"The Eras Tour" e o amor não correspondido entre Brasil e Taylor Swift
17 anos de carreira, 10 álbuns de estúdio, uma porção de #1's na Billboard e o inegável status de estrela da música. A primeira passagem de Taylor Swift pelo Brasil trouxe a turnê mais lucrativa da história por uma artista solo feminina - a "The Eras Tour" - para o Rio de Janeiro e São Paulo, e entregou tudo que prometeu. Ou quase tudo - e nada mais.
Swift está em seu auge nesse show. Performance vocal exemplar, domínio de palco, carisma na interpretação de cada uma de suas canções: tudo isso combinado a um espetáculo visual ímpar entrega a experiência de show mais incrível que já testemunhei.
Assisti ao show do dia 25 de novembro em São Paulo, no Allianz Parque. A chuva deu uma trégua pouco antes da entrada de Sabrina Carpenter, e dali em diante, todo o espetáculo, e o estádio lotado, tiveram um show sem nenhuma surpresa, negativa, ou positiva.
Essa é minha principal frustração para com a experiência "The Eras". É um filme ao vivo, uma peça de teatro. Com exceção do "São Paulo, eu te amo", decorado e inserido no ponto roteirizado para isso da noite, nada diferenciou o show que aconteceu aqui, do que o que aconteceu em Denver. Ou Buenos Aires. Ou Los Angeles.
Isso talvez não seja um problema em outros lugares, mas o público sul-americano se entrega ao show de corpo e alma como nenhum outro - no mínimo. E apesar de não ser obrigatório o retorno do artista, é um reconhecimento que faz todos os sacrifícios e toda a entrega valerem a pena. Há inúmeras formas de fazer isso: você pode aprender um pouco de português, ou melhor ainda, das gírias locais, você pode trocar algumas partes de letras, você pode simplesmente conversar diretamente com o público.
Citando o excelente texto de Dora Guerra, Taylor Swift construiu sua carreira e fan-base em cima da ideia de intimidade, proximidade. Ela quer que o cada fã sinta que a conhece, com sua personalidade, seus defeitos, suas virtudes, sua história e suas particularidades. No entanto, ao se apresentar para esse público no Brasil, que por tanto tempo a aguardou, a sensação que fica é que nós fomos lá ver a Taylor, mas ela não veio nos ver.
Nada representa melhor esse distanciamento da artista para com o público do que a decisão de não falar sobre, homenagear ou citar a jovem Ana Benevides, que perdeu a vida no show do dia 17 no Rio de Janeiro. O espetáculo de Taylor Swift não tem espaço para desvios de rota. Pessoalidade. Qualquer chance de erro, ou interpretação arriscada.
Logo, quando há um salto quebrado no dia 18, parece mais parte do roteiro, uma retomada de narrativa, do que um acidente (até porque essa é a primeira vez que ouvi falar num Louboutin quebrado). Taylor encena a Barbie e segue andando pelo palco na ponta dos pés, uma princesa inquebrável, ou intocável, como diz a faixa “Untouchable”, uma das músicas surpresa apresentadas no show ao qual compareci, dia 25. Nada deve interferir no espetáculo ou se sobrepor a imagem perfeitamente construída da artista mais rentável da atualidade. A família de Ana pode aguardar até o fim da passagem da turnê pelo Brasil por uma foto, 9 dias depois de sua perda, depois da poeira baixar. Não é apenas conveniente, é organizado.
Taylor Swift nunca foi uma artista propositiva, mas, à medida que a plataforma de uma pessoa pública se expande, a responsabilidade se expande também. Chega um momento onde, por mais que sua proposta de experiência seja o escapismo, por mais que sua persona seja relacionável para o público adolescente, é esperado que você aborde problemas. Preste esclarecimentos. Estabeleça diálogos. Homenageie uma fã que faleceu no seu show - independente de quem deva ser culpado por isso.
A cantora sobe no palco, seu pedestal, e apresenta um monólogo musical de 3h30. Perfeitamente executado, visualmente exuberante, conceitualmente rico. Porém, frio na relação artista - fã que estabelece. Eu, como admirador de seu trabalho de longa data, trocaria facilmente uma ou duas músicas do setlist por alguns minutos a mais de conversa, histórias, conexão.
Taylor, que não era ninguém no Brasil em 2010, contou com um feature com Paula Fernandes que, na época, foi determinante para seu crescimento aqui. 13 anos depois, em sua primeira passagem pelo país, pouco deveria importar se Paula não está mais no auge, ou se isso foge ao script do show. Trazê-la para o palco, seja em participação ou em uma mera menção, teria sido marcante, significativo, e sensível. O Coldplay não tinha obrigação nenhuma de trazer artistas brasileiros para seus shows, mas o fez.
Assim como teria sido marcante se ela falasse da sua relação com o Brasil, como Lorde fez por horas em seu show no Primavera Sound do ano passado; como teria sido divertido se ela tivesse falado na língua da galera, como Mick Jagger fez na última passagem dos Rolling Stones por Porto Alegre: "boa noite Porto Alegre! Opa, quer dizer: e aí gurizada!". Ou, numa escala ainda mais simples, como seria envolvente se os fãs pudessem opinar de alguma forma, antes dos shows, nas "surprise songs", como tantos artistas e bandas fazem via stories do Instagram.
O gostinho de quero mais, o agridoce entre realização e decepção, me faz não conseguir evitar conjecturar o show que poderia ter sido: uma Taylor que fala com o público, cita curiosidades sobre sua vinda ao Brasil, troca pulseiras com alguns fãs na grade, pede para o público cantar certos trechos, ao invés de deixá-lo sempre berrando por conta própria; chama uma artista local para participar de uma música, se enrola na bandeira do Brasil.
Talvez pela bagagem de shows que tenho, saí do estádio impressionado com o show, mas decepcionado com Taylor.