Crítica | Wall-E
“OUT THERE!”, canta a música. Vemos estrelas e lindas paisagens espaciais. Nos aproximamos e somos apresentados a um planeta terra desolado, árido e coberto de lixo. O que ainda resta em pé e vivo são alguns outdoors futurísticos de vídeo em holograma, uma barata e um robô compactador de lixo: Wall-E.
Mais que uma máquina, ele transborda traços humanos. Curiosidade por objetos diferentes, dúvida se um talher de plástico que encontrou é garfo ou colher, compaixão pela barata de estimação que ele espera entrar em seu abrigo antes de trancar a porta. Ele até curte assistir a filmes e gosta de trabalhar ouvindo música.
Como não fala e se expressa apenas a partir de gestos, o robôzinho Wall-e é uma emulação animada de figuras como Charles Chaplin e Buster Keaton. Só estudando a fundo a arte do cinema mudo foi possível aos animadores da Pixar aprender a transmitir um leque tão grande de emoções a partir de situações simples e reações cômicas. Esse estilo de cinema traz características universais e acessíveis que ressignificam o “filme para toda a família”, se tornando ainda mais essenciais na transmissão da mensagem.
O robô Wall-e perde o foco de vez em quando, mas continua empilhando lixo, até que sua rotina trabalhadora e solitária é interrompida por uma espaçonave que pousa no meio desse lixão que é a terra do futuro. De dentro da nave sai EVA, uma robô moderna e muito mais avançada que nosso carismático protagonista. Robô pela qual Wall-e irá se apaixonar. As diferenças dos dois são muitas mas a principal talvez resida no jeito com que cada um reage ao que é estranho: enquanto EVA aponta sua arma para tudo que se mexe inesperadamente, Wall-e vê cada novo objeto com uma entusiasmada e contagiante curiosidade.
E essa é a premissa de uma das obras mais completas e epopeicas da Pixar, ativa e fresca na memória de muita gente. “WALL-E” é um conto cheio de referências bíblicas (chora, mother!”). Adão e EVA, a Arca de Noé, a pomba que retorna à Arca com um ramo de oliveira no bico para avisar que avistou terra, o apocalipse, a ressurreição: está tudo ali, é só procurar.
O longa alia fotografia e enquadramentos de tirar o fôlego a movimentos de câmera que, entre animações, mantém-se inovadores até hoje (exatamente 10 anos após seu lançamento). A trilha sonora casa tão bem com a montagem que o filme passa e você nem percebe. Dá gostinho de quero mais. E a atenção ao detalhe é fenomenal, mas dizer isso da Pixar já é chover no molhado.
A habilidade da Pixar de botar personalidade e carisma em qualquer coisa que se move atinge seu ápice aqui. O que víamos em seus curtas iniciais como Luxo Jr. é trazido à perfeição. Estas máquinas sentem, amam, vivem. Talvez até mais do que nós. Podíamos aprender um pouco com elas.
E é disso que o filme trata: a troca entre Wall-e E EVA, entre Wall-E e o ambiente ao seu redor, entre Wall-E e a humanidade em geral (ou ao menos aquela que restou), entre Wall-E e quem assiste. Todo o carinho e sensibilidade por qualquer resquício de existência que ele adquiriu enquanto catava lixo e cuidava de sua baratinha se tornaram lições que ele acaba ensinando para sua contraparte robótica e todos os habitantes da Axiom, a arca de Noé do futuro.