Entrevista | Juh Balhego
O cinema vive tempos estranhos no Brasil. Enquanto alguns de nossos filmes alcançam sucesso considerável mundo afora, com prêmios nos mais diversos festivais e expectativas reais para o Oscar 2020, políticas retrógradas podem frear este crescimento ao inibir aqueles que deveriam ser a continuação de um trabalho que já dura quase duas décadas.
Por isso, nossa equipe do Outra Hora decidiu fazer algo que faltava não apenas no site, mas na cobertura de cinema brasileira como um todo, ao olhar para aqueles que tornam esta arte algo tão bonito e valoroso justamente por fazerem, com pouco, muito.
Nas próximas semanas, analisaremos cineastas iniciantes que estarão presentes no prestigiado Festival de Gramado, desde suas obras que agora concorrem à suas aspirações e esperanças para o futuro.
Se começar uma carreira, no Brasil, em uma área tão socialmente marginalizada como o cinema é algo difícil por si só, e aí se adicionam todas as camadas de preconceito quanto à própria profissão de artista, para aqueles pertencentes a minorias os sonhos de fazer o primeiro filme parecem tão ilusórios como a ideia de fazer a vida em Hollywood.
Um problema que vem desde a infância onde raramente, se alguma vez, apresentamos às crianças a simples possibilidade de sim, se fazer uma carreira trabalhando com algo que todas gostam tanto: filmes. Pense, quantas vezes seus pais, professores, amigos, conselheiros, sugeriram que a carreira de roteirista, diretor, ator, etc, seria ideal para você? Se é criativo, deve virar publicitário; se sabe desenhar, deve virar arquiteto; se é bom com as pessoas, deve fazer psicologia.
Além disso, vem o preconceito claro da maioria das pessoas quanto ao que ser cineasta representa, pois em um país com tantas necessidades, como podemos gastar nosso dinheiro em filmes, certo? Infelizmente, a maioria de nós não é instruída para saber que o cinema é uma indústria como qualquer outra, que movimenta a economia (de acordo com a Motion Picture Association na América Latina, mais do que o próprio turismo), gera empregos (300 mil, atualmente) e, obviamente, enriquece a cultura do país.
É nesse cenário que Juh Balhego, uma jovem mulher, negra, cresceu. Sabendo o que queria, mas não o que poderia se tornar. Hoje, a primeira diretora negra na Mostra Gaúcha de Curtas Metragens da história do Festival de Cinema de Gramado.
Seu curta, “Quero ir para Los Angeles”, roteirizado e dirigido por ela própria, conta a história de Maria, uma jovem universitária, negra, que decide fazer sua primeira viagem internacional, escolhendo como destino a cidade dos sonhos. Uma história inspirada em seus próprios sonhos, que ainda pretende realizar um dia.
Outra Hora: Como foi seu início no cinema, como um todo, de onde veio o interesse, quando decidiu que era isso que queria?
Juh: Eu comecei na universidade, mas o interesse iniciou desde a cultura da TV, nunca tive recursos pra ir no cinema, mas consumia muitos videos na locadora, televisão e também acompanhava muitos canais culturais, como a TV cultura, e isso me despertou um outro olhar, não só um olhar hollywoodiano, mas algo que promovesse reflexão e não só entretenimento.
OH: Quantos anos tu tinha, mais ou menos?
Juh: Uns 17, só que eu demorei pra entrar na universidade porque eu queria fazer cinema, mas não tinha dinheiro pra financiar uma faculdade. Tinha lá em pelotas, mas preferi permanecer em poa, então decidi fazer uma que se aproximasse de cinema, que foi publicidade, passei na federal e nas cadeiras eletivas tive a sorte de pegar estágios que me permitiam fazer cadeiras em diversos turnos, e eu peguei muitas cadeiras eletivas relacionadas a cinema. Produção audiovisual, projeto vídeo, literatura e cinema e assim foi me despertando mais esse olhar e interesse e aí, depois, na universidade, escrevi alguns roteiros e a maioria eram utilizados para os exercícios, mas não considero estes os meus primeiros curtas. Então me formei em 2016 e, depois que saí da universidade, comecei a trabalhar nessa produtora na área de produção, fazendo varias coisas relacionadas à produção, nada de roteiro e direção. Com um ano lá, ganhamos patrocínio para fazer um curta sobre um conto escrito por uma menina que faleceu no acidente da Tan, e o pai queria que prestássemos homenagem pra ela fazendo um filme sobre o conto, que ficou para a família apenas, não foi lançado, aí tomei a dianteira e pedi para escrever o roteiro, e aí rolou que escrevi a adaptação e retomei este gosto de roteirizar e também começou a despertar o gosto de dirigir. Então, no ano passado mostrei pra alguns amigos um conto que escrevi, me apoiaram, eu roteirizei e nos gravamos que é o “Quero Ir para Los Angeles”.
OH: “Quero ir Para Los Angeles”, que concorre na amostra de curtas gaúchos, foi teu primeiro curta oficial?
Juh: Sim, foi meu primeiro curta lançado oficialmente.
OH: E os valores de produção, como foram arcados?
Juh: Eu iniciei fazendo sozinha, com meu dinheiro de poupança, aí meu produtor executivo, Ulisses da Mota, estava procurando projetos novos pra financiar, então ele entrou como executivo e rachamos, entre nós dois, o valor do filme.
OH: E quanto foi este valor? Se puder responder.
Juh: Ao todo, cinco mil reais, o que é pouco. Foi tudo por parceria, consegui equipamentos da preto filmes, consegui locação emprestada, consegui valor simbólico pra cache dos atores e atrizes, a equipe não cobrou, porque o valor mesmo foi baixo, ainda mais quando comparado com outros concorrentes.
OH: E qual tua posição quanto a participação no festival? acha que pode alavancar mais tua carreira, está pessimista, otimista…
Juh: Estou otimista, atualmente estou morando em São Paulo, tenho trabalhos lá, pegando muito da área de produção, mas já peguei em assistente de direção, mas estar na mostra de curtas gaúchos dá uma visibilidade muito grande, não só pra mim, mas com a tem[atica que eu gosto de trabalhar, que eu trabalhei no filme, que é refletir sobre meritocracia, mas de forma indireta, pegando algo que parece fútil, mas questionando, porque as vezes tu transitar por vários lugares não é todo mundo que consegue.
OH: O curta já foi exibido em algum lugar ou Gramado vai ser a estreia?
Juh: O filme já passou em uma amostra em Sergipe.
OH: Então, agora sobre de onde veio tuas inspirações, vens de uma família artística?
Juh: Meus pais faziam teatro, minha mãe é decoradora de festas, então peguei alguma coisa deles, fazer as coisas acontecerem, os dois sempre tiveram ligação com a cultura, nos levando a concertos, mesmo não tendo uma vida estável financeiramente, sempre procuravam estes espaços pra estarmos absorvendo diversas culturas.
OH: E qual tua diretora favorita, filme favorito, que inspiraram teu trabalho atual e o que tu quer fazer pro futuro?
Juh: Eu gosto muito de falar de afeto e coisas mais relacionadas ao drama, eu não conhecia muitas diretoras negras, na minha vida inteira não tive contato, mas uma que eu gosto muito é a Ava (Duvernay), gosto do jeito que ela pega a dor e o sofrimento mas não espetaculariza, não transforma em show a dor do outro, no “13ª Emenda” o assunto é bem pesado e critico, mas no final ela consegue mostrar que ainda há esperança, gosto dessa sensibilidade e pegar algo, uma critica social, e clocar isso para reflexão e fazer as pessoas mudar, não só chorar e esquecer. Dos diretores, que eu tive mais contato, eu gosto muito do Kurosawa, mas ele tem obras com um esplendor e excelência que acho que nunca vou chegar.
OH: Nunca diga nunca.
(risos)
OH: E já tens mais algum trabalho em mente? Expectativas para o primeiro longa, de repente.
Juh: Só em mente, não escrevi ainda, tenho muitas anotações, quero muito continuar falando da subjetividade das pessoas negras, porque tratam como se fossem todos homogêneos, mas temos pensamentos diversos e desejos, coisas que passam nas mossas vidas em comum é o racismo, mas as ideias são diferentes, acho importante falar de afeto, a Bel Rooks fala muito disso, o amor nas pessoas negras que, com a escravidão, nos tirou a possibilidade de amar alguém porque íamos perder logo, então mostrar essa habilidade do amor em curar.
E, sobre o primeiro longa, primeiro tenho de ter uma carreira de curtas, nesse “Quero Ir para Los Angeles” vi coisas que poderia ter melhorado, mas foi essencial fazer um curta para ver meus erros e meus acertos e me ver também como diretora, pois nas primeiras diárias eu tava muito como produtora e as pessoas me comentaram pra eu me preocupar com a direção. Na segunda diária eu consegui me desprender e deixei com quem tava cuidando da produção, foi essencial ter esse curta pra transitar, também acho que humildade é muito importante, não ser arrogante e escutar o outro, pegar o olhar do outro. O meu editor de som, por exemplo, depois que editou me mandou uma mensagem que, mesmo sendo homem branco, se identificou com o filme. O filme mudou comportamentos e fez as pessoas irem de algo ruim para algo melhor.
OH: Acho que pra qualquer cineasta isso deve ser algo muito emocionante, ver que conseguiu tocar as pessoas.
Juh: Sim, nessa exibição teste do filme, a atriz, a Manuela Miranda, se emocionou muito, ela me disse que não se viu ali, viu a personagem.
OH: Nessa primeira experiência, como ficou pra ti a função de roteirizar e dirigir, com qual tu te identificou mais?
Juh: Gosto muito das duas áreas, mas ainda preciso de mais preparo em ambas, na prática tu começa a enxergar como quer lidar com o set, o que eu almejo é o silencio, é conversar, sem gritar… não acho legal ser uma diretora que grita, sempre chamava os atores pra conversar antes pra explicar o que queria da cena e, como a maioria eram atores negros, contava fatos para que pegassem o sentimento daqueles fatos, teve uma cena que fizemos 17 takes, conversava com a atriz e comecei a falar coisas pra ela sentir aquilo, ali eu vi que estava virando diretora e essa cena ficou muito boa.
OH: E em São Paulo tu vê mais oportunidades que no Rio Grande do Sul?
Juh: Sim, desde que estou lá, e espero que não pare, não parei de pegar projetos, estou pegando muitos projetos que eu quero trabalhar, mas mais documentário, quando cheguei lá peguei uma série sobre teatros que falava sobre politica, grupos de teatro negros e LGBTQs, depois peguei um doc longa sobre racismo no brasil, depois oito episódios da série “Quebrando o Tabu”, então tenho conseguido cada vez mais trabalhos.
OH: Quanto ao Festival, qual tua expectativa de vitória?
Juh: Não sei, sou muito crítica comigo, acho que meu curta não é experimental, ele é bem clássico e talvez não tenha vaga em alguns festivais porque ele não foge muito, mas estando lá, fazendo e promovendo essa ideia já é um ganho pra mim, o racismo está em tudo, até nos desconstruídos, ainda tem um pouco que se não percebe. Minha expectativa é que meu nome fique mais visível e que me convidem pra dirigir e roteirizar mais trabalhos.
OH: A questão do Bolsonaro querer fechar a Ancine, como tu acha que isso impacta o cinema no Brasil? Qual tua postura sobre?
Juh: (risos) Estou pessimista né! Acho que ele quer um filtro e muitas da politicas afirmativas que tinham vão ser cortadas, incentivos pra diretores negros já foram cortados, porcentagem de mulheres nos editais, acho que terá um filtro grande sobre esses assuntos e uma diminuição de recursos pra área audiovisual, isso impossibilita um avanço, uma melhora no sistema, quem é pobre e não tem acesso a incentivo privado vai ser podado muito nisso, então estou bem pessimista pro trabalho em geral. Cinema é um ato político, mas temos que resistir.
OH: Pra fechar, o que tu diria pra uma jovem, como tu eras, que quer entrar nesse mundo, o que falaria?
Juh: Vai parecer uma dica mercadológica, mas… quando tiver uma oportunidade, entre lá e esteja disponível pra chegar no horário, ser proativa, no mercado tu está sempre se vendendo, como profissional é claro, como tu te comporta, sempre observam pra dar mais oportunidades e caminho e algo mais abstrato, não desista.