Crítica | Marte Um
UM LUGA PRA ONDE OLHAR
Gabriel Martins preserva a família Brasileira como porto seguro em um país em crise
Com os anos de pandemia, a quantidade de produções brasileiras envolvendo o atual estado político do país definitivamente tomou um baque. Justo o Brasil que, no período mais sombrio de sua história, respondeu com um dos movimentos modernos mais ricos e diversificados (em forma e conteúdo) pareceu silenciado no meio onde antes expusera ao mundo as mazelas das quais somos vítimas como sociedade e indivíduos - uns mais que outros, mas todos.
Portanto, em 2022, a enxurrada de títulos “semelhantes” que remetem à nossa estética mais frutífera e longínqua se justifica. Se Noites Alienígenas (2022) nos leva a cantos esquecidos, e Mato Seco em Chamas (2023) a um território marcado pela violência, Marte Um reduz a escala para uma pequena família e sua modesta casa em Belo Horizonte.
Talvez um dos filmes mais brasileiros destes últimos anos, o longa de Gabriel Martins procura responder com a união e o afeto algo que muitos de nós tendemos a extravasar com a raiva, e faz isso de maneira tão paciente que o cineasta de 37 anos me parece um dos seres que melhor assimilou o momento interminável que vivemos desde as manifestações de 2013 e, simbolicamente, o 7 a 1 da Alemanha.
E claro que o futebol é parte central de tudo: é o Cruzeiro do pai contra o Atlético da namorada da filha, é o sonho do pai para o futuro do filho, é o ex-jogador do Cruzeiro que vive no condomínio onde o pai trabalha. Assim como os Estados Unidos, temos o nosso próprio sonho brasileiro (algo que ganha eco também na presença da outra sub-celebridade presente no filme), o que Marte Um faz é mostrar como ele se sustenta sobre pilares que precisam de um milagre para se manter de pé quando tudo ao redor parece estar desmoronando.
E assim, na iminência do tudo dar errado, Martins conecta pai, mãe e filhos. Os mais velhos sofrendo para acompanhar o mundo, tanto em suas revoluções emocionais (o relacionamento da filha, iniciado em uma festa neon, consumado no sonho de um apartamento, e descoberto com um movimento de câmera revelador que figura entre os mais afiados de 2022) como seu movimento sensorial (as paranoias da mãe, emulando um O Som ao Redor (2013)), e os mais novos sofrendo pois o mundo para eles deixado tem uma estrutura que ameaça cair a qualquer momento (a conversa derradeira, que me fez chorar, é literalmente em um beliche, e as belas referências a George Washington (2000) envolvendo bicicletas, morros e quedas, trazem toda a melancolia daquele filme). O que essas quatro pessoas conseguem, naquela sincera e poderosa cena final, é encontrar no outro algo para se sustentar, em um filme que abraça a família brasileira como um conceito fluido, mas necessário - e é.
Martins revela, em Marte Um, um retrato essencialmente brasileiro da esperança de algo melhor, baseada em nada se não na crença que reside no céu. Seja ele o simbólico que nos (figurativo, eu não vou) faz ir a igreja, ou o verdadeiro que está ali, a um movimento de câmera de distância.