Crítica | Boogie Nights
SONHO DE ADOLESCENTE
Segundo filme de Paul Thomas Anderson entrega seu talento e sua idade
Paul Thomas Anderson tinha 26 anos (minha idade) quando filmou Boogie Nights, seu segundo longa. O que faz o simples exercício de eu, que ainda não tenho sequer um filme lançado (estamos trabalhando nisso), criticar seu trabalho no que muitos consideram um candidato a jovem clássico uma ironia permitida e necessária apenas pela arte (e o esporte) e por aqueles que a comentam.
Pois é isso que vou fazer pela maior parte deste texto: pontuar como, apesar das virtudes e do virtuosismo, o segundo filme de PTA parece a realização de um sonho adolescente imaturo, tanto em conteúdo como em forma.
O Cinema, diferente da Música (e, quem diria, o pornô), é uma arte que requer experiencia, tanto de prática como de vida. Portanto é evidente seu talento em comandar uma produção tão grande, envolvendo atores renomados e um orçamento milionário, mas me parece que a necessidade de mostrar acaba sufocando o que é mostrado. As quase três horas passam rápido e mostram muitos acontecimentos, mas pouco dizem sobre qualquer um deles.
Visivelmente influenciado por Tarantino, Anderson tenta construir uma antologia conectada de esquetes, núcleos e personagens - quase uma versão beta de Vício Inerente (2014), esse sim com toda a roupagem e estilo que o diretor descobriria ao longo dos anos. Até acho que funciona como uma espécie filme-produto-comentário do recorte que mostra (pornografia do fim dos anos 70), mas o anacronismo criado com a linguagem noventista cria um filme ansioso e desconfortavel consigo mesmo.
A sensação que me passa é de um filme preso entre tempos e tendências. Rápido demais para os dramas se situarem, mas não rápido o suficiente para que o descontrole seja sentido. Que tenta emular Tarantino, mas nunca compreende o tempo das próprias cenas, o peso da frivolidade dos diálogos, e ainda meio que força tudo dentro de uma abordagem quase camp que fica no meio do caminho entre o diretor de Pulp Fiction (1994) Verhoeven que, com seu Showgirls (1995), fez uma versão melhor deste mesmo filme.
Por mais que os altos e baixos consigam transmitir uma certa carga emocional, é tudo muito efêmero, e não de maneira que se entenda como tal. A partir da metade, o filme vira praticamente uma série de esquetes, todas meio óbvias, todas meio já vistas antes. Ascensão, queda, ressurreição, mas de um modo fabricado.
Curiosamente, Mark Wahlberg me parece o ator perfeito para um filme tão incerto de si mesmo. Ele jamais conseguiria fazer um filme de Tarantino, porque sempre é óbvio demais quando está atuando, mas quando tentou se entregar ao Camp em Fim dos Tempos (2008), também parecia deslocado. Do elenco acho que é o único que casa com a proposta, talvez por ele próprio ser essa criatura singular em busca de um norte.
É só ver a diferença nas abordagens de Burt Reynolds e Julianne Moore, e é possível constatar que o jovem Anderson tinha muito a mostrar, mas simplesmente ainda não tinha controle o suficiente da própria visão. Um parece vindo de um filme paródia, outra tentando ganhar prêmio de atuação em Sundance.
Acho até meio bizarro como não haja um consenso de que o filme foge completamente do que se tornaram as forças de Anderson ao decorrer da carreira, um cineasta que aprendeu o peso dos diálogos e do tempo, e que encontrou em uma espécie de drama existencialista seu forte. Ali, parecia ser a história que ele precisava tirar de dentro de si mesmo (ou melhor, refazer, pois seu primeiro curta foi uma versão de orçamento enxuto sobre o mesmo personagem), com o que ele tinha para mostrar então com 26 anos.
Por isso, Boogie Nights parece mais uma brisa, um filme que nunca para para reconhecer que está vivo, e que na necessidade de se mostrar esquece de simplesmente ser. Se fosse amigo de Anderson na época, falaria isso para ele, mas ainda estaria invejosamente orgulhoso.