Crítica | Mid90s
Acho que não existe maior distância que vivemos na vida do que aquela entre os 13 e os 17.
Mudamos tanto nesse período que é como se ele equivalesse a décadas e, talvez também por isso, seja tão marcante. Ali, em um momento que não bem sabemos dizer quando é, deixamos de ser criança, passamos a entender o mundo - ou achar que entendemos - e, se não nos cuidarmos, somos engolidos por ele e viramos apenas mais uma reprodução de sua toxicidade. A boa criança, a cidade má.
Esse termo, eternizado por Kendrick Lamar com seu álbum de 2012, é um dos mais fascinantes da cultura Pop no século 21, mas suas aplicações estão longes de serem exclusividade desses últimos 20 anos. O clássico do Neo-realismo Italiano, “Vítimas da Tormenta” (1946) e o clássico Brasileiro, “Pixote” (1981), são exemplos claros. Também em 2018, o aterrador filme Libanês, “Cafarnaum” (2018), surge como um primo distante desta estreia de Jonah Hill na direção, e embora possa parecer quase fútil comparar um filme como “Mid90s” à outro que mostra uma das realidades mais terríveis e inumanas da Terra, basta imaginar como ambos aqueles meninos precisavam da mesma coisa em suas jornadas, algo tão simples e que, em escalas distintas, todos buscamos em algum momento: pertencimento.
Stevie, como a descrição do filme diz, o encontra em uma loja de skate, onde um quarteto passa os dias fumando, bebendo e tendo as mais aleatórias conversas que afastam os poucos clientes. É curioso já ali o cenário da coisa toda, pois apesar de estar implícito, não os vemos indo a escola, ou com seus pais, ou sequer com o dono da loja (as vezes parece ser Ray), de maneira que o filme me lembrou o clássico “Du, Dudu e Edu”, onde jovens pareciam ser os únicos habitantes de um resto de cidade meio abandonado de supervisão. E a profundidade dos temas está justamente nessas entrelinhas e diálogos onde podemos ter uma ideia melhor da amostra social que Jonah Hill, em sua estreia no roteiro e direção, nos apresenta. Ray e Fuckshit, os mais independentes, parecem ter situações melhores em casa que Ruben e Fourth Grade, o que reforça a questão que parece destinada a um dia separá-los: enquanto um já aceitou que quer essa vida de curtição pra vida, outro demonstra todas as inseguranças, anseios e sonhos que adolescentes deveriam ter.
Essa inquietação está entranhada em “Mid90s”, justamente porque ela parece ser comum à seu diretor. No começo achei a vibe cult/festival um pouco forçada, mas logo ela se torna a única maneira possível, porque “Mid90s”, o filme, é a extensão de “Mid90s”, a fita que Fourth Grade mostra no final. Um fragmento, cru e estilizado de cenas que parecem comuns para quem as filma, e se uma câmera parada parece apenas observar enquanto Stevie tenta diversas vezes uma simples manobra, um deslize em câmera lenta revela o momento mais intenso do filme: após o acidente de carro, quatro jovens que horas atrás faziam coisas que nem adultos deviam, surgem vulneráveis dormindo desconfortáveis esperando que o menor deles seja atendido. Ali eles são crianças, e tanto a mãe de Stevie, como nós, os enxergamos assim.
E é absolutamente chocante ver aquela criança de 13 anos - ainda menor do que uma criança de 13 anos parece - bebendo, fumando e beijando uma atriz 10 anos mais velha, mas lembro que vivi momentos parecidos e, por escolha que hoje considero sábia, preferi não ceder à pressão externa para fazer o mesmo. Hill mostra tudo com uma naturalidade quase agressiva, contrastando a leveza de elipses temporais no ritmo de uma música, com uma desconfortável sensualidade (?) envolvendo os beijos desengonçados de um menino assustado mas determinado em se provar. Mas como podemos culpar Stevie, ou seu irmão - que talvez seja o personagem mais trágico do filme -, ou sua mãe que com menos de 40 anos tem de criar dois meninos sozinha. Como podemos apontar o dedo para Ruben e seu ciúme do novo integrante do grupo, ou para Fuckshit e sua ilusão de que viver a vida daquele jeito vai deixá-lo satisfeito para sempre? Maduro dentro do possível, Ray surge como o único deles que parece entender a situação onde se encontra, e talvez por isso a inquietação o atinja de maneira mais aparente: em seu olhar tem o deslumbramento e o sonho de trocar de vida, mas também o medo de não conseguir.
Toda a relação de Hill com seu filme me parece ainda mais pessoal quando penso em sua paixão por Rap - o Outro de “New Slaves”, de Kanye West, toca logo antes Stevie cair do teto -, e quando Fourth Grade, um menino quieto que passa o tempo inteiro filmando, faz perguntas sobre ser negro para seus amigos negros. Mas nem ele, nem Stevie, nem Ruben são representações de Hill, e sim o filme em si, a sensação de uma busca inerente por pertencimento, por aceitação, uma busca por identidade que parece, pelo menos nesse primeiro trabalho, mover o Jonah Hill diretor e que me faz antecipar seu próximo projeto.