Crítica | Shiva Baby

GERAÇÃO BUNDINHA

Sucesso de Emma Seligman se baseia em juventude gasosa


Shiva Baby foi um pequeno fenômeno de 2020, o ano para sempre marcado como aquele da Covid e onde o Cinema tomou um de seus maiores baques - a seleção do Oscar, comumente fraca, naquele ano parecia a da Copa de 2014. Demorei a assistir o filme porque, suspeitava, não seria meu copo de chá - ou, em bom brasileiro, a minha praia. 

Dito e feito, mas não esperava que fosse desgostar tanto.

O mais engraçado é tentar encontrar uma defesa interessante do filme, e falhar justamente porque boa parte se atém a uma suposta originalidade (das coisas mais raras do Cinema como um todo) e, claro, a como ele supostamente se relaciona com a juventude de hoje, que parece ser tão instável que o líquido já se torna gasoso.

Não é novidade fazer um filme em um único cenário (você deve ter pensado em vários), nem em uma festa (Rope) ou mesmo em uma festa em forma de crítica à burguesia (O Anjo Exterminador). Céus, alguns anos atrás Shiva Baby foi feito em forma de drama com Desobediência. O que se toma por inovador, seja nesse ou em outros filmes que cativam a adolescência mais bundinha que já existiu, é uma suposta dialogação com o discurso atual de Twitter. Uma adequação que, ao mesmo tempo que pisa em ovos para não entrar em território de cancelamento, se julga esperta por jogar elementos dessa juventude gasosa da maneira mais óbvia possível, sabendo que estes jovens infantilizados e problematizados vão ver e ficar: uau, isso é tão eu.

O que, bingo, não os diferencia de um suposto machão que se enxerga em Vin Diesel, ou de um incel que defende o universo dos quadrinhos com o mesmo fervor que Índio defendia a zaga do Internacional no auge dos anos 2000. A verdade é que Shiva Baby é um filme conservador para jovens conservadores, que foram tão longe no espectro do "não ofender ninguém" que abraçaram o politicamente correto, o mesmo que o filme julga criticar dentro das tradições judaicas - daí, chega a ser patético que Seligman filme a cena das selfies no espelho como se fosse algo transgressivo, mas siga na onda de que nudez é crime, e prefiro não entrar no mérito de que hoje é cada vez mais raro ver um beijo filmado de maneira minimamente interessante.

Na verdade, não acho que Shiva Baby chegue a ser um filme, e sim um experimento, mas não no bom sentido. Com o mesmo cuidado pra iluminar as cenas que a mana que dirigiu Bodies Bodies Bodies e os irmãos que costuraram Tudo Em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, ao menos Emma Seligmann parece ter uma ideia do que fazer com a encenação - por mais que considere o ato de aproximar a câmera dos rostos enquanto desfoca o fundo algo profundamente incômodo, há ao menos a ideia cinematográfica de criar algo sensorial.

O problema é que, como nesses outros filmes que citei, não estamos falando de histórias, mas sim de um momento. Não são sentimentos, mas sim tentativas de sensações. Não são acontecimentos, mas supostas situações. Não chega a ser Cinema, mas uma série de decisões óbvias que soam mais do que anti-humanas e se traem a todos os momentos. Maldita seja Greta Gerwig e sua turma do Mumblecore, que deram voz a essa gurizada chata, representados aqui por uma guria mimada que resolve dar pra ganhar grana e que nunca é ninguém de verdade - ai, mas é bem assim que são as coisas…

Assisti esse filme uns dias depois de Twin Peaks: Fire Walk With Me, e a diferença não poderia ser maior: enquanto um é um grito de socorro de uma adolescente perdida, o outro é mais uma legítima apropriação dramática de uma jovem que não sabe o que quer da vida (tudo bem, nenhum de nós sabe) e, assim como essa geração bundinha, quer só fugir disso. Nos sinais de confronto, ela é ruim com os outros, malvadinha, ou simplesmente decide que quer fazer sexo oral no cara (que mano feio) com o bebê dele no quarto ao lado. A diferença é que o comportamento hedonístico de Laura era justamente o veículo físico de seu tormento, enquanto dessa é só um manifesto escrito pelo Twitter.

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