Crítica | Stowaway
Vocês lembram do MysteryGuitarMan? Pois é, olhem como ele está agora:
O brasileiro Joe Penna, pioneiro do vlog (?) no Brasil, do nada se tornou um cineasta com nome o suficiente em Hollywood para dirigir um Sci-Fi com Anna Kendrick e Toni Collette. “Stowaway” (que em PTBR quer dizer clandestino) é um dos sucessos atuais da Netflix e traz um trio de astronautas em uma viagem à Marte quando descobrem que um dos engenheiros ficou preso na nave e agora eles não tem suplementos necessários para durar a viagem toda.
Mas se a premissa, por si só, já é intrigante por tornar uma pessoa comum no “oitavo passageiro” e se o título sugere justamente alguém que se escondeu de propósito, o filme em si refuta tudo isso ao abdicar de qualquer tentativa de tensão, passando direto para as questões morais envolvendo a situação. O que, de certo modo, consegue fazer bem após os desastrosos minutos iniciais que, além de não comunicar nada sobre seus personagens, premissa ou temas, ainda é, simplesmente, chato e genérico. Felizmente, Penna logo toma conta da mise-en-scène e explora bem a claustrofobia de uma nave feita para duas pessoas que foi adaptada para três e agora tem uma quarta: seus personagens andam agachados, tem que se cruzar volta e meia, parecem até meio desnorteados em alguns momentos e a própria altura de Michael (interpretado por Shamier Anderson) ajuda a reforçar a sensação de falta de espaço.
Uma cena particularmente bonita e que desenvolve os temas da narrativa é justamente aquela onde ele se senta em frente à janela arredondada e que me lembrou, vejam só, Tony Stark em “Ultimato”.
Embora filmes sobre o espaço não tenham que soar realistas para funcionarem (“Interestelar”…), neste é preciso fazer um esforço extra para ignorar alguns pontos bem ilógicos, como o próprio fato de Michael ter ficado preso na nave e a falta de um plano B em uma viagem, aparentemente, tão importante para a humanidade. Outro ponto incômodo é a falta de consistência nas performances, sendo que Anna Kendrick se esforça, mas sofre para se desprender de sua persona ligada à comédia, enquanto Toni Collette tem seu enorme talento para dramas psicológicos desperdiçado em um filme que poderia muito bem usar disso. Já Anderson convence em se mostrar um jovem bom e íntegro, que anda junto às mensagens altruístas do longa, ao passo que Daniel Dae Kim é o único que convence como astronauta e tem uma cena particularmente dolorosa pela maneira fria (mas não desprovida de tristeza) com que a executa.
Ainda assim, Penna consegue guiar o longa para que suas questões entrem em sua cabeça (assisti com minha mãe e ela me perguntou em determinado momento: “O que tu faria?” respondi que não sei) e, graças à decisão de não vilanizar nenhum dos personagens, realmente nos pegamos no dilema. O problema é que este é traído pelo filme ao tornar a missão final não no ato altruísta, que enriqueceria a abordagem menos “viajada” e mais auto-ajuda, e sim em uma necessidade para a sobrevivência de todos da nave. Ao menos a cena é executada com maestria por Penna, que usa os efeitos práticos para mostrar o quão demandante é aquela tarefa fisicamente, criando tensão por toda sua longa duração. Porém, novamente, a resolução final soa amarga demais para o filme que acabamos de assistir, sendo que (spoilers a seguir) a única pessoa disposta a se sacrificar por um estranho é justamente a que morre.