Crítica | Neon Genesis Evangelion
É curioso como, normalmente, cinéfilos e críticos preferem animes curtos e acabam se limitando a debater o “gênero” apenas por estes, completamente ignorando aqueles mais longos - em sua maioria, Shonen.
O que, como um defensor de mangás e animes e sua influência na cultura mundial (que deixou os quadrinhos de super herói pra trás há décadas), me incomoda. É claro que existem diversos problemas no formato tradicional com que a Shonen Jump leva seus projetos, “obrigando” os autores a esticá-los além do previamente esperado para poder arrancar mais dinheiro, ao passo que as produtoras que adaptam para anime fazem o mesmo adicionando histórias não canônicas ou flashbacks que engordam episódios e temporadas. No fim, o dinheiro acaba atrapalhando a visão artística, e caso esse assunto lhe interesse, leia (ou assista) “Bakuman”, dos mesmos criadores de “Death Note”.
Logo, confesso que assisto poucos animes, pois o estrago no mangá é menor, e acabo concordando com os grupos acima citados de que esse formato “por encomenda” funciona melhor para se trabalhar e expressar temas, mas com uma bagagem que considero ok do gênero a qual “Evangelion” pertence, posso dizer que está longe de estar entre meus preferidos.
Vejam, a influência de “Evangelion” é inegável e sua relevância 25 anos depois do lançamento segue grande vide o alvoroço feito pelos novos filmes, mas aqui me atenho a falar apenas sobre a série original, a qual conferi depois de ficar curioso demais com algo que tantos tratam como uma obra prima. Minha experiência, no entanto, foi completamente contrária ao que achei que seria… ou melhor, nunca sendo um fã de Mecha (robôs gigantes), já entrei cético.
E para qualquer que não se interesse por toda a dinâmica envolvendo os robôs, os seis-oito primeiros episódios podem muito bem soar intermináveis. Carregados com o sobretexto - mais evidente impossível - da depressão de Shinji, parece que o que assistimos é uma sessão de terapia… mas de quem? Hideaki Anno, o idealizador e diretor da série, com certeza divide com Shinji toda essa carga emocional, se no passado ou no presente, talvez a própria série possa responder. O fato é que se torna difícil sequer simpatizar com o guri, que tem um drama muito menos relacionável do que muitos sugerem: posso falar apenas por mim, mas convivendo com depressão a quase uma década, uma das coisas mais frustrantes é se sentir inútil, vazio, e proteger a Terra dirigindo um megazord seria um ótimo jeito de afastar esse sentimento.
Talvez uma oportunidade desperdiçada seja a de não explorar melhor a ligação de Shinji com seu EVA logo no início e, dando sequência, tratar os Anjos como meros obstáculos. Mesmo o peso das ações dos monstros é pouco sentido: com uma tecnologia avançada, não se pode dizer nem que pessoas morrem durante seus ataques, o que torna a coisa toda ainda mais impessoal. Há um senso interno de preocupação - algo que chamo até de pose -, mas nunca vemos a percepção geral quanto aos eventos que podem destruir a humanidade. E para uma facção da cinefilia brasileira que odeia tanto a Marvel e ama tanto “Evangelion”, chega a me lembrar as cidades evacuadas que são destruídas sem nenhuma consequência que possa ser sentida de verdade (pelo menos em alguns dos filmes), mesmo prezando por um falso realismo.
E tudo bem caso a centralização desses duelos Deus-Homem sejam reduzidos ao indivíduo, mas há realmente esse subtexto de Deus? Como disse, os anjos são obstáculos, mas nunca entendemos se eles sequer sentem. O que querem? Destruição apenas? Por que? Na obra prima de Miyazaki, “Princesa Mononoke”, entendemos que os demônios vem da destruição da natureza, em “Dragon Ball” (mais escapista que isso impossível) há uma clara ideia de hierarquia e colonização, em “Death Note” há uma exploração verdadeira da psique humana e de como ela é facilmente corruptível. Em “Evangelion” temos um jovem chateado que parece reduzir todos os problemas a si, sem nunca contextualizar tudo que lhe acontece. Toda a pose, que me referi antes, de algo maduro e complexo, ainda cai por terra com algumas resoluções tão… simplórias. O trabalho em equipe é importante! Todas as crianças especiais são da mesma escola! Puberdade!
A sensação é de que me venderam algo pra me deixar pensativo por dias, mas o que tenho são sugestões de questões que surgem como alegorias para a depressão de um indivíduo apenas. O que não deixa de ser comum, interessante e até entendível, mas o que poderia ser algo questionador, se torna egoísta. E talvez meu maior problema seja realmente o final, que confirma minha hipótese: “Evangelion” é a resolução para seu autor, não para sua obra. O que, de novo, é comum, interessante e entendível, mas soa ainda mais egoísta. O que é aquilo? A manifestação do fim? Da vitória contra a depressão? Da vitória da humanidade? Ou seria de sua derrota?
De novo, pose.
Mas se parece que odiei a série com todas as minhas forças… não, inclusive diria que gostei, mas me decepcionei tanto que o gosto que fica é amargo. A partir do episódio 9, e até o 15 (ou 16, lembrar de nome de episódios é coisa de otaku!), as coisas andam com mais força, justamente quando a coisa toda se torna mais infantil, como se a naturalidade do dia a dia surgisse como uma maneira de lidar com a pressão inimaginável - e é - e de desenvolver essa ligação entre o macro e o micro. Então a coisa fica incrível mesmo, quando as revelações parecem caminhar na direção dos temas, com o experimentalismo de Anno surgindo não apenas na encenação - um pós sexo focando na mesinha do lado -, mas na maneira caótica como tudo vai acontecendo e aparecendo. As intenções verdadeiras surgem na mesma medida que as emoções afloram, que relações se estreitam, que o tempo acaba.
Mas então temos os dois episódios finais, que, como comentei antes, soam como um experimentalismo que seria muito bem-vindo caso, após ele, tivéssemos uma resolução do problema trazido pelo juízo final. E não apenas como uma sessão de terapia de um personagem que, por mais “verossímil” que possa parecer, faz de tudo para que não apenas não gostemos dele, mas nos distanciemos cada vez mais de tudo que representa. Tanto, que virou piada.