Crítica | Star Wars IX: A Ascensão Skywalker

Confesso que, independentemente de saber da recepção mista tanto de críticos como de público e sabendo que a Disney, muito provavelmente, moldaria este filme conforme as respostas de ambos - um erro impraticável em qualquer forma de arte que está quase sempre fadado ao fracasso -, não pude deixar me levar assim que a clássica trilha da saga começava em seu nono capítulo, o terceiro que acompanharia diretamente no cinema.

Ali, por um breve momento, não era o eu imparcial e crítico que buscaria analisar o filme por seus méritos técnicos e temáticos, mas sim a criança que se apaixonou por este mundo e que, por osmose, sabia que Darth Vader era pai de Luke Skywalker antes mesmo de saber que Star Wars existia. Um luxo que todos nós deveríamos ser capazes de nos auto proporcionar. (E isso, mesmo com uma dupla desajeitada que chegara em cima da hora na sessão e com um senhor que parecia ter comprado o telefone na magazineluiza antes de entrar no cinema e não sabia como desligá-lo.)

Pois minha experiência com Star Wars teve impacto considerável durante boa parte da minha jornada – e considero ela de suma importância neste texto para acabar com qualquer tipo de ideia de que sou “hater” da franquia – como cinéfilo e como ser humano. Fui apresentado à saga pelas medíocres prequências, que via com minha mãe quando pequeno e amava cada segundo de um filme com pessoas de verdade lutando com poderes especiais (os filmes de super herói, na época, vocês lembram como eram). Logo depois descobri os originais e os apresentei à um primo mais jovem que se maravilhou com aquele universo tanto quanto eu. Além disso, a excelente série animada do Cartoon Network fazia parte das minhas rotineiras maratonas do canal.

E então chegamos a nova trilogia que, após a aquisição da LucasFilm pela Disney, tinha o difícil trabalho de resgatar a magia dos filmes originais e tirar o gosto amargo dos episódios I, II e III, e é curioso como cada um destes novos filmes fora lançado em um momento importante da minha vida: “O Despertar da Força” coincidira com minha primeira vitória contra a depressão - e diga-se, eu e outro amigo (que escreve para o site) fomos excluídos do grupo que foi junto assistir ao filme e então decidimos comprar ingressos para nós e outro amigo... que não foi no dia, o que nos fez vender seu ingresso à um rapaz chamado Kevin. Imagino aonde ele estaria agora... -, “Os Últimos Jedi” com minha formatura na faculdade e este “A Ascensão Skywalker” com um outro momento marcante que manterei privado por enquanto.

Logo, era claro que minhas expectativas estariam altas para esta conclusão da primeira trilogia que acompanhei nos cinemas, mesmo que elas tivessem sido danificadas pelas injustas críticas a ambos os episódios anteriores que, em suma, se resumiam ao preconceito do fandom (palavra que tomou conotações negativas nestes últimos dias) com o fato de termos uma protagonista feminina, um protagonista negro e um possível romance homossexual. Além, é claro, por acreditarem que tem mais direito a estes filmes por terem lido todos os livros (já declarados como não canônicos) e, o pior, julgarem como aceitável que todos os seres da Galáxia devam estar relacionados por sangue, ou não seriam dignos da Força. Talvez eles não tenham sido avisados, mas Star Wars sempre foi sobre a luta das minorias resistentes contra governos totalitários que pregam erradicar os diferentes em prol de seu próprio benefício.

Ou seja, se você é fã da saga e apoia Você Sabe Quem (e grifo o apelido do vilão de Harry Potter para elencá-lo mais a frente), há algo de errado no cálculo.

E aqui começo minha análise do filme em si, após mais de 500 palavras de uma das maiores introduções que me lembro ter escrito, mas cada letra se fará necessária para comunicar o que muitos já constataram: “A Ascensão Skywalker” é um filme covarde que se curvou à vontades de fãs birrentos, destruindo a importância de vários de seus antecessores para tentar agradar ao maior número de pessoas sem perceber que o produto final terminaria incompleto, desconexo e aquém de qualquer sentido, peso e qualidade técnica.

Mas antes que você pense que é uma tragédia nível “Transformers” ou “Esquadrão Suicida”, fique tranqüilo, ao menos aqui os efeitos visuais, o design de produção e as interpretações se mantém acima daquelas atrocidades e salvam o projeto do desastre completo, mesmo que todas estejam inferiores ao apresentado nos episódios VII e VIII.

Comandado novamente por JJ Abrams - cineasta conhecido por fazer ótimos reboots, mas não de conceber obras originais de qualidade -, é visível como o diretor que havia acertado com veemência em “O Despertar da Força” se curvou ao estúdio e manteve toda sua já compromissada visão artística trancafiada em prol de um filme com medo de cometer riscos. Portanto, por mais que os efeitos ainda sejam elogiáveis, não há sequer um plano aqui que, visualmente, chegue próximo do que Rian Johnson – cineasta com uma visão a uma galáxia de distância em termos de criatividade (e talento) – fez em “Os Últimos Jedi”, como aquele em que a Almirante Holdo se sacrifica para salvar a Resistência, ou quando Luke se posta em frente a toda a frota inimiga, ou nas tomadas onde Rey complementa seu treinamento no topo de uma montanha.

Muito pelo contrário, este é de longe o pior Star Wars quando falamos em misé-en-scene, figurando atrás até mesmo das prequels que, com suas embaraçosas cenas de combate, ainda conseguiam apresentar visuais distinguíveis para os espectadores. Abrams não aplica qualquer técnica específica que dure mais do que uma cena, alternando entre planos seqüência mal coreografados (com a exceção de um travelling no final do segundo ato) e momentos onde o movimento das naves e o mau enquadramento tornam impossível decifrar o que está realmente acontecendo. Elemento que é ancorado e puxado para baixo pela péssima, inconstante e excessiva edição, que toma contornos catastróficos quando tentando encaixar cenas reutilizadas de Carrie Fisher em momentos que, além de tecnicamente similares ao Frankestein, não fazem sentido algum narrativamente. E se em “Os Últimos Jedi” as cenas de combate eram coordenadas de forma dinâmica e revigorante, com uma influência clara do anime (que Johnson também emulou no ótimo “Looper”), aqui Abrams fica no meio termo entre as danças das prequels e os movimentos mais agressivos desta nova trilogia, desconstruindo a evolução gradativa apresentada nos filmes anteriores para tentar agradar fãs dos dois estilos.

Abrams é particularmente infeliz, também, ao construir o ritmo da narrativa, um problema que Johnson havia apresentado em certa escala devido os muitos arcos presentes naquele filme, mas que aqui tornam os primeiros quarenta minutos em uma experiência quase intragável que não segue com nenhuma lógica os acontecimentos finais do episódio VIII e parece se movimentar sem um verdadeiro propósito. Reparem, por exemplo, em como Rey diz não ser digna do sabre de Luke para apenas pegá-lo novamente duas cenas depois.

sw 3.jpg

Porém, o maior problema deste filme reside não em sua direção pouco inspirada, mas sim no atroz roteiro concebido por Abrams e Chris Terrio, cujos trabalhos mais recentes foram os bagunçados “Bataman V. Superman” e “Liga da Justiça” e, neste sentido, não é errado comparar este filme à qualidade medíocre da grande maioria dos filmes do DCU, ou dos piores momentos de sua contraparte da Marvel.

O que me leva a um inevitável comentário acerca de uma tendência que vou batizar de fim da imaginação após uma saga tão longa (eu sei, um nome tão inspirado como o roteiro do filme) que já percebi nas mais variadas obras. Desde Harry Potter – oito filmes excelentes, dois spin offs fracos e uma peça a qual não conferi -, à Senhor dos Anéis – três obras primas, desandou em “O Hobbit” – à mangás como Naruto e Dragon Ball. Pois em todos estes (na verdade, Senhor dos Anéis não, há!), os autores parecem não conseguir conceber novos vilões para fazer as narrativas andarem e tem de se reutilizar dos antigos, mesmo que já tenham sido derrotados diversas vezes. Nos casos das obras acima, Voldemort, até onde eu saiba, retorna após o fim da saga principal, enquanto Orochimaru e Freeza (que dividem o mesmo visual andrógeno / cobroso) já colecionam múltiplas mortes em seus respectivos mangás, enquanto em Star Wars essa tendência é apresentada na volta de Palpatine (o que não é spoiler, pois ele aparece no trailer) (mas caso não tenha assistido ao filme, abaixo estes começam de verdade).

Decisão que não apenas ignora o sacrifico de Darth Vader no episódio VI (enfraquecendo toda a jornada daquele personagem que durou seis filmes), como nega o claro papel de antagonista principal que deveria ser delegado à Kylo Ren após o mesmo assassinar o pai, de certa forma os dois mestres (Snoke e Luke) e a mãe. Repare como, ao eliminar Snoke, Kylo jogava fora o velho cliché do grande vilão, exemplificando como o mal nestes filmes está no lado escuro da Força, e não em indivíduos por ela corrompidos e joga para baixo do tapete toda a dor e sofrimento provocados pelo jovem para os outros - e para si mesmo. Em uma decisão coincidente demais para não ser inspiração (plágio), ao invés de termos o embate previsto desde o primeiro longa entre Kylo e Rey, vemos os dois se juntando contra o vilão que deu origem a todo o mal assim como Naruto e Sasuke (ou Goku e Vegeta), descobrindo uma ligação raríssima entre os dois no processo (que em Dragon Ball é evidenciada pela técnica da fusão e, em Naruto, por uma “reencarnação”) e nos privando do fim perfeito para seus arcos conflitantes.

E tudo bem, poderíamos até ter aceitado a decisão se ela fosse comandada com a mesma energia que ambas as obras japonesas, mas a sequência final, além de ser uma cópia descarada da cena de combate contra Snoke e sua guarda, tem diálogos dignos de videogame, com direito a um semi feixe de luz até o céu (lembram quem roteirizou o projeto?).

Mas esta, apesar de ser a decisão ruim mais ressonante, é apenas a cereja de um bolo feito de ingredientes não apenas amargos, mas com o prazo de validade vencido à muito tempo.

Covardes ao explorar os impactos de mortes – que raramente são sentidos graças à má direção de Adams – apenas para trazer os personagens de volta a vida cenas depois (algo que acontece com Chewbacca, Rey, Kylo duas vezes, Zoril e, de certa foram, C3PO), “A Ascensão Skywalker” ainda faz um desserviço com Leia ao não fazer sua perda (a única real) ser sentida na mesma proporção que as de Han (nas mãos do próprio filho!) e Luke (se sacrificando para salvar a resistência), estabelecendo uma conexão mal resolvida entre ela e o filho, que também morre (dessa vez de verdade) no processo, mas não sem antes ser beijado por Rey, servindo como a cartada final em um filme que escancarou ali sua pior faceta: o preconceito.

Pois se os longas anteriores foram essenciais ao mostrar que a Força não era privilégio apenas de homens e mulheres brancos e de linhagens reais, este faz questão de mostrar que a briga da galáxia se resume não ao bem e o mal, mas entre as famílias Palpatine e Skywalker em uma espécie de “Guerra dos Tronos” espacial. Além disso, delega à Rose – cuja atriz teve de sair das redes sociais pelos ataques dos incels – menos de dois minutos em tela (e esquece sua incapacidade física ao final do último episódio) mostrando como a violência virtual venceu, e ainda enfatiza o fato de que Finn e Poe não apenas não são homossexuais, como ganham interesses amorosos que dividem a mesma cor de pele, fechando tudo com chave de ouro ao enfiar um beijo lésbico apenas para mostrar o quão inclusiva é a empresa que agora financia a saga.

Finn, inclusive, foi o segundo personagem mais marginalizado pelo roteiro que, apesar de ter seu complexo arco – mal explorado durante toda a trilogia – de traição, covardia e redenção finalizado de forma quase digna (ele vira general, pelo menos), termina o longa sem nunca falar à Rey o que queria desde “O Despertar da Força” (a explicação de Abrams para isso não é apenas sem sentido, mas torna esta ponta em um cânion escancarado no meio do roteiro) e, de quebra, ainda contradiz tematicamente o episódio anterior ao ter Luke segurando o sabre que Rey joga ao fogo – uma resposta covarde à sua atitude recebida com escárnio pelos fãs que não compreenderam todo o arco do personagem.

sw 5.jpg

Mas Finn foi o segundo apenas porque Kylo e Rey não apenas têm muito pouco material para trabalhar, mas porque têm seus papéis intrinsecamente ligados um ao outro, criando uma dependência que torna ambos menos capazes e que apenas não soa como machismo descarado – pois óbvio que uma personagem até então assexuada tinha que se apaixonar por um homem – pois Adam Driver, dono da melhor atuação de 2019 (em “Marriage Story”), mantém um olhar de admiração pela colega durante toda a projeção. Já Rey se confirma como a personagem mais instigante e menos aproveitada de todos os filmes, ao trazer questões complexas e necessárias sobre identidade, tentação e determinação, mas muito mais por causa de Daisy Ridley do que pelo roteiro que a torna em uma criatura que, durante três longas, parece não chegar a nenhuma resolução real. A atriz, inclusive, figura também como o melhor achado da saga – contando todos seus 11 filmes – sempre emprestando seu contagiante e adorável carisma à personagem. Espero que estes filmes não travem sua promissora carreira.

Quanto a Lando, sua presença além de narrativamente ínfima, serve apenas para arrancar sorrisos nostálgicos dos fãs e para elencar uma cena tirada diretamente de “Vingadores: Ultimato” que, obviamente, não tem um décimo do impacto. Enquanto R2D2, BB8 e Chewbacca, por mais que ainda carismáticos e pouco prejudicados pelo roteiro por não professarem qualquer palavra, ganham a companhia do inexplicável D.O., dono da piada mais insensível que vi no cinema em 2019 ao expressar com um tom digno de Peter Griffin algo que sumariza a falta de timing cômico e despreparo dos responsáveis pelo roteiro: ao perceber que a perda de memória de C3PO seria definitiva (o que covardemente não foi), ele solta um “triste”, em uma cena onde era possível ouvir as lágrimas de alguém emocionado com tudo que aquele ato - de sacrifício e perda de identidade - poderia provocar, mas risadas apenas de sessões paralelas em qualquer outro filme.

Decepcionante do início ao fim, “A Ascensão Skywalker” figura como um dos piores da saga e, infelizmente, não posso dizer que estou surpreso, pois o que foi lei até agora em Star Wars como franquia é que o terceiro capítulo de suas trilogias contradigam a qualidade dos antecessores (para melhor ou pior).

Agora, que terminar esta série que acompanhei com tanto afeto desta forma é algo dolorido e amargo, não posso dizer que não.

3

Anterior
Anterior

As Melhores Interpretações da Década | Atores Principais

Próximo
Próximo

As 10 Melhores Músicas de 2016