Crítica | Escola de Rock - Questionando a Vida

O que é Rock?

Escola de Rock é, como todo filme de Linklater, uma simples investigação das relações e experiências que nos tornam quem somos.


“O que é o Rock?”

Dewey Finn pergunta a uma turma de crianças de 10 anos de idade.

“Pegar umas gatas?”

, diz um.

“Se drogar?”

, diz outro.

Momentos depois, frustrado com a falta de conhecimento do gênero por seus colegas de banda, ele solta uma frase que usei constantemente no meu tempo como professor:

“O QUE ELES ENSINAM NESSE LUGAR??”.

Frase que escancara: qualquer diretor mais presunçoso faria de Escola de Rock um filme ou político em excesso, procurando críticas sérias e contundentes ao sistema de ensino, ou bobalhão em excesso, com aquela linguagem plastificada que atrairia crianças mais pelo barulho dos instrumentos do que pela música que resulta deles. No caso, Richard Linklater até faz o primeiro, e não deixa de apelar para o segundo (o roteiro foi escrito para Jack Black, afinal), mas como em todos os seus filmes, o objetivo é sempre mais simples e aparente do que todo o resto.

Com todos os subtextos que poderia ter, e tem, Escola de Rock é um filme que, por mais que desafie conceitos ultrapassados (e que 20 anos depois seguem), o faz sem se preocupar em derrubar qualquer fórmula. Até acho que fuja do que se tornariam os filmes infantis, mas essa pegada mais realista (a imagem granulada, a decupagem que só não é sóbria por conta do Rock sempre presente) não difere muito de Harry Potter, tentando mais registrar momentos mágicos do que nos manipular para acreditar neles.

As cenas da formação da banda são o ápice disso, a câmera toma ares quase documentais ali (algo também típico do Linklater), Black puxa um dos alunos, depois outro e vai os organizando como todo professor já fez preparando uma apresentação. As crianças são tratadas com naturalidade pelos enquadramentos, o que não permite (nem exige) que elas exagerem nas interpretações, o que derrubaria completamente a aura do projeto. O grau de veracidade que essa abordagem proporciona torna fácil… na verdade, praticamente automático acreditar no absurdo que é toda a situação.

O que faz com que Black se torne justamente essa força disruptiva, chutando cadeiras e pisando em território de Jim Carrey com as caretas, é ele quem desafia as crianças a saírem do comum e, por tanto, aprenderem, se adaptarem, crescerem. Linklater ilustra isso não com reações diretas e instantâneas, mas construções com detalhes simples: enquanto caminham pelo colégio falando de música, praticam poses na frente do espelho, ou brincam no Photoshop (ou seja lá qual era o programa da época). Quando as crianças riem dele eu acredito que estavam rindo mesmo. Claro que as tiradas do roteiro de Mike White (o amigo dele no filme!) são hilárias (meus irmãos gostaram particularmente das perguntas do início e do “Puff Daddy”, “errado”), mas Black vende tudo de forma que só ele conseguiria - uma exceção para a fala ambígua dele na reunião de pais e mestres e que poderia ter sido cortada.

Apesar de que hipérboles devam ser evitadas sempre que possível, considero esta uma das melhores atuações dos anos 2000, tanto por ser inerente e essencial para que o filme funcione, mas por ser um exemplo de que não é preciso fazer cara de bunda ou choro para gerar um impacto dramático. 

O arco de Dewey aqui, inclusive, é mais completo que qualquer filme que o Oscar tenha abraçado naquele ano, principalmente por influenciar também aqueles a sua volta com sua paixão pela música Pop que, esquecemos às vezes, também é arte. Um adulto que não quis crescer, é verdade, mas que rejeita as convenções do adulto comum, sejam elas as drogas ou a chatice (todo adulto de verdade é insuportavelmente chato), porque acredita de verdade não só em si mesmo e nos seus ideais, mas no melhor de todos. Mais importante, ele contagia e faz seu amigo, a diretora e, finalmente, os pais, verem que eles são os errados, e que, no fim, apenas limitavam a si mesmos e as crianças - este, o maior erro que um adulto pode cometer.

Você pode até não concordar com sua filosofia de vida, mas… bem, isso faz de você um chato também.


A COLETIVIDADE DAS EXPERIÊNCIAS INDIVIDUAIS

O famoso e famigerado David Ehrlich comentou que, se a trilogia Before são os Beatles, Boyhood seriam os anos solo. Mas talvez Escola de Rock seja justamente o melhor exemplo para essa teoria por trabalhar com as duas fases da banda. O músico individual e egoísta, encontra a melhor banda e sua experiência só se torna completa, e possível, por conta da coletividade da mesma.

É louvável, mas principalmente, honesto com o filme - e a arte - como este se preocupa em delegar funções importantes, e que casem com suas habilidades, à todas as crianças, encontrando ao menos uma pequena cena para cada um, quase como uma recordação pessoal (muitos pararam de atuar logo após o filme). Claro que a Menina I Carly, Zack e seus olhos de Tropeço da Família Adams, o Malfoy e o Pianista com cabelo de Goku (meus irmãos que pegaram essa) e capa de Drácula recebem mais atenção, mas é igualmente marcante como consegue ser inclusivo sem jamais soar forçado: seja na baixista (o beiço é genial) defendendo bateristas mulheres, ou no papel do Calça Engomada em não só divertir, mas finalmente tornar Dewey um deles. 

Além destes, as gêmeas que nomeiam a banda, os seguranças que entendem o conceito do Homem e impedem a farsa de ser descoberta, o pequeno gênio que faz o show psicodélico, as backing vocals que desarmam por completo os pais ao berrar "chutar bundas" e, é claro, a Baby Aretha Franklin e seu vozeirão. Todos são importantes, mas, mais do que isso, todos são alguém em um filme que ensina o valor da individualidade e do trabalho em grupo (e, querendo ir além, o que deveria ser nossa vida em sociedade) como poucos.

Por isso o show final é um espetáculo completo, não só pela música (que em si, é ótima), mas por que todos aqueles pequenos talentos se juntam para fazê-lo acontecer, e é apenas justo que, no bis, todos subam ao palco. Se Escola de Rock foi o grande momento da vida de muitas daquelas crianças, o gran finale parece entender isso.

E tudo bem se a fama começou e acabou ali. Como a filmografia de Richard Linklater ensina: essa é a vida e por mais que matemática seja, afinal, importante, nunca vai ser tanto como as descobertas que fazem dela, a vida, tão especial - se você ama matemática, talvez seja uma exceção.

Dono de uma filmografia recheada de clássicos cult, talvez seu trabalho mais ambicioso não tenham sido os 12 anos de Boyhood, mas os 15 minutos de Escola de Rock. E afinal, o que é Rock?

Para Richard Linklater - e Dewey Finn -, é vida.

10

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