Crítica | Zona de Interesse

A crueldade do mal

Filme de Glazer tenta explorar outra perspectiva estética do holocausto.

Nós somos convidados a olhar pela janela do espaço-tempo para uma perfeita família nazista e sua idílica vida. A “Zona de Interesse” de Glazer é a casa da família Höss, quer dizer, a casa e seus arredores em Auschwitz e as pessoas envolvidas no extermínio dos judeus na Alemanha. Com um olhar passivo, quase sem indagações e nos deixando absorver com calma a realidade daquela família o diretor quer construir uma perspectiva sobre as pessoas responsáveis por um dos grandes crimes contra humanidade dos últimos 100 anos. Porém, esse ponto não é finalizado no filme, pois o diretor deixa que a gente crie nossa própria síntese a partir do que vemos, e a minha conclusão é que se trata da crueldade dos nazistas da família Höss, pura e simplesmente.

Um passeio no rio, um jantar de aniversário, uma visita da sogra, esse é o tipo de atividade que assistimos no dia-a-dia da família Höss sob o comando de Hedwig Höss, esposa do também comandante Rudolf (ele comandante de Auschwitz). A bela casa que construiram, da qual ela se orgulha muito, é cheia de empregadas, de flores e de filhos. O casal vive o sonho nazista, arianos de classe média baixa que emergiram nos postos do partido e colonizaram a Polônia enchendo o seu quintal dos sonhos com cinco filhos. Tudo isso a serviço da nação e do líder que seguem. É muito importante para Glazer que a gente entenda as origens dessas pessoas, elas se orgulham de mostrar as joias e peças de roupa que roubaram dos judeus presos e mortos, elas passaram de limpar casas de judias ricas para dondocas que têm empregadas para fazer seu chá da tarde. E elas, especialmente Hedwig, se orgulham de ocupar um lugar tão importante no III Reich.

Claro, conforme o tempo vai passando temos mais provas que o preço que pagam pela utopia não é barato. O barulho dos tiros vai se tornando mais alto, os gritos das pessoas sendo executadas também, as cinzas que se espalham pelo rio onde tomam banho, a fumaça que faz eles terem tosse e acinzenta as rosas do quintal e a luz da fornalha do crematório que ilumina a noite dos que estão acordados na casa. E aí fica a ambiguidade do argumento de Glazer, não há normalidade alguma na maneira como vive a família, não se trata em nenhuma hipótese de uma família comum que por acaso passa dias e noites ouvindo pessoas morrerem com indiferença, e não há qualquer possibilidade de encontrar afeto ou empatia nessas cenas, nem a mãe de Hedwig aguenta passar uma semana no inferno com a família.

Muito além do velho e batido debate sobre as maneiras de filmar ou deixar de filmar o holocausto, o que chama atenção em “Zona de Interesse” é como Glazer tem dificuldade de filmar com convicção. Há sequências, como as que Rudolf está em seu escritório trabalhando ou ouvindo rádio que são inócuas, o objetivo de criar a sensação da burocracia daquele trabalho não se cumpre, parece que o diretor não pensou mais que alguns minutos sobre a maior parte dos planos que não são no quintal ou na sala dos Höss (vários desses são muito bons). No quintal, onde as flores coloridas se levantam contra o muro cinza e a fumaça dos crematórios atrás, o diretor parecia bem mais a vontade com seu desconforto.

Essa zeugma operada por Glazer com o cinema Hollywoodiano se esvazia por conta daquilo que ele coloca no vazio. Esse olhar superior moralizante que termina o filme com o Rudolf supostamente se dando conta da atrocidade que foi sua vida em Auschwitz acaba da mesma maneira que qualquer melodrama, com o vilão descendo uma escada em direção a escuridão. Desse modo a soma do que vemos com o que não vemos resulta na sensação de contemplarmos uma instalação razoável numa bienal de arte qualquer, um cinema com uma intenção muito forte e determinada, mas incapaz de fazer boa arte com essa intenção.

5,5

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