Crítica | Mar de Rosas
A violência da família.
Ana Carolina anarquiza a formação moral do Brasil.
Estamos com uma família em um carro quando a mãe, Norma Bengell sentada na carona, explica para seu marido que não quer ter a mesma relação com sua filha, Cristina Pereira sentada no banco de trás, que tinha com sua mãe e sua mãe tinha com sua vó e assim por diante. Em “Mar de Rosas” mãe e filha entram em uma jornada de quebra de contratos sociais enquanto fogem de Rio de Janeiro para São Paulo após a personagem de Bengell acreditar que matou seu marido, como se fosse possível matar o patriarcado com um só golpe.
Com as falas rápidas e cheias de sarcasmo que Ana Carolina se tornou notória por escrever vemos uma filha que se rebela contra a mãe e o mundo quebrando a linguagem com trocadilhos e piadas aparentemente sem sentido que distorcem as palavras ditas pelos outros. Ao longo da produção a personagem também tenta matar a mãe de inúmeras maneiras e essa parece estranhamente confortável com isso, apesar de cada uma dessas situações levar a expansão do núcleo familiar o que leva a mais conflitos entre Norma Bengell, que por sinal é uma grande atriz, e seu mundo.
A personagem de Norma, que se chama Felicidade, contempla e crítica os problemas a sua volta e ainda que tenha conseguido se livrar do seu marido a realização que ele era uma parte pequena do problema a faz adotar sua posição muito mais verbal. Todos outros adultos no mundo do filme são completamente conformados com o que está imposto, são reprodutores das relações familiares, Ary Fontoura e Myrian Muniz vivem um casamento sem amor, sem felicidade, mas não passa por suas cabeças a possibilidade de se desprenderem da estrutura.
Na última cena, depois de mais uma tentativa mal sucedida de Bengell escapar fica nítido que a personagem não vai conseguir romper com a sua prisão. Porém, a rebeldia da filha adolescente e da sua gramática própria são o que a possibilitam quebrar de vez o ciclo a que está submetida, terminando o filme sozinha, livre e fazendo um gesto obsceno para a câmera denunciando também a cumplicidade do público. Ana Carolina faz suas personagens atravessarem um processo que ironiza as estruturas sociais que todos estamos submetidos, a estrutura é de um filme de aventura hollywoodiano, mas o filme de uma precisão crítica, anarquista, engajada e um pouco cruel dos personagens presos a essa estrutura patriarcal e aventuresca.