Crítica | O Império dos Sentidos
UMA FUGA EXTREMA
Entre os filmes mais polêmicos, O Império dos Sentidos tem relação complexa entre gêneros
O principal problema das traduções de títulos é quando algo se perde no caminho. Não que haja tradução mais fidedigna para realm que império, mas talvez a conotação de imperar/comandar tire um pouco o senso de que se trata de um lugar, e não uma ação.
Um lugar que até toma proporções físicas, mas que existe muito mais em uma realidade suspensa que envolve duas pessoas que encontram no sexo - e um no outro - um escape de um mundo que, entre outros tantos, caminhava para a Segunda Guerra. E talvez não haja melhor descrição para a relação de Sada e Kichizo (inspirada em uma história real e nas memórias da própria) do que uma fuga, que toma proporções transcendentais para seus fugitivos, mesmo que esta seja representada da maneira mais carnal possível para os espectadores - nós e as outras mulheres da pousada.
Para alguém desavisado ou desacostumado, a relação da cultura japonesa com o sexo - do pudor às Geishas - pode ser um ponto de estranheza, e o diretor não faz questão de explicar, contextualizar ou sequer situar as relações que compõem a sociedade e o próprio entorno dos personagens. Ele trai a mulher, mas como ela não sabe se ele passa tanto tempo longe? Ela praticamente abdica da vida por ele, mas segue trabalhando no bordel? Nada disso parece importar. O sexo com os outros pode até ser intenso (do semi-estupro dele à violência dela com o velhinho), mas nada se equipara à quando estão juntos.
A COMÉDIA
Poucos filmes contrastam tão bem a beleza como adjetivo e como conceito. É, sem sombra de dúvidas, um dos filmes mais bonitos dos anos 70, mesmo que rejeite qualquer apreço pela beleza em sua narrativa. Na verdade, é um belo vazio e contrastado, uma fotografia de imperfeições, com cores agressivas que agridem a suavidade da imagem. Onde tantos filmes românticos usam rosa, as cores aqui desequilibram para o verde.
Diferentemente de, digamos, Ninfomaníaca, não é um filme que torna o sexo em uma coisa estéril, mas também não faz questão de romantizar a natureza doentia daqueles dois. Oshima filma sim um romance (e um drama, e uma comédia), mas a única reação possível à várias das cenas (explícitas e reais) é uma estranheza cômica, que deve inspirar o mesmo “ah não…" em quase todo mundo que assistir o filme.
Mesmo que não hajam piadas ou momentos genuínos de comédia, o gosto que fica é de uma sátira tão absurda que só poderia ser real - e é.
O ROMANCE
Não sei se amor é a palavra certa, mas julgar que Sada e Kichizo não sentem nada um pelo outro exceto tesão também não cabe (kkk, piada).
O sexo pode ser filmado de maneira direta, mas muito por conta da performance dos dois a coisa toda vai além, com o próprio ato se tornando essa experiência de desprendimento, como se cada sexo fosse abrisse uma porta para um lugar diferente. Quando ela ameaça ele, não importa o absurdo que seja, mas parte de um lugar de amor incondicional - ela vender o corpo pros outros é ok, mas não poderia suportar que ele dividisse nada a não ser com ela.
E Kichizo abraça aquilo de maneira calorosa: mesmo quando sente medo, logo ele parece entender de onde vem aquilo tudo. Oshima aproxima a câmera deles constantemente, não bem de maneira romântica, mas como que pra mostrar a verdade das reações.
O DRAMA
Talvez o componente mais óbvio, mais importante, mas ao mesmo tempo mais escondido em meio à totalidade do filme. É provável que as imagens choquem, que o psicológico pese, mas por dentro daqueles corpos insaciáveis existem duas pobres almas, que jamais encontram completude.
A morte se torna a última saída, a fuga máxima da realidade, e novamente apresenta uma dicotomia forte: é momentânea para ela, e eterna para ele.
O Império dos Sentidos, portanto, é um lugar de amores extremos para aqueles que o vivem, de estranheza para aqueles que o observam, e de tristeza profunda para os que dele precisam.