Crítica | Kanye West - Jesus Is King

Quebrar barreiras sempre foi algo associado à imagem de Kanye West.

Seu primeiro álbum, “The College Dropout”, resgatou os samples de Soul; “Late Registration” misturou Hip-Hop à uma orquestra; “Graduation” assassinou o Gangsta e o Bling Rap; “808s & Heartbreak” deu ao gênero toda a emoção que faltava e fez nascer metade da música mainstream da década seguinte; “My Beautiful Dark Twisted Fantasy” foi um clássico instantâneo; “Yeezus” revirou a indústria; “The Life of Pablo” influenciou pela irreverência aos costumes normais; “Ye” e “Kids See Ghosts” deram novos insights no formato tradicional de um álbum e do próprio Hip-Hop.

Talvez não por pura opção, mas apenas como um eco de suas habilidades musicais, toda sua carreira até aqui foi marcada por projetos que deixaram o gênero diferente. Assim como todo grande artista, Kanye evoca em sua música sua própria vida ao passo que a transforma em uma síntese do homem moderno, tornando seus delírios de grandeza e profundas investigações acerca da própria mente em uma jornada relacionável para todos aqueles que, assim como ele, brindam o fato de serem grandes idiotas. Nos últimos dez anos, nenhum artista adotou tanto esta postura quanto ele, que por vezes parece encontrar inspiração e prazer em ser o vilão, o pária, aquele que apenas seus seguidores entendem - ou julgam entender - e que todos os outros criticam.

Seja como for, a influência de Kanye West na cultura do século 21 é imensurável. Musical, estilística, cinemática e socialmente, nenhum outro artista, de nenhuma outra área, chegou perto do nível que ele atingiu e, talvez por isso, quando se confundiu com Deus em “Yeezus”, ele parecia mais convincente do que quando se curvou ao mesmo neste “Jesus is King”. Pois se alguém realmente acredita ser o maior artista de todos os tempos (e, na história, os únicos candidatos já não mais vivem), este alguém é ele, e vê-lo tentar voltar ao plano terrestre e se colocar ao lado dos fãs que tomou como seguidores é um passo à distância do maníaco pedestal que construiu para si. E isso, indiscutivelmente, refletiu neste seu novo álbum que, apesar de contar com suas inegáveis habilidades de juntar talentos, figura como seu projeto menos interessante quando colocado em um vácuo.

Afinal, para aqueles que acompanharam sua carreira de perto, “Jesus Is King” pode muito bem ser mais um episódio de ecleticismo, desta vez se entregando de vez às tendências que permeavam sua estreia, abraçando o gospel e deixando seu amor à Deus ser o tema central. Seu coro particular, que todos já devem ter visto no Sunday Service, aparece em praticamente todas as faixas e, por vezes, ditam mais o tom de cada faixa do que instrumentos, enquanto as rimas de West soam esterilizadas perto das performances energéticas e ousadas que ele se acostumou a entregar. Esteticamente, não é um território no qual ele nunca tenha pisado, mas é um mar onde ele antes apenas molhava os pés e, agora, mergulha como se estivesse imerso em água benta.

Já para aqueles que não, pode ser apenas um álbum Rap-Gospel mediano, pouco interessante e com nada a oferecer que outros nomes de um gênero que não está acostumado aos holofotes.

Em “God Is” ele rima:

Everything that I felt, praise the Lord
Worship Christ with the best of your portions
I know I won't forget all He's done

He's the strength in this race that I run

E se sua voz soa sincera pela maior parte do projeto, e até nas entrevistas que deu até agora (o episódio de “Airpool Karaoke” com James Corden é especial), não consigo deixar de sentir como se estivesse vendo seu lado mais mundano. Kanye West pode nunca ter estado tão espiritual, mas nunca ele pareceu tão a mercê de forças que não pôde controlar. O homem que rima - e prega - aqui é humano e, por mais que seja impressionante constatar isso e intrigante analisá-lo, é indiscutível que a entidade que tomava conta de sua carreira até então era, com certeza, mais divertida, perigosa e magnética.

Dito isso, “Jesus Is King” não é uma atrocidade, longe disso, é uma boa mistura de Hip-Hop e Gospel, com pontos altos bem espalhados - destaque para “Closed Sunday”, “God Is”, a beleza e sinergia dos coros e a mistura heterogênea de Clipse, Gospel e um solo de sax (já icônico?) de Kenny G em “Use This Gospel” -, e que oferece uma jornada complexa o bastante para que explorá-la novamente se torne uma tarefa mais prazerosa do que árdua. Ainda assim, é uma entrada menor em sua discografia que, apesar de oferecer novas lentes sobre sua complexa persona, figura como seu pior projeto.

O que me leva a um comentário necessário: ninguém lançou mais clássicos nos últimos 20 anos do que Kanye West. Todos os seus primeiros oito álbuns figuraram entre os melhores de seus respectivos anos e, após acompanhar toda a função envolvida no lançamento de “JIK”, considero um erro do ouvinte esperar que fosse ouvir à mais uma obra prima. Fica claro que este é um álbum de Kanye West para seus fãs mais devotos - ou para converter alguns deles - e que é, sem sombra de dúvidas, menos preocupado com a arte do que qualquer dos anteriores. Então baixem as suas expectativas, que o processo pode se tornar mais do que simplesmente prazeroso…

mas gratificante.

7

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