Crítica | A Odisseia dos Tontos

tontos.jpg

Não é difícil entender o porquê de este “A Odisseia dos Tontos” ser o escolhido da Argentina para o Oscar 2020.

Dono de sete indicações e duas vitórias (“A Historia Oficial”, “O Segredo dos Seus Olhos”), o país é o mais bem sucedido da América do Sul na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, e este longa de Sebastián Borensztein exibe um dos principais motivos para tal sucesso: mais uma vez o país escolheu um projeto que se encaixa no que a Academia procura. É um filme genuinamente argentino (estrangeiro, aos olhos dos Estados Unidos), com uma história embasada em um fato histórico e interpretada pelo maior ator do país, Ricardo Darín, que estrelou os últimos dois filmes (“O Segredo dos Seus Olhos”, “Relatos Selvagens”) indicados à categoria. Dito isso, é uma pena que falte à este os culhões que os últimos dois tiveram.

Situado em meio à grande depressão argentina no início dos anos 2000, “A Odisseia dos Tontos” segue a história de uma pequena cidade onde alguns de seus habitantes decidiram montar uma cooperativa e, graças à quebra dos bancos, acabam perdendo todo seu dinheiro e partem em uma jornada para recuperá-lo de um advogado local que esvaziou, pessoalmente, o banco da cidade.

Sendo este o primeiro filme que assisto de Borensztein, posso dizer que o cineasta parece ter uma visão própria e se mostra competente na construção de suas cenas, ao menos após a primeira metade do filme, que se arrasta graças à uma falta de ritmo e excesso de exposição, principalmente nos primeiros 20 minutos. Evocando alguns planos que me lembraram “Drive” tanto no uso das cores como na disposição dos personagens nos cenários - méritos para a fotografia de Rodrigo Pulpeiro, que comanda o visual do longa em sinergia com as emoções de seus personagens principais -, o diretor se beneficia também da naturalidade do roteiro em fazer rir, dosando com maestria as piadas ao longo da projeção.

Porém, roteirizado por Borensztein e Eduardo Sancheri (escritor do livro que deu origem à “O Segredo dos Seus Olhos”), este é um projeto que sabe bem o que quer ser, mas falha em não querer ser mais quando poderia facilmente tê-lo sido. Mesmo interligando de forma inteligente e plausível a situação do grupo com a do país - o que por si só já demonstra um belo paralelo de crítica social -, falta a acidez, falta a ousadia que, por exemplo, “Relatos Selvagens” teve ao tratar temas similares. Apesar de Borensztein conseguir criar cenas de tensão e transformar o clímax final em um momento de grande antecipação, não é como se houvessem obstáculos, ou grau de periculosidade, grandes o suficiente para fazer com que temêssemos de verdade por aqueles personagens, os quais acabam sendo a melhor coisa do filme.

Ricardo Darín está ótimo como sempre na pele de Fermín, um homem que viu a vida passar e, quando finalmente decidiu fazer algo de grandioso com ela, perde tudo que conquistou. Mas são seus coadjuvantes que acabam roubando a cena: seu filho (na vida real também) Rodrigo (Chino Darín) protagoniza com a bela Ainin Zaninovich um romance tão desajeitado e engraçado quanto ele próprio; o desdentado Medina já é hilário apenas por sua aparência; o vilão, interpretado por Andrés Parra, tem uma das melhores reações possíveis à seu destino; e Luis Brandoni, como Antonio, protagoniza a melhor cena do filme, após os créditos.

E os próprios, de tontos, não tem nada, o que me faz questionar o próprio nome do projeto, que divertida, e sonoramente, referencia “2001: Uma Odisseia no Espaço” logo em sua primeira cena, mas pouco faz para que tenhamos a sensação de estarmos assistindo à uma verdadeira odisseia. A trilha sonora, inclusive, é outro ponto forte, flertando com cordas solitárias que relembram faroestes e abusando de orquestras mais complexas ao apresentar maiores desenrolares.

Divertido e leve, “A Odisseia dos Tontos” é um filme econômico demais para fazer jus à seu título e longo demais para se tornar verdadeiramente proveitoso. Embora demore a engatar, o segundo e terceiro atos são consideravelmente melhores que o primeiro, mas não o suficiente para tornar este um dos favoritos na temporada de premiações.

Bem, pelo menos no clássico Brasil x Argentina no cinema em 2019, parecemos estar na frente.

7.3


Anterior
Anterior

Crítica | Kanye West - Jesus Is King

Próximo
Próximo

Crítica | Em Guerra