Crítica | Arcade Fire - Everything Now

capa de arcade fire - everything now

álbum disponível no fim do post

Essa crítica será, prevejo, um tanto quanto polêmica.

O quinto álbum de estúdio do Arcade Fire saiu faz pouco mais de um mês e, aparentemente, decepcionou tanto os fãs quanto a crítica - não por nada: "Everything Now" é possivelmente o disco musicalmente mais fraco da banda canadense até hoje.

"Everything Now" tem tido uma recepção cética.

E é necessário que abordemos o porquê disso antes de qualquer coisa.

São 47 minutos que não são propriamente ruins, mas que ficam muito abaixo da qualidade usual da banda. Os cortes mais esquecíveis da carreira do Arcade estão neste disco. Algumas canções soam menos inspiradas, e por consequência, tornam-se menos envolventes e impactantes. Para qualquer outra banda, isso não é um grande problema, mas para o Arcade Fire, detentor de algumas das faixas mais grandiosas dos anos 2000, parece uma queda violentamente brusca na qualidade de suas composições e performance. E existe um fator que, mesmo não sendo o culpado integral disso, não pode ser deixado de lado: a banda decidiu se aventurar em um gênero que não é sua especialidade, a música dance.

O ato que foi tão significativo ao indie-rock desde seu início começou a flertar com a dance music no álbum "Reflektor", de 2013, experimento que, apesar de possuir algumas falhas, é bem sucedido como um todo - há novos sabores e aromas, mas o alicerce de Reflektor ainda é Arcade Fire de raiz. Aqui, em "Everything Now", é diferente. Totalmente focados no dance-rock, os músicos de Montreal assumem o risco de navegar por mares sob os quais eles não tem domínio.

Graças à produção musical assertiva de Markus Dravs e Thomas Bangalter, do Daft Punk, alguns cortes do LP são muito bem executados. Canções genuinamente boas. "Everything Now" é a alma do Arcade Fire vestindo o melhor traje do ABBA e sendo levado até a pista de dança por uma percussão que é o mais puro Daft Punk da era Random Access Memories. "Signs of Life" é uma faixa disco irresistível. "Creature Comfort" é o mais perto que a banda já chegou de unir sua verdade artística à do LCD Soundsystem, combinando o melhor de ambas. "Put Your Money On Me" é uma carta de amor desesperada e muito bem construída sobre uma chuva de sintetizadores que fazem quase 6 minutos passarem voando, assim como faz "We Don't Deserve Love", que combinando o dance-rock atual da banda com violões acústicos similares aos de "The Suburbs" e a melhor letra do disco, trata da agonia do futuro incerto ao qual nos encaminhamos fechando o álbum com uma atmosfera que remete à melhor fase do The Cranberries e oferece uma conclusão razoavelmente otimista:

It's always the Christ-types
You're waiting on [...]

... para validar que nós merecemos amor, "estamos sempre esperando os 'Cristos'", quando nosso amor já está aqui, perfeitamente real e válido.

No entanto, temos duas faixas com influência reggae que são provavelmente o material mais sem graça já lançado pela banda, "Peter Pan" e "Chemistry"; temos duas faixas legitimamente chatas nas duas versões de "Infinite Content", temos uma letra que faz uma autorreferência boba ao álbum Funeral na repetitiva e branda "Good God Damn" (que talvez fosse menos pior se cantada por Regine Chassagne, já que é a resposta da personagem feminina ao personagem masculino de "Creature Comfort") sem esquecer da instrumentalmente incrível "Electric Blue" que tem seu potencial desperdiçado por uma letra simplória e um exagero nos agudos.

Metade das faixas são bem resolvidas, dance-rock de indiscutível qualidade.

A outra metade são fusões musicais que, tentando ser mais acessíveis, soam superficiais demais para artistas que compõem com profundidade como o Arcade Fire. Mas então,

o que pode salvar "Everything Now" do aparentemente inescapável 6/10?

Conceito. E essa interpretação é plenamente pessoal e subjetiva, mas é uma discussão que me intrigou o suficiente para que eu quisesse abordá-la.

Screenshot_1.png

trecho do vídeo "oficial oficial" de "Creature Comfort"

A banda criou uma marca fictícia (ou não? risos) para promover o álbum, a Everything Now Corp, produziu fake news sobre eles mesmo em sites que copiam o Enterteinment Weekly (que virou Enterteinment Weakly) e Stereogum (que virou Stereoyum), uma playlist "infinita", deixou seu site completamente poluído e quase inavegável e ainda vendeu fidgets spinners

No portal fake Stereoyum foi postada uma "crítica prematura prematura" do álbum satirizando a velocidade com que se postam as críticas e opiniões hoje, mesmo quando uma obra pede um tempo maior para ser compreendida - e essa é parte da razão pela qual essa crítica só saiu um mês depois do lançamento do álbum.

A cara e a identidade dada à tal Everything Now Corp me lembrou de outra corporação fictícia: a "Buy N Large", presente em diversos filmes da Pixar.

buy n large

No clipe da música "Everything Now", carro chefe do disco, todos esses conceitos se encontram e fica mais clara a mensagem e o conceito que a banda tenta transmitir com o projeto que é seu quinto álbum: mais que uma crítica à época na qual vivemos, mas uma crítica na forma de consequência, produto e até mesmo homenagem a ela.

As redes e as bolhas sociais que se formaram na internet (e ela por si só), o consumo desenfreado que assistimos todos os dias e a informação e o conteúdo sem fim que nos é oferecido 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano, tudo isso está refletido em Everything Now.

As canções pálidas e sem alegria do disco não transcendem sua crítica social - elas sucumbem a ela.

Jeremy D. Larson - Pitchfork

O que incomodou Jeremy Larson também foi um problema para mim no início, até o momento em que eu pensei: "só um minuto, e se as faixas sucumbirem às suas próprias críticas sociais justamente para deixar a mensagem delas mais forte e impactante?" A partir dessa interpretação, o disco ganha outra face.

Uma canção detestável como "Chemistry", que só tinha a seu favor a fusão interessante de reggae e rock, passou a fazer sentido como um ode persuasivo das marcas ao consumidor, uma faixa cujo objetivo não é "ser uma obra-prima", e sim ficar na minha cabeça (como conseguiu, por sinal). As duas versões completamente diferentes de "Infinite Content" (uma parecendo uma b-side do Paramore de 2007 e a outra uma demo do álbum "The Suburbs") representam exatamente o conteúdo infinito que temos à nossa disposição hoje. As menções da banda a seu próprio álbum de estreia, o "Funeral", nas faixas "Creature Comfort" e "Good God Damn", como retrato do narcisismo onipresente no ciberespaço. "Peter Pan" como aquela arte ou poema de tumblr que não tem, na verdade, nada demais, mas que é doce suficiente pra roubar seu like.

O retrato perfeito da repetição que é a era da informação nos versos de diversas faixas: "on and on, i don't know what i want", "you and me, we've got chemistry", "infinite content, infinite content, we're infinitely content", "cover my eyes electric blue, every single night I dream about you", "maybe there's a good god, damn".

A capa, na verdade, diz tudo: um outdoor reproduzindo, aparentemente, exatamente a mesma montanha que há atrás dele. "Everything Now" é o Arcade Fire tentando retratar o nosso tudo agora exatamente como ele é, sem tirar nem por: cheio, repetitivo, às vezes complexo, às vezes simples, às vezes dançante, às vezes melancólico, de vez em quando profundo, mas na maioria das vezes, acessível e superficial.

Quando colocamos tudo que foi feito nesse álbum, desde a sua promoção até as escolhas de instrumentalização de cada faixa, é perfeitamente plausível crer que ele tenha como prioridade ser uma obra conceitual, não um álbum fenomenal e complexo e que os fãs de "Funeral" vão amar.

Como fã do Arcade Fire e da maioria dos trabalhos da banda, acredito que, mesmo tendo gostado muito de algumas faixas de "Everything Now", ele provavelmente não vai destronar nenhum dos outros 4 álbuns dos canadenses tão cedo: nem na minha estante, nem no Spotify nem no Metacritic. No entanto, talvez o objetivo dele esteja mais perto de estar no MoMA, em Nova York.

Lá sim, eu não me surpreenderia se ele aparecesse.

 

"Everything Now", como álbum

6

"Everything Now", como conceito e possível obra de arte

9


EM BREVE,

na nova seção do Outra Hora, teremos uma matéria indo a fundo no conceito do Everything Now e desembaralhando tudo que o Arcade Fire pode estar tentando nos passar.

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