Crítica | O Homem da Máfia
Volta e meia assistimos a filmes “perdidos”, que não receberam muito reconhecimento quando lançados e acabaram não sobrevivendo ao teste do tempo. Muitos por mediocridade, outros, como este “O Homem da Máfia” por qualquer outra razão.
Contando a história de alguns mafiosos - uns mais experientes, outros nem tanto - e como um plano que dá errado pode custar a vida de todos, este filme de Andrew Dominik é, sem sombra de dúvidas, um dos mais subestimados destes últimos dez anos e infelizmente acredito que continuará assim.
Tudo bem, filmes sobre a máfia já estão a umas boas décadas de seu auge e, inevitavelmente, seus parâmetros de qualidade são um tanto inalcançáveis graças a trilogia do “Poderoso Chefão” e de um tal Martin Scorsese - Quentin Tarantino, Irmãos Coen, Sergio Leone, entre outros merecem menções também -, e qualquer novo filme, por mais competente que seja, é injustamente comparado a clássicos que já tiveram tempo para serem compreendidos, analisados e apreciados por completo. Não que este filme escrito e dirigido pelo neozelandês Andrew Dominik esteja no nível destes clássicos, mas há, definitivamente, algo de especial em como fora concebido.
Curtíssimo com seus 97 minutos, mas jamais econômico em ideias e conceitos, é um filme que assim como os melhores do gênero se apoia no roteiro e na complexidade de seus personagens para funcionar. Repleto de longas cenas de diálogo que são eventualmente pontuadas por momentos de pura violência, “O Homem da Máfia” é estruturalmente cirúrgico, oferecendo conversas que não apenas contextualizam aonde se encontram cada um daqueles homens em suas respectivas vidas, mas relacionam seus papéis e motivações com todo o esquema da máfia de apostas, a qual fazem parte, com a crise econômica de 2008 que, brilhantemente, é sempre ouvida ao fundo de bares e restaurantes. Em um momento, ouvimos Barack Obama falando, em outro George Bush, e é como se suas declarações sempre fossem recebidas da mesma forma, com escárnio e desdém, pois seja para quem for que ambos estejam falando, são discursos que não se aplicam a homens que ganham a vida fazendo decisões em prol apenas de si mesmos.
Sonoramente impressionante, o design de som consegue misturar som ambiente, estes discursos ouvidos por TV e rádio e sua quase imperceptível trilha sonora - que em determinada cena toma forma na música tocada no local - de modo que somos sutilmente imersos na vida errática de seus personagens. Algo também realçado pelo belíssimo trabalho de fotografia de Greig Fraser, que ressalta a aparência suja daquele submundo com uma paleta levemente esverdeada e consideravelmente saturada, para termos uma maior noção da profundidade de espaço, técnica esta que, também feita de forma sutil, nos sugere que estes possam ser utilizados para ações mais agitadas do que os longos diálogos que se tornam tensos não pela forma como são ditos, mas por pequenas nuances em suas frases que sugerem que a amizade nunca está acima dos negócios.
Porém Dominik jamais deixa de estilizar aquela realidade, a tornando quase surreal em certas passagens. Em uma delas, um personagem está tão drogado que não consegue se manter acordado e, em outra, tiros em câmera lenta fazem um dos melhores usos que já vi desta técnica que se tornou uma muleta para tantos diretores. Preste atenção, em tal cena, em como as balas quebram o vidro do carro, em como o sangue jorra mas jamais deixa de ser realista, e estarão vendo um uso perfeito de efeitos especiais. Além disso, nesta cena, que é a mais marcante do longa, a música que toca é uma escolha curiosa, assim como boa parte das canções escolhidas para ditar o rumo daqueles personagens. Como que sugerindo um amanhecer novo, pacífico, mas que apenas joga para baixo a sujeira da noite anterior.
O roteiro, no entanto, jamais nos entrega um filme pessimista, por mais que para todos aqueles homens a morte pareça o próximo passo mais lógico. O que vemos é como uma elegia, de jovens criminosos tentando subir na vida e velhos refletindo sobre tudo que sua rápida e manchada ascensão significou. O Mickey de James Gandolfini talvez sendo o melhor exemplo: um homem casado, mas viciado em prostitutas e que nem mais consegue cumprir suas obrigações com o crime, a única coisa que soube fazer a vida toda. O fato de o ator ser conhecido predominantemente por seu papel em “Os Sopranos”, e ter falecido no ano seguinte ao lançamento do filme, tornam seu personagem ainda mais meta-linguístico. Já as figuras interpretadas por Scoot McNairy e Ben Mendelsohn - que parece estar fedendo a decomposição em todas as suas cenas - são única e exclusivamente trágicas, seres tão fracassados que não conseguem nem fugir de si mesmos. E se o mesmo não pode ser dito do Markie de Ray Liotta, é impressionante a fragilidade, e o medo latente, que este demonstra quando pressionado, comunicando uma vida de olhar por trás do ombro e pagar o preço por erros antes cometidos.
Em meio a todos estes cascos de homens, surge o Jackie Cogan de Brad Pitt, misterioso em suas origens e passado, e ainda mais no que diz respeito a sua índole que, graças ao talento e ao visual do ator jamais se deixa transparecer. Interpretando um homem que, literalmente, dá o tapa e esconde a mão, Pitt se diverte ao compor um sujeito que tem medo dos sentimentos na hora de executar alguém, mas impiedosamente engana e chantageia os outros para conseguir o que quer. Sua figura - sempre atraente - funciona quase como o oposto daqueles que com ele contracenam e, inteligentemente, Dominik o coloca como não figura central, mas sim como corretor dos erros de todos - um super herói que protege, além de si mesmo, o crime.
Pecando apenas em ser um pouco difícil de se acompanhar - se isso for demérito para qualquer filme -, “O Homem da Máfia” é uma experiência nem sempre agradável, mas devidamente eficaz em retratar um mundo que a maioria de nós prefere acreditar não existir, por mais que ele seja apenas uma versão menos feliz e esperançosa como os políticos tendem a prometer e sugerir. Tudo isso, enquanto investiga o vazio que preenche homens que jamais se darão por satisfeitos, pois sabem que suas escolhas, por mais que inevitáveis, levam a caminhos sem redenção.