ ser abordada com naturalidade sem grandes tragédias ou tabu. Em alguns momentos o curta cai em alguns clichês como estereótipo do protagonista fã de cinema, mas acerta muito em retratar a realidade escolar brasileira e principalmente em deixar o coração quentinho.

De Vez Em Quando Eu Ardo, de Carlos Segundo - Com uma câmera pinhole, Louise une corpo, luz e arte. Essas palavras-chave também podem descrever o curta do diretor Carlos Segundo que mistura vídeo performance com a narrativa cinematográfica misteriosa e sensual.

ANGELA, Marilia Nogueira - Se esse curta tivesse cheiro, seria daqueles perfumes antigos de fundo de armário de vó. A hipocondríaca Dona Angela coleciona diagnósticos até começar suas caminhadas e chás da tarde com Sueli, essa trama principal é potencializada com o cotidiano verossímil e personagens bem construídos. Idosas na calçada fofocando entre tragadas do cigarro, conversas sobre chás e mudinhas. Tudo é tão gostoso de se assistir que até acredito que Angela é amiga da minha vó.

À Beira do Planeta Mainha Soprou A Gente, de Bruna Barros e Bruna Castro - O casal de brunas é tão sincero e vulnerável abordando temas como choro fácil, família e pertencimento. Utilizando de imagens de arquivo, que provavelmente derivam de conversas despretensiosas, surge um grande experimento poético sobre relacionamentos entre mulheres, mães e filhas. Ouvimos uma carta aberta a uma mãe que ama cada detalhezinho, mas não sabe amar a parte sapatão que só quer ser livre para amar. Lindo e sutil em capturar a delicadeza dos elos.

4 Bilhões de Infinitos, de Marco Antonio Pereira - “No Cinema a gente ri, chora e se diverte juntos." Assim como o fogo que consome a madeira e morre por último, a esperança perdura na realidade dos personagens mirins de “4 Bilhões de Infinitos''. Nos devaneios de um dia sem energia vemos crianças construindo a fé de um futuro melhor onde é possível recuperar o tempo perdido. Marco Antônio Pereira constrói uma atmosfera infantil e sonhadora. Utiliza da metalinguagem ao falar sobre cinema num universo sem acesso ao mesmo. No fim somos tocados pela sensibilidade apesar do sentimento de melancolia.


Sessão Vivências do Sagrado

(por João Francisco)

A Mata que Respiro, de Eliete Miranda e César Rodríguez - A imersão sonora e visual no cerrado brasileiro traz os temas e os sons do imaginário brasileiro numa representação autoral e artística única, que ressalta a beleza audiovisual da região sem esvaziar seu significado e ainda amplificando as lutas do povo do cerrado.

Meia-lata d’Água ou Lagarto Camuflado, de Plínio Gomes - Um olhar comovente e pessoal sobre uma comunidade quilombola na Bahia utilizando uma linguagem essencialmente audiovisual.

O Abebé Ancestral, de Paulo Ferreira - Meu favorito na sessão, esse documentário conta uma história de resistência na diáspora e traça relações históricas entre a ancestralidade e a prática religiosa. Além de uma representação que mistura o lúdico com os relatos das personagens, o documentário ainda apresenta arrojada concepção visual que enfatiza a história contada.

Sou Sangue, de Roberta Rangel - Um mini-metragem com ascendente em poesia. A perspectiva da diretora e atriz Roberta Rangel toma a tela em uma contemporânea edição e mostra que, mesmo com pouco tempo (pouco mais de um minuto, pra ser exato), se torna possível imprimir ideias e autoria.

Búfala, de Tothi dos Santos: Utilizando da filmagem da dança para representar Iansã, “Búfala” entrega uma performance visual e projetada para o espectador, um filme experimental que vem da rica cultura brasileira e se apresenta para quem quer que assista por um meio diferente.


Sessão Ressignificando tradições

(por Marco Oliveira)

No Tempo de Outrora - Histórias de Quilombo, de Luisa Pitanga e Ricardo Brasília - Tem uma inconstância na abordagem. Se por horas parece que mergulha a fundo nas histórias contadas por aquelas pessoas (que, por si só, são seres humanos incríveis), por outras mostra planos abertos da região com músicas sintéticas que completamente fogem do natural. A própria fotografia, mais escurecida e sóbria, e o desfoque em excesso dos fundos, não conversam com a naturalidade do local, que tende por ser a ideia geral do filme. No fim, vale pelo que quer contar, e pelo que conta, mas não por como conta.

Meu Arado Feminino, de Marina Polidoro - Gosto como parece transformar aquela comunidade em um país, na forma do mapa. Tem um plano lindo, que combina verde, azul e amarelo nas roupas, plantas e céu enquanto uma moça fala, mas em alguns momentos parece mais um projeto escolar sobre algo local do que essa ideia de transformar aquele mundo em um mundo próprio.

A Casa e a Rua, de Taise Andrade Ribeiro - Esse é o mais experimental dos documentários, mesmo que pareça fazer isso de maneira simples, e com recursos simples de linguagem. A edição é livre, quase confusa as vezes, e as relações entre o atual e o ancestral são melhores sentidas no individual do que no todo, o que considero algo bem vindo.

Balizando 2 de Julho, de Fabíola Aquino e Marcio Lima - Legal ver a paixão das dançarinas, e como querem apenas mostrar sua arte pro mundo. Gosto muito do momento onde a banda toca “Time of my Life, uma música que não escancara o próprio tema (se fosse algo como “I Will Survive” seria óbvio demais). É bem estruturado e, no fim, deixa sua mensagem bem impressa.


Mostra Sertaozinho

(por João Francisco)

A Espera de Ludy, Maria Alice Carvalho e Santiago Lemos - Focado na experiência de educação das crianças durante a pandemia, o curta se destaca por representar a realidade da personagem que assiste aula de casa em animação e sua imaginação da interação na escola em live-action.

Ciclos da Vida, Soledad Garcia e Thiago Bresani - Usando um dos princípios mais básicos do cinema: luz sob sombra, “Ciclos da Vida” propõe uma reflexão sobre o processo de vida, morte e vida a partir da relação de uma criança com sua avó. Por melhor que seja a proposta e bonito esteticamente, algo no texto me afastou do filme.

A Melhor Versão de Mim, de Kallyo Aquiles - Filme para aplaudir de pé, “A Melhor Versão de Mim” é um excelente trabalho de direção, assinado por Kallyo Aquiles que nos conta a história de Lucas, um menino que não consegue ser adotado e tem problemas com as outras crianças do orfanato, ele conhece uma menina chamada Marina que o faz lidar de maneira diferente com sua vida. O roteiro excelente é valorizado pelas composições de quadro realizadas com muito recurso estético e reforçadas por boas atuações dos atores mirins. Além disso, a opção por fazer um filme musical utilizando músicas originais faz “A Melhor Versão de Mim” ser, para mim, um dos filmes mais interessantes que vi nos últimos tempos.

Muda, de Isabella Pannain - O destaque inevitável é o belíssimo trabalho de animação feito aqui que além de visualmente bonito tem presença narrativa importante para a diretora contar sua sensível história sobre a menina Ana que precisa se acostumar com a ideia de mudança.

Foguete, de Pedro Henrique Chaves - Ancorado num relato pessoal sobre um brinquedo de uma praça em Brasília, “Foguete” traça uma perspectiva adulta sobre um olhar infantil nesse espaço onde o lúdico toma conta. Ao mostrar relação de filho e pai, adulto e em flashbacks de sua infância, na pracinha e na introdução da menina Beatriz, que personagem que faz Cesar encarar o fantasma do Foguete em sua vida. O filme se transforma em documentário e nos mostra a relação de Apolo e outros adultos que brincaram no foguete em Brasília, transformando a relação objetiva da ficção no subjetivo do real.

Às Moscas, de Wayner Tristão - Contando uma curta e verdadeira história sobre a inundação de mosquitos na cidade de Juazeiro, “Às Moscas” chama atenção pela apresentação visual elegante.

Há Tempos que Não Vejo Minha Mãe, de Luiza Reis - Com uma abordagem semelhante ao do queridinho do site “Projeto Flórida” nesse filme vemos um mundo cheio de problemas mediados pela infância e por uma mãe que busca faz de tudo para criar sua filha. Em mais uma história nessa lista que mistura a experiência pessoal de sua diretora, temos um retrato sensível aqui coroado com lindas atuações de Anna Luisa Itaborahy e Bruna Schelb Corrêa que ajudam a diminuir a dureza do mundo transbordando amor pela tela.

Mil Vinny’s – Suíte Cachoeirana, de Luan Santos - Suíte Cachoeirana conta uma história sobre a tradicional festa de Nossa Senhora D’Ajuda em Cachoeira – BA. O videoclipe com formato de filme musical coloca um protagonista passando por cenas que remetem à musicalidade da região enquanto monta a sua fantasia para a festa.

Tzinga, de Giuliana Danza - Outro videoclipe, aqui uma música do cancioneiro infantil é interpretada com animação e irreverência por um grupo de músicos, o uso criativo de animação colore a brincadeira de palavras cantadas.

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