Crítica | Glass Onion
entre amarras e cebolas
Sequência de Rian Johnson se justifica, mas não se supera
Gosto do Cinema de Rian Johnson, mas mais ainda da auto-consciência do cara.
Mesmo quando operando com grandes nomes e conceitos grandes como em Looper (2012), ou com todo o legado de Star Wars em Os Últimos Jedi (2017), ele consegue balancear ilusões de grandeza com uma aura bem mundana, transformando mundos icônicos e referenciais em cópias quase verosímeis sem fazer com que percam sua magia cafona. Daí a boate do primeiro, e o cassino do segundo, contrastando com crianças com poderes incríveis.
Entre Facas e Segredos (2019) é seu melhor filme porque, além de traduzir muito bem os Whodunit do passado para os dias de hoje - da caracterização à encenação, é tudo muito bem evocado -, encontra um balanço praticamente exato entre o comentário social ácido e a naturalidade do mistério. Portanto, a sequência me chamou atenção desde antes de ser anunciada, ainda mais por fazer algo raro nos dias de hoje, criar um personagem novo e transformá-lo quase que imediatamente em um ícone do Cinema contemporâneo, mas que se comporta como um personagem do Cinema clássico.
O perigo era que, ao cair na máquina de produção, sua promissora saga se tornasse apenas mais uma reprodução megalomaníaca visando o dinheiro, com novos capítulos surgindo como repaginações com embalagem diferente e ingredientes mais baratos para exponenciar o lucro. Felizmente, essas não parecem ser suas intenções. Infelizmente, ainda acabam influenciando seus resultados.
A sensação não chega bem a ser de Déjà Vu - Glass Onion tem suficiente diferenças para ter seu charme próprio -, mas sim de uma mesma fórmula feita no automático. Enquanto há um cuidado respeitável com a trama e todas as suas pontas, e mesmo na maneira como Johnson pensa e decupa seu filme, as arestas visíveis acabam empalidecendo perto das invisíveis.
Todo o jogo de encenação e farsa, de planos em flashback que mudam conforme repensados, de conversas e momentos que são ressignificados com informações extras, funciona até melhor que no primeiro, impedindo que o filme vire apenas um recital de seu roteiro. A imagem acaba sendo não só importante, mas essencial para qualquer resolução, desde como ela (a imagem) se altera com a memória, à toda a relação da Monalisa com a crítica social do filme (que acaba sendo, no mínimo, mal calculada: destruir arte nunca pode ser o ideal), e até mesmo a caracterização ala Vertigo (1958) de Janelle Monáe.
E Johnson tem um olhar suficientemente inspirado para composições: alguém sendo espiado enquanto espia alguém e cortes conectando planos em perspectiva linear, e o que ele já comentou gostar de fazer, tendo sempre mais de uma cabeça nas cenas em diferentes alturas, tornando os ambientes ao mesmo tempo mais vivos e sugestivos. Não é como se ele tentasse criar uma atmosfera de paranoia e voyeurismo, mas parece sim que cada elemento de cada cena pode ser importante pra resolução final.
Mas o que enfraquece, ao meu ver, é como o que era comédia auto-imposta, mas não auto-referencial do primeiro, dá espaço a estereótipos menos interessantes aqui. Há obviamente uma queda na qualidade do elenco, sendo que além de Craig e Norton, o único que parece conseguir competir é Dave Bautista (nem acredito que estou dizendo isso), com os outros membros sendo passageiros bem inúteis pra coisa toda, enquanto as pontas de Hawke e Grant oferecem apenas um gostinho. A própria Monáe (considero um desperdício não achar uma ponta musical pra ela aqui) por mais que mude drasticamente sua composição, não me convence mais que a personagem de Ana de Armas fingindo no primeiro filme.
E aí que é um filme de elenco, onde cada jogador precisa fazer a sua parte para que o todo funcione. A encenação principal funciona pois é segurada pela dupla de veteranos, mas é como se o filme perdesse força sempre que saindo desse núcleo, com a relação dos personagens e seus posicionamentos serem consideravelmente inferiores à implosão da família do primeiro. O que me faz olhar pra Netflix, e perceber como o filme baixa a sutileza em prol de caracterizações mais óbvias, mais fáceis de digerir, menos ambíguas. O filme perde até um pouco da gravidade do Cinema (mesmo os visuais são mais genéricos, ala reality de gente rica e burra), para abraçar uma das convenções mais prejudiciais que envolve séries e produções infantilizadas: “o importante é se divertir”.
O que, sim, Glass Onion faz, mas com tudo que Johnson tem nas mãos, parece pouco. Espero que o próximo (eu veria mais alguns desses) seja feito pra tela grande, e com toda a escala que o diretor já provou saber trabalhar.