Crítica | Ruído Branco

UMA EXPERIÊNCIA AMERICANA

Enquanto o supermercado estiver aqui, estaremos bem.


O Cinema norte-americano, como todos os outros, tem suas próprias características, por mais que estas sejam constantemente importadas e exportadas como o Cinema a qual todos ao redor do mundo são expostos.

Enquanto no Brasil construímos nossas bases em estéticas e cosméticas da fome, na França passamos de impressionismo a liberdade jovial, e na Itália filmamos primeiro os escombros e depois o vazio. O Japão e suas hierarquias, seu tempo de vida diferente, a União Soviética e suas teorias maquinarias, seu isolamento.

Mas embora essa estratégia de marketing secular nos faça pensar em Cowboys e Aliens - hoje, em Super Heróis e menininhas emo -, quando pensamos no Cinema dos Estados Unidos é evidente que, quando fugindo da máquina de vendas, estamos diante de um Cinema sobre como o americano médio reage a cada período de sua história e faz o possível para torná-lo menos importante do que os próprios dramas pessoais.

A segunda-guerra, a grande depressão, a guerra fria / do Vietnã / ao terror, Obama, Trump, George Floyd. Sempre uma nova onda de filmes pautada sobre cada um desses eventos, e sempre um mesmo protagonista-branco-classe-média dramatizando em como eles o afetam (de Humphrey Bogart, passando por Travis Bickle, ao que parece ser Adam Driver).

Portanto, talvez não haja diretor melhor elencado para adaptar um livro sobre o medo do homem branco de classe média da morte como Noah Baumbach - embora Charlie Kaufman seja uma concorrência dura. Não li o livro, então não deixa de ser apenas uma suposição com o que sei de seu conteúdo.

Para ser justo, embora seja um diretor aparentemente confortável com a própria imagem (os poucos momentos socialmente conscientes de História de um Casamento (2019) dizem isso, ao menos), Baumbach não é um artista encostado e, depois de tantos dramas familiares intimistas, é no mínimo curioso o ver trabalhando com uma escala tão grande - não só de estética, mas de estrutura.

Com pouco mais de duas horas, Ruído Branco faz malabarismo entre gêneros e tendências, indo de uma condensação da vida familiar Wes Andersoniana para um Sci-Fi Spielbergiano e finalizando com uma tentativa De Palmiana (De Palmeira é tão melhor) e Carpenteriana de suspense, tudo com um senso cômico que me lembra Adam McKay.

O resultado é misto. Ele até consegue criar algo de tensão com os olhares apavorados ao céu (que ano para amantes de Spielberg, hein?), mas fica claro que sua força como cineasta está mais em relatos e momentos fechados. Gerwig recitando o motivo de seu comportamento assusta muito mais do que a resolução provocada por isso. O que era para ser um ápice de tensão no quarto de hotel vira um momento bem suspense-sujeira anos 2000, delegando para uma criatura desagradável e nada Baumbachiana o que poderia ser uma conclusão devidamente forte dentro de seu próprio estilo.

Mas o que salva essa bagunça é justamente ele ainda conseguir imprimir esse estilo, fazendo meio que o oposto do que muitos chamam de caos controlado, popularizado pelo Estrada da Fúria (2015) de George Miller: ao olhar para as janelas dos carros vizinhos, que em um trânsito caótico jamais se exaltam, Baumbach propõe uma paz descontrolada, um surto coletivo que não incita balbúrdia, mas sim um medo particular que atinge a todos - algo muito bem pontuado pela trilha do Danny Elfman, que adiciona os tons de ironia e esquizofrenia que o filme precisa, me remetendo a um bubblegum pop bem século 21 - um anacronismo bem vindo.

O supermercado, símbolo máximo (no filme) da cultura consumista, logo toma a figura central dessa ideia, um local onde conspiracionistas, desequilibrados e depressivos se encontram e são todos parte de um todo. Certamente os momentos mais interessantes do filme são nesse espaço demarcado, porque se a falta de personalidade além da caricatura faz com que a dinâmica familiar não convença (claramente Driver e Gerwig estão em um nível diferente dos atores mirins quanto a abraçar a proposta do filme), quando em comunhão ela se torna justamente essa pintura cotidiana que Baumbach empresta do amigo Anderson. Lembra daí o próximo nível disso, o controle absoluto de Jacques Tati sobre algo grande demais para ser sequer concebido e que atinge, na sequência de créditos, uma das melhores cenas de 2022.

Justamente porque coloca sob controle todas essas preocupações, essa obsessão com figuras históricas que gera um debate megalomaníaco (e propriamente Americano, tanto branco como negro), onde a câmera gira e revira, ou mesmo as preocupações em um café da manhã onde a dinâmica é orgânica, mas o vai e vem dos planos não. O supermercado se torna esse lugar comum, a síntese do que é o Cinema Americano, um emaranhado de momentos históricos e dramas pessoais, sob uma proposta consumista e tranquilizadora.

Fosse mais Baumbachiano quando fora desse paraíso estético e conceitual, e daria pra chamar esse de um dos filmes mais absurdos de 2022. Talvez o auge do que ele vinha buscando na carreira e uma extensão óbvia e intensa de seu último filme. Talvez abrir mais mão do livro, e das influencias óbvias, e ser quem ele é: um homem branco auto-absorvido e dramático, mas plenamente confortável com isso.

7

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