Crítica | Napoleão

A Decadência do herói.

Me refiro a Ridley Scott, claro.

Quando soube que o diretor, um dos meus favoritos, ia dirigir uma biografia de Napoleão fiquei empolgado. Ridley Scott trabalha no gênero épico como poucos no período recente, toca em pontos fundamentais da narrativa ocidental, seja em “Gladiador”, “Robin Hood” ou “Cruzada” por isso imaginei que sua vontade de contar essa história encontrava sentido na sua obra. Estranhei quando divulgaram que a duração do longa era 160 minutos ao invés das 5 horas esperadas para a história de Napoleão. Mas não precisa de 15 minutos para entender o filme de Scott é uma tentativa de diminuir Napoleão Bonaparte e seu significado. Uma tentativa sem humor e repetitiva.

É por volta dos 15 minutos que vemos o mitológico cerco de Toulon, alicerce do mito bonapartista, e compreendemos que Ridley Scott fez “Napoleão” para dilapidar esse mito. Em “Napoleão” Joaquim Phoenix começa o cerco literalmente caindo do cavalo. E por mais duas horas e quinze vemos ele caindo do cavalo de novo e de novo de várias maneiras possíveis. Para Scott, Napoleão é burro, tosco, corno-manso, covarde, grotesco, inútil, patético, tarado, destrambelhado, descompensado, estéril e um histérico que grita sobre costelas suínas na mesa do jantar na frente de uma dezena de pessoas. E acho que essa é uma lista pequena dos adjetivos do diretor para seu personagem. E adjetivar Napoleão com sentidos negativos é tudo que ele faz por 160 minutos, que incluem os muitos sutis letreiros no final que mostram por quantas mortes o líder francês foi responsável na vida.

O maior problema conceitual de “Napoleão” é que Ridley Scott não demonstra nenhum prazer em ter 200 milhões de dólares na mão para avacalhar uma figura tão importante. Ao invés de se divertir com o que está em tela (nesse ponto “Casa Gucci” se sai melhor), o filme é uma sequência de esquetes sem vida e não tem alegria em humilhar Bonaparte, mesmo que só faça isso. E Phoenix contribui muito para essa apatia, o palhaço favorito de Hollywood não demonstra um quadrante de prazer em seu rosto mais, se Scott em algum momento tentou se divertir o ator levou a melhor e deixou “Napoleão” ainda mais esquecível.

A ideia de desconstruir o mito do homem ocidental, do grande herói da História que através do tempo se construiu como grande referência de conquistador na história militar é a princípio uma boa escolha. Ao questionar um sistema de poder é prática comum destruir seus heróis, especialmente quando se despreza tanto um personagem como Scott nessa película. “Napoleão” não tem coragem suficiente nem para se autodestruir, o diretor aparenta ser mais covarde que o personagem, porque esse de alguma maneira se torna imperador da França, enquanto Ridley Scott não chega a lugar nenhum com Phoenix. Isso acontece em partes porque o diretor dá muito mais adjetivos do que verbos para essa desmitificação, o que a esvazia.

Na última grande sequência, a batalha de Waterloo, deveríamos testemunhar o grande Napoleão sendo derrotado, mas estamos há duas horas vendo ele cair do cavalo. O personagem não é derrotado, ele não se transforma no bufão que vemos, o é desde a primeira cena, seus grandes êxitos são filmados nas sombras e suas derrotas são destacadas. Em “Napoleão” não acontece nada porque não há nada para acontecer. E por isso não entendo os 160 minutos de duração, se Ridley Scott tivesse a coragem que falta ao seu protagonista por que não contar a história de Napoleão em ainda menos tempo? O personagem é pequeno, a escala é pequena, as intenções são pequenas e a duração é imensa.

Ridley Scott está atacando sem um alvo. Sua missão é louvável, mas seus meios são ineficazes. Seu filme não vai ajudar desmitificar Napoleão e o seu legado porque é uma chatice, não há empenho em criar uma obra que contribua para esse debate aparentemente tão caro ao diretor, porque ninguém quer debater uma chatice. “Napoleão” não é épico, não é comédia, não é um drama histórico e não passa perto de bem filmado. Seu único momento de prazer, a batalha de Austerlitz, é uma cena do filme que não vimos, o que louvava Napoleão Bonaporte. Quando Napoleão está no Egito há ironia dele se comparar com Julio Cesar e Alexandre, o Grande e logo depois desertar ao descobrir uma traição da sua esposa, mas pior ainda é ver Scott tentando seguir a trilha de Cervantes e Shakespeare e fazendo esse filme.

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