Crítica | O Joelho de Claire

um toque de verão

Em filme sobre, entre outras coisas, joelhos, Rohmer finalmente se encontra


O Cinema de Éric Rohmer é um que qualquer pessoa pode aproveitar, mas que esconde na simplicidade de suas escolhas uma complexidade bem singular. Poucos fazem um zoom ser tão revelador, ou um traveling ser tão hipnótico como Rohmer, um dos principais nomes da Nouvelle Vague, mas que atingiu seu auge nos anos seguintes ao movimento, após experimentar consideravelmente com o próprio estilo.

Tão cedo como em A Colecionadora (1967), seu estilo já parecia mais ou menos desenhado, por mais que ainda tivesse um quê de Alain Resnais que ele foi meio que deixando de lado. Era um filme mais amórfico, mais confuso (no bom sentido), mas que já tinha em coisas tão específicas como o corpo de uma mulher de biquíni esses momentos que o Rohmer capta tão bem. Se esse é mais malvadinho, Minha Noite com Ela (1969) é mais desolador, mais impiedoso, transformando o que era pra ser um encontro bonitinho em uma avaliação moral dos personagens - e de quem assiste.

Mais pra frente, ele conseguiria juntar as duas coisas em combinações de derrubar o ser, O Raio Verde (1987) sendo o melhor exemplo, mas em O Joelho de Claire (1970) ele já parece conciliar todas as facetas de seu Cinema. É dos filmes que melhor evidenciam esse Cinema do específico dele, onde um joelho é um ponto fraco, um toque é um trauma, mas o todo é frívolo e eventualmente esquecível - mesmo que, indiscutivelmente, seu peso seja sentido no esquema maior das coisas.

Apaixonado pelas estações (principalmente o verão) como nenhum outro diretor (de Kim Ki-duk a Edward Yang a Céline Sciamma), Rohmer sintetiza como ninguém o poder dessas especificidades, sejam elas acontecimentos ou apenas intenções que acabam cortadas antes de se manifestarem. O próprio protagonista - dos mais otários da galeria de otários do homem - parece caçar oportunidades de criar histórias, e a própria premissa é meio que em cima disso.

A fotografia meio granulada, e o próprio excesso de elementos na mise-en-scène tornam a encenação algo quase limitado, o que reforça ainda mais essa busca por olhares, expressões, palavras e movimentos que representem as sensações metamórficas daqueles personagens. Apesar de se passar em uma colônia de férias com um rio no meio, não existem planos vazios ou naturalistas, é tudo bem invadido dessa humanidade intoxicante que se alimenta das intenções torcidas dos personagens.

E tudo se canaliza na cena que dá nome ao filme: o joelho, antes evidenciado pelo olhar guiado do protagonista, até que o olhar se torna ato, um ato tão moralmente errado e desestabilizador que não vem nem de um impulso emocional, mas sim de uma jornada intelectual e egocentrista do protagonista. Quando ele toca no joelho de Claire, ela, antes intocável e inalcançável para ele, é desarmada, e se o filme terminasse ali seu impacto seria ainda maior do que qualquer fenômeno da natureza captado ao olho nu.

Arrisco que ali o Cinema de Rohmer encontrou o equilibrio perfeito, entre o poder da natureza e a efemeridade da vida humana em sociedade, um momento tão pequeno, mas que sequestra toda aquela amostra de mundo ao seu redor.


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