Crítica | Chance The Rapper - The Big Day

No mesmo dia em que “The Big Day” atingiu a superfície, um rapper de Raleigh (capital da Carolina do Norte) lançara também seu primeiro álbum de estúdio sem, obviamente, um décimo da atenção dada a estreia oficial de Chance The Rapper. Na quarta faixa deste projeto do jovem YBN Cordae, intitulado “The Lost Boy”, possui uma participação justamente do homem que, três anos atrás, havia tomado conta do gênero ao trazer uma energia nova à melancolia que vinha tomando conta do Hip-Hop graças à seu magnífico “Coloring Book”. Logo, ao ouvir a voz inconfundível de Chance nestes dois trabalhos distintos (o seu e o de YBN), tenho apenas uma dúvida: o que diabos aconteceu?

Chancelor Bennet havia se provado não apenas como o melhor prodígio de Kanye com suas mixtapes, mas parecia a escolha clara para liderar a nova geração de rappers justamente por ser diferente de todo o resto do mainstream. “Coloring Book” veio antes de “Flower Boy”, antes de “The Big Fish”, antes de “Astroworld”, “Invasion of Privacy” ou “Testing”. Não apenas isso, “Coloring Book” foi melhor que todos estes álbuns (especialmente os últimos três), figurando entre os melhores de um 2016 recheado de futuros clássicos de diversos gêneros. E, por isso, “The Big Day” se torna uma decepção tão grande.

Mas, infelizmente, posso dizer que havia enxergado isso ainda em 2016, quando “Coloring Book” permaneceu por mais de dez meses baixado em meu celular. Diferentemente de Kendrick ou Tyler, rappers provocativos por natureza que, não importa o que lancem, terão algo de diferente a dizer, Chance sempre me pareceu dançar sobre uma linha tênue, onde sua energia contagiante e visão positiva sobre o mundo poderiam facilmente se transformar em sentimentalismo brega e barato. E não é preciso nem apertar play em “The Big Day” para constatar que o mesmo havia perdido o equilíbrio.

Divulgações extensivas, fotos, vídeos, teasers intermináveis, sempre transformando cada passo da gravação do álbum em um festival para seus fãs mais apaixonados, como se o sucesso de “Coloring Book” tivesse subido sua cabeça três anos após ter acontecido. E então, o infantil e entusiasmado título do projeto, referente à seu casamento e, também, ao dia do lançamento de seu primeiro álbum de estúdio, diminuía ainda mais minhas expectativas. Sentimento este que não mudou quando foi divulgada a pavorosa capa escolhida, uma arte que, à primeira vista, parece digna de um disco de DJ Khaled. Chance parecia, e parece, durante o álbum, uma criança em meio à mais colorida loja de doces e, por mais que eu fique feliz por conta de sua bela história de superação e devoção com a namorada, agora esposa, de longa data, não consigo deixar de pensar no desperdício de talento, tempo e expectativa que ele nos proporciona aqui.

E não posso deixar de criticar uma das características mais entediantes do cenário atual do hip-hop. Mixtapes são, sim, formas excepcionais de divulgação de talento para novos artistas, mas o verdadeiro objetivo de sua natureza é ser justamente uma mistura de fitas, com composições aleatórias juntas em um projeto que não necessita ter conceito ou qualquer outra coisa. Em cima disso Lil Wayne lançou em torno de 20 delas durante sua carreira, sem nunca dedicar mais do que algumas horas para cada uma. Por isso, chamar tanto “Acid Rap” e “Coloring Book” de mixtapes não é apenas um erro técnico, pois ambos funcionam como álbuns, mas acaba tentando justificar o fato de Chance estar pulando em euforia com o lançamento de seu primeiro álbum. O mais engraçado, no entanto, é como este seu primeiro álbum é infinitamente mais bagunçado que qualquer de seus projetos anteriores, não indo para lugar nenhum e ignorando completamente a trajetória que o levou até ali.

Musicalmente o equivalente à uma playlist de casamento (talvez nisso Chance tenha sucedido), o projeto é construído sobre outra característica irritante do gênero. Chance rima aqui como se rimasse unicamente para os convidados de sua festa, não se importando se qualquer pessoa fora dela irá gostar ou não. Uma dica: se foi mesmo feito para ser amado apenas por um número limitado de pessoas, então não o lance. Na abertura, inclusive, John Legend, na sua melhor versão cantor-sentimental-favorito-dos-héteros, expressa esse sentimento:

We can't be out here pleasin' everybody (Oh, I...).

Isso, somado a algumas transições vocais agonizantemente desafinadas de Chance, iniciam o projeto da pior forma possível.

A grande maioria dos versos é tão substancial como o granulado do bolo e a musicalidade é tão desafiadora como o lançamento do buquê. Não há conflito, não há dor, não há nada que nos relembre da bela jornada que ambos traçaram juntos, há apenas um número gigantesco de declarações preguiçosas e tentativas de juntar todos para uma dança ao som de música gospel.

Aqui e ali, lampejos do talento que rimava com tanta confiança e poesia em “Coloring Book”, nos fazem lembrar que estamos ouvindo ao mesmo artista. Em “Sun Come Down”, ele tem uma visão do próprio legado após ter partido e, apesar de entrar em versos cíclicos que não saem muito do lugar, se aproximam mais da contemplação que fez antigas baladas suas tão eficazes. Algumas rimas de “Eternal” também se fazem notáveis porém a faixa, infelizmente, acaba caindo em um refrão ridículo além de ser conceitualmente corrompida. Nela, Chance defende que ficar com apenas uma mulher é melhor do que ter amantes, como se isso fosse necessário em um álbum dedicado a sua esposa. Só soa como uma desculpa para seus amigos que lamentaram o fato de ele sair da vida de festas.

É impressionante, também, como a grande maioria dos refrões é apenas uma confirmação do que os títulos óbvios sugerem das músicas: “Do You Remember” especialmente sofre disso, assim como as terríveis faixa título e “I Got You (Always and Forever)”.

“Hot Shower” me fez lembrar do auge do Black Eyed Peas, quando lançaram alguns dos hits mais irritantes dos anos 2000. “We Go High” quase engana com uma atmosfera construída em volta de um belo piano e uma batida cadenciada, porém a voz quase desinteressada de Chance faz suas rimas, inconsistentes, se perderem no conceito. Aqui, ele fala sobre Gotenks, personagem de Dragon Ball (que é referenciado várias vezes) que é uma fusão de outros dois. Interessante que se, anteriormente, ele era o Trunks, infantil, mas muito mais ousado e ambicioso, agora ele é Goten, tão brando como o mais cliché personagem do anime mais escapista.

E se em “Coloring Book” as boas participações eram ofuscadas pelo brilho único de Chance, aqui algumas delas acabam sendo o que salvam o projeto do ostracismo completo. Gucci Mane, sempre efetivo, mesmo que nunca genial, aparece bem em “Big Fish”, mesmo sendo uma música que Vince Staples e Juicy J fizeram muito melhor. “Ballin Flossin” é tão inofensiva como uma participação de Chance e Shawn Mendes poderia ser e, neste álbum, isso é praticamente um elogio. “5 Year Plan” com Randy Newman é gostosa de se ouvir e, surpreendentemente, bem mixada.

Já outras não soam como nada se não decepções, com destaque negativo para Francis and the Lights, John Legend e Smino. Calboy é vítima da péssima “Get a Bag”, o grupo SWV faz parte da sofrível “Found a Good One”, “Slide Around” é preguiçosa, prejudicando uma sempre interessada Nicki Minaj, e “Town On The Hill” só poderia ser pior se fosse o mesmo local onde o castelo de Ed Sheeran é situado. Graças.

Em um álbum tão sofrível, não apenas pela péssima qualidade das músicas, mas pelo tombo gigantesco desde 2016, é interessante que a última faixa, “Zanies and Fools”, por mais que divida as mesmas tendências que suas irmãs, traga um pouco do artista que misturou gêneros de forma tão contagiosa anteriormente. Não é algo que possa ser considerado genuinamente bom, mas é um final que, ao menos, faz acreditar que isso não passou de um escorregão gigantesco no confete espalhado por toda a festa.

Do fundo do meu coração, desejo - e todos deveríamos - toda a felicidade do mundo à Chance e sua família, pois é apenas isso que ele quer não apenas para si, mas para todos nós. Sua missão como artista é fazer do mundo um lugar um pouco melhor e isso é louvável. Pena que todas essas virtudes tenham causado, também, este grande dia onde, o suposto novo Kanye West se apresentou como o velho DJ Khaled.

2,5

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