Crítica | Cats
Não assista “Cats”.
Não é comum eu incentivar alguém a não ver um filme, mas nesse caso o conselho é esse: se puder assistir, não assista. Especialmente porque é um filme inacabado, preguiçoso e descuidado. Apesar do elenco super estrelado, Tom Hooper dessa vez não engana ninguém com sua pouca habilidade de direção, nesse que é um dos roteiros mais mal adaptados que lembro, deixando a impressão de ter escolhido os elementos menos cinematográficos da peça de Andrew Lloyd Webber para colocar na tela. Além disso, é cada vez mais nítido que usar computação gráfica para criar cenas com animais antropomorfos não é uma técnica útil de representação, pois quanto mais realistas as texturas estão ficando, menos interessantes e verdadeiros seus movimentos são projetados, tendo em Cats um visual potencialmente ridículo de gatos mal humanizados.
Chama atenção de cara a baixíssima qualidade visual do filme, há cenários não renderizados entre alguns mais completos, há gatos com patas e pelos por todo corpo e outros em que os pés e as mãos são totalmente humanos, ainda algumas cenas tem suas bordas fora de foco, para disfarçar visualmente parte inacabada da arte e cenas em que a edição rápida e dinâmica nunca permite que o espectador entenda o que está em tela, outra maneira de disfarçar a baixa qualidade. Não há nenhuma unidade visual e tudo parece pavoroso. Há poucas cenas em que se pode aproveitar e entender o que está em tela, parecendo mais uma concha de retalhos que um filme. Mesmo as cenas de dança são editadas de maneira que perdem toda possível força que teriam. Todos esses elementos deixam nítido que ele precisaria de pelo menos mais alguns meses antes do seu lançamento e esse é o principal motivo para a minha anti recomendação: ao assistir “Cats” no cinema, você verá algo que poderia virar um filme, mas em algum estágio anterior a sua finalização de fato.
O ponto em que o filme tenta se apoiar é o elenco estrelado. Mesmo trazendo no papel de Victoria uma estreante, Francesca Hayward, que mesmo começando no cinema é bailarina do Royal Ballet e um destaque do filme nas cenas de dança. Além dela, Ian McKellen, Idris Elba e Jennifer Hudson não chegam a surpreender, pois são as atuações mais consistentes nos papéis de Gus, Macavity (o vilão) e Grizabella, o primeiro deles é na verdade o único personagem no elenco inteiro que poderia ser um gato de verdade atuando e também o único que nos convence a ter empatia por ele. Hudson recebe de presente a tarefa de imortalizar no cinema “Memories”, a principal música da peça, e a cumpre com forte emoção marca das sua carreira. As piores atuações ficam por conta de Rebel Wilson como Jennyanydots, James Corden como Bustopher Jones e Taylor Swift como Bombalurina, que têm as piores cenas do filme, com pouca ou nenhuma função para o andamento da trama e ainda protagonizam tentativas pavorosas de criar humor físico (como a cena que Corden cai de perna aberta sobre a borda de um barril). Judi Dench deveria ser destaque de alguma maneira, mas acaba sendo um dos personagens menos convincentes e que o trabalho de construção da felinidade está mais inacabado.
Esses atores são prejudicados pelo terrível roteiro: a gata Victoria (Hayward) é abandonada por sua dona, na rua ela conhece os gatos Jellicle, que adotam nomes novos e esperam o momento em que a gata mais velha, Old Deuteronomy (Judi Dench), escolherá um deles para ter uma nova chance de vida em uma espécie de paraíso dos gatos. Munkustrap (interpretado pelo também estreante Robert Fairchild) apresenta Victoria a alguns gatos que estão esperando ser selecionados para uma nova vida. Depois de conhecermos alguns deles há o Baile dos Jellicle, em que ocorrerá a escolha. Se esperaria que o primeiro ato, em que conhecemos vários gatos serviria de apresentação dos personagens que serão relevantes para a trama, o que essencialmente não ocorre. Quatro gatos que conhecemos (cada um tem uma música própria, então se leva mais de vinte minutos) são sequestrados por Macavity imediatamente após suas cenas e depois não voltam para a história. Dando a impressão, correta, que todo o tempo que se está assistindo a “Cats” é na verdade desperdiçado. Um exemplo do trabalho de roteiro é o termo Jellicle, próprio da mitologia que envolve a história de Cats, há uma escolha de suprimir da música “Jellicle songs for Jellice cats” a frase “o que é ser um gato Jellicle?”, que seria dita por Victoria. Desse modo o roteiro parece não se importar com a compreensão que o espectador vai ter da história e nem com a sua protagonista.
A baixíssima eficiência com que apresenta personagens é diretamente proporcional a qualidade da trama do segundo ato, o Baile, em que não temos nenhum motivo nem incentivo para nos importarmos com qualquer coisa que acontece na tela. Apesar da já mencionada interpretação de Idris Elba, seu personagem parece mais um rascunho ou uma nota de rodapé do que o vilão que deveria servir de antítese para a moral da história, que aliás não vem nunca. Só nos últimos vinte minutos de filme que o roteiro tenta de alguma maneira progredir a trama, o que significa terminar ela. Nesse ponto, depende que o público esteja engajado com personagens que não foram devidamente apresentados. Considerando que boa parte do filme são músicas sobre personagens que não tem função narrativa alguma , passa a impressão que em nenhum momento o roteiro pretendeu contar história alguma.
Tom Hooper nunca foi o diretor mais hábil (apesar de ter sido definitivamente o mais sortudo), mesmo em seu melhor filme (Os Miseráveis) a direção é caótica e desencontrada. Em “Cats”, ao contrário, provavelmente ele teve seu maior azar e demonstrou a pouca habilidade que tem para contar uma história. Não há nenhum arco dramático completo no filme, na cena em que finalmente terminamos de conhecer todos personagens a história se encaminha para o fim. Escolhas de roteiro afastam o público da dita protagonista tirando qualquer possibilidade de interação com as meias histórias sendo mostradas. Poucas vezes algo deu tão errado como “Cats”, uma das principais peças da Broadway ganhou uma versão porca, pouco criativa e tenebrosa, dirigida por uma das cabeças menos iluminadas dos últimos tempos. Assista vídeos de gatos na internet mas por favor, não assista “Cats”.