Crítica | Nasce Uma Estrela
Boas histórias de amor talvez nunca envelheçam.
Talvez o motivo disso seja a atemporalidade do amor, de acordo com “Interestelar”, uma das únicas formas de comunicação entre linhas de tempo diferentes. Nessa história, no caso, temos um músico bem sucedido entra em decadência por conta de seu abuso de álcool e drogas, até que encontra uma talentosa jovem cantora por quem se apaixona e ajuda a alavancar sua carreira. O sucesso dela começa a superar o dele e seus caminhos começam a se distanciar. É algo que poderia acontecer desde a invenção da música como um produto comercial até hoje, 2018.
Em sua quarta edição, “Nasce Uma Estrela” tem a difícil tarefa de se sobressair em um mundo que começa a se tornar hostil com remakes e reboots, além de ser tanto a estreia de Bradley Cooper como diretor e o primeiro grande papel de Lady Gaga como atriz.
Deveria, mas não me surpreende o fato de ambos excederem nessas funções. Bradley Cooper é um dos atores mais inteligentes da década, escolhendo, em sua maioria, projetos de alta qualidade, sempre calculando bem os próximos passos de sua carreira. Lady Gaga é, sem sombra de dúvidas, uma das artistas mais talentosas do século 21. Seu sucesso na música já é legendário e, caso você não viva numa bolha, a deve ter visto atuando em algum de seus muitos icônicos clipes (sugiro “You And I” e “Perfect Illusion”) e entendido como ela combina tão bem com a personagem de Ally.
Cooper definitivamente merece uma nova indicação ao Oscar de Melhor Ator, pois poucas vezes vi alguém olhar com tanto afeto para uma pessoa em cena. Sua voz enrolada combina muito bem com a de Jackson, um homem que praticamente vive para seus vícios, mas que em momento algum deixa de amar e querer o melhor para aquela cantora que encontrou por acaso e se apaixonou quase instantaneamente. Ele está ótimo em sua estreia na direção também, abusando de muita câmera na mão para te colocar dentro daquele mundo e encontrando, junto à excelente cinematografia de Matthew Libatique, o tom visual do filme logo cedo mostrando sem pudores todos os lados da tão falada fama.
Quanto a Gaga, a coisa que mais poderia prejudicar o filme seria se enxergássemos ela e não Ally (ambas muito parecidas), mas isso não acontece, mesmo que a artista ainda tenha um pouco de dificuldade de expressar seus sentimentos sem ter um microfone na mão, mas nada que afete de verdade uma atuação que deve render diversos prêmios na temporada que está por vir. Mas melhor do que ambos individualmente é a química que transborda a cada segundo e funciona mesmo quando estão separados em cena. É uma história, acima de tudo, sobre o amor incondicional que sentem um pelo outro. É ao mesmo tempo bonito, sincero e destrutivo, atingindo seu ápice quando ambos deixam de se expressar falando e se entregam a música.
Cooper, mesmo estando em seu primeiro trabalho com diretor, entende que a parte mais importante do filme são seus personagens e dá espaço tanto para ele quanto para Gaga brilharem.
Além disso, “Nasce Uma Estrela” é, tecnicamente, impecável. Posso te jurar que na cena final, uma das mais emocionantes e estarrecedoras que vi em anos, parece completamente plausível que Gaga esteja cantando sem nenhum auxílio de dublagem e em apenas um take. O som dos shows, o barulho dos bares e da multidão, é uma mixagem edição de som excepcional e que, em momento algum, te tira o impacto de realidade que as cenas provocam.
A trilha sonora é recheada de canções autorais que, em sua maioria, encaixam maravilhosamente na história. “Shallow”, o single que já está fazendo sucesso e gerando buzz sobre uma indicação à Melhor Canção Original no Oscar é contagiante e maravilhosamente colocado no filme, mas o momento que provavelmente vai fazer mais corações se partirem será ao final, com a excepcional “I’ll Never Love Again”, talvez a melhor performance vocal de toda a excelente carreira da cantora, que ainda conta com um twist sincero e verdadeiramente tocante.
Porém, o fato de a melhor comunicação dos personagens se dar musicalmente mostra algumas fragilidades do roteiro, que é bem escrito pelo excelente Eric Roth (“Forrest Gump”!!!), mas poderia ser melhor recortado. É uma história “over the top”. A ascensão meteórica de Ally, a história de decadência clássica de Jackson, a velocidade com que tudo acontece, é um filme que apesar de ser emocionalmente real mostra as coisas de forma deslumbrada e que possui um final que quase não faz jus a tudo que assistimos, mesmo que seja fiel ao do filme de 1937. Falta um pouco de experiência à Cooper para controlar o ritmo, por vezes apressando coisas para evitar que o filme fosse longo demais, o que não funciona.