Crítica | Bohemian Rhapsody
Antes de começar a falar do filme em si, preciso falar que Queen sempre foi uma das minhas bandas favoritas e Freddie Mercury é pra mim o maior intérprete de todos tempos, que eternamente vai transcender gêneros, mercados e modas, porque Queen é certamente uma das maiores coisas que o mundo já viu, tenho uma ligação forte com a discografia da banda, com seus músicos e com Freddie Mercury. Dito isso,
“Bohemian Rhapsody” é um fracasso duplo: como filme e como biografia de Freddie Mercury.
Como biografia do Freddie Mercury não cabe explicar aqui, mas a construção do personagem como uma pessoa querida, sempre gentil e com a melhor intenção é controversa com praticamente tudo que se sabe sobre a vida do astro. Como filme é uma bagunça. Se alguma vez na vida você já pediu para uma criança contar a história do seu filme favorito, essa é mais ou menos a sensação que se tem assistindo “Bohemian Rhapsody”: alguns retalhos da história do Queen, sem contexto, sem explicação de como são os personagens ou algo sobre sua personalidade, tudo misturado aleatoriamente com momentos de puro êxtase nas apresentações das músicas que mais parecem videoclipes.
É estranho que em um ano de personagens tão fortes no cinema e em um momento em que cada vez mais se escrevem personagens interessantes, justamente por terem suas camadas, que em “Bohemian Rhapsody” tenha se escolhido o caminho contrário. Com exceção de Freddie Mercury (Rami Malek) e Paul (Allan Leech), seu amigo e eventual empresário, é essencialmente impossível dizer quais são as características ou motivações dos outros personagens do filme, alguns ainda têm papéis relevantes, como Mary (Lucy Boynton) esposa e amiga de Freddie. E mesmo os dois principais são personagens mal escritos, com atitudes previsíveis, pouca complexidade e contradição, escolha que faz questionar qual é a real intenção do filme: contar a história de Freddie Mercury ou transformar ele em um santo? Se o cantor do Queen teve o tamanho que teve na vida real, certamente não foi porque era uma pessoa fácil de lidar, ele era uma estrela com um imenso ego e uma vontade maior ainda de brilhar, essas são características que normalmente funcionarim em um roteiro para dar dubiedade a um personagem, mas a impressão que “Bohemian Rhapsody” deixa é que todos aspectos negativos da vida de Freddie Mercury na verdade eram culpa do seu amigo Paul e ele era, na realidade, uma pessoa muito boa.
Se existe uma máxima importante de roteiro é: mostre ao invés de falar. E “BohRap” faz o total oposto disso na maior parte do filme. Por exemplo, ao invés de mostrar a ascenção do Queen, em uma cena os membros da banda aparecem na casa de Freddie e contam que vão fazer uma turnê nos EUA, ao invés de mostrar a decisão de Freddie Mercury de fazer carreira solo, o filme alterna rapidamente entre um momento que ele rechaça a ideia por inteiro para uma cena em que ele fala para seus companheiros que quer um tempo do Queen para fazer um álbum sozinho. Há momentos de preconceito escancarado, como a insinuação de que a vida noturna e os relacionamentos homoafetivos de Mercury foram responsáveis pela AIDS e o afastamento do Queen, essas cenas escandalosamente fotogradas com filtro vermelho, associado a pecado e promiscuidade. Para piorar, é difícil entender o porquê de um filme com mais de duas horas de duração e um roteiro completamente esburacado gasta tanto tempo com cenas de performances musicais, que impressionam pela sua total irrelevância para a história de “Bohemian Rhapsody”, seus 20 minutos finais são apenas uma refilmagem na íntegra do clássico show live aid.
“Bohemian Rhapsody” foi concebido como uma cinebiografia da banda Queen, se perdeu no meio do caminho até uma biografia de Freddie Mercury, mas no fim das contas chegou em um festival de mediocridade cinematográfica, marcado por escândalos nos bastidores. Um filme feito para santificar a imagem de um ídolo que não era santo. Decepciona ainda por não contribuir em nada num momento onde tantas narrativas importantes e diversas ganharam destaque na indústria cinematográfica.
“Bohemian Rhapsody” declarou morto o gênero de cinebriogafia musical.
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*Esse texto foi publicado originalmente no dia 31 de Janeiro de 2019, com algumas alterações, no Medium.