Crítica | Não! Não Olhe!

UM HORROR ESPETACULOSO

Em seu terceiro filme, Jordan Peele segue explorando as fontes que o criaram


Apesar de ter apenas três filmes (o que, em cinco anos, não parece tão pouco), Jordan Peele já é um dos nomes mais reconhecidos dessa nova geração de diretores. Diria até que despontando a frente de outros contemporâneos do Horror como Ari Aster e Robert Eggers.

Embora falar, como em um tweet viralizado que o próprio respondeu, que ele já é um dos maiores diretores da história do gênero seja um atestado de ignorância - e de desrespeito até mesmo com ele, claramente um estudioso da arte que faz -, certamente Peele oferece algo que os Carpenters, Mojicas e Argentos jamais poderiam: uma perspectiva de um artista negro vivendo nos Estados Unidos. O que, combinado à seu profundo conhecimento e admiração por estes e outros nomes, o torna um dos nomes mais interessantes e, por que não, importantes do Horror no último meio século.

E apesar de três filmes ser muito pouco, já é possível perceber não apenas de onde vêm suas influencias, mas onde estão suas marcas autorais, algo muito mais interessante do que tentar criar comparações precoces.

(alerta de moderados spoilers a partir daqui)

OLHANDO (quase) COMO OS GRANDES

O Cinema de Peele sempre foi sobre perspectivas. Algo muito mais claro em Corra (o objetivo dos Armitage é literalmente ver o mundo pelos olhos de pessoas negras), mas também presente em Nós (a importância do espelho e o split focus com as duas Lupita sendo referencias óbvias) e que se torna parte essencial da premissa de Nope - e também de seu título brasileiro que, ao menos, tentou.

Em um o olhar é uma obsessão, no outro uma revelação, enquanto neste é literalmente a morte.

Não que seu jogo de plano-contraplano se equipare a alguns dos nomes ali citados. Se comparado a Hitchcock, que ao menos para mim surge apenas como um resquício obrigatório aqui, é possível dizer que passa longe dos dois filmes teoria que servem como o ápice do voyeur no Cinema e que falo extensivamente aqui no site. Mas, ainda assim, Peele consegue comunicar emoções e ideias perfeitamente com os planos isolados, sejam os olhares ou as composições que estes enxergam, mesmo que a conexão entre elas não ofereça aquele a mais.

Talvez um pouco de culpa do elenco que essa relação não seja mais fluida? Daniel Kaluuya é um dos poucos grandes atores de sua geração, mas Keke Palmer me parece tanto uma tentativa meio exagerada de comédia que nunca encontra uma resolução que a valide, como um erro de cálculo como propulsora do filme. Os dois nem parecem pertencer a mesma obra, o que, vindo de Peele (até agora um excelente diretor de atores), é novidade - ao menos o elenco de apoio parece ter encontrado melhor o tom, especialmente o cada vez mais badalado Steven Yeun, que traz uma energia passivo-caótica divertidíssima.

O diretor até extrai ótimos momentos da dupla principal, mas sempre com o que há em tela, e devendo com o que deveria estar em sincronia fora dela. Numa exceção, Keke Palmer olhando para Daniel Kaluuya montado no cavalo sob a placa do rancho é certamente dos mais belos momentos do Cinema em 2022 e se algo, Peele dominou a alternância entre linhas do tempo com olhares perdidos na imaginação de maneira que deixaria Christopher Nolan invejoso.

Ainda assim, por mais que seja provavelmente impossível que ele fuja de suas maiores inspirações, Nope é menos um Horror simbólico e conceitual do que um Blockbuster prático e direto.

HORROR ROMÂNTICO FECHADO

Talvez influenciado por seus longas anteriores, por boa parte de Nope achei estar vendo uma tentativa falha de Peele de criar mais um filme tenso e alegórico. A própria conexão dos protagonistas com o jóquei, que estrelou um dos principais candidatos a primeiro filme de todos os tempos (embora não tivesse sido devidamente “gravado”), serve mais como uma homenagem e menos como um plano de fundo devidamente explorado pelo filme. Há pouco sobre a questão racial ou social em Nope se não um aqui e ali que Peele consegue encaixar na primeira sequência.

O que me deixou levemente decepcionado enquanto assistia, pois se qualquer coisa, acreditei que veria um filme que reivindicaria o Cinema como algo que nasceu negro, mas essa não parece ter sido a verdadeira intenção de Peele - como sempre, a expectativa é a irmã da decepção.

Apesar de estar fadado à vídeos de explicação intermináveis, é um filme que quase recusa a alegoria, construindo sua mise-en-scène de maneira econômica a modo que me lembrou Preminger e outros Macmahonistas. A encenação, quase sempre sob um sol que expõe tudo para a câmera, é limpa, quase como em um Howard Hawks, explorando os campos abertos com liberdade de movimento. Até mesmo o etzão se beneficia disso, com sua figura majestosa (e devidamente esquisita e original) se expandindo pelo céu - e fazia tempo que não via um CGI tão bom em um blockbuster.

Com toda essa clareza, o poder dos olhares se torna a principal força poética do filme, evocando Spielberg mais que qualquer outro diretor - além de referências diretas tanto ao E.T. (o soquinho com o macaco) como à Contatos Imediatos de Terceiro Grau. Mesmo um momento tão avulso como as memórias do ataque do macaco fazem sentindo dentro dessa lógica, tornando extrema a relação física e de perspectiva do filme - esse talvez o melhor momento subjetivo, uma “coincidência” divertida por ser pelo olhar de uma criança, que Spielberg trabalha como ninguém.

A melhor cena do filme é justamente Kaluuya cavalgando um cavalo chamado Lucky, com uma trilha exuberante enfatizando a ação como em um blockbuster clássico, enfrentando o Tubarão dos céus ao recusar sua guerra psicológica (o olhar) e apelar para uma solução devidamente prática. E claro que a imagem acaba sendo o principal objetivo, a maneira de comprovar a veracidade de algo fantástico e, para isso, o que eles usam? Primeiramente, uma câmera a manivela, depois, uma foto à moda antiga.

O que me leva a um aspecto duvidoso: não seria essa a oportunidade de Peele de filmar em película? Acredito que a sala (em IMAX) que assisti não estava ideal, mas o filme parece plástico demais para algo que louva o processo histórico da filmagem, e jogar com esses elementos sem nunca equilibrá-los funciona na prática, mas enfraquece a experiência em sua profundidade.

UM AUTOR EM FORMAÇÃO

De certa maneira abdicando de seus comentários sociais e de sua relação simbólica com o Horror, seria possível dizer que Nope é uma experiência nova para Peele.

O que me faz acreditar que sua maior característica, para além de seu virtuosismo técnico (este que ainda parece estar se aprimorando), é uma relação de amor e, principalmente, conhecimento de seu gênero. Um cineasta que em três filmes mostrou uma bagagem vasta do Horror, de filmes menores à gigantes canonizados, de Tubarão à Janela Indiscreta, de Thriller à Ópera.

Que ele continue trilhando esse caminho para que, quem sabe, daqui a uns bons 20 anos seja possível colocá-lo ao lado daqueles que admira, estuda e reverencia em seu próprio Cinema. Se qualquer coisa, os primeiros passos já foram dados e a direção parece ser a certa.

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