Crítica | Starlet

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Jane é uma tranquila e simpática jovem que divide seu dia entre levar seu cachorrinho para passear, jogar videogames com seus colegas de apartamento, se drogar no sofá e trabalhar em um estúdio pornográfico. É assim que "Starlet" se desenrola, de maneira leve e tranquila, mostrando a rotina da protagonista e dando bastante tempo para os personagens serem apresentados. O fato de ela ser uma atriz pornô, por exemplo, só aparece mais para o meio do filme, apesar de ser fortemente sugerido desde o início.

A trama engata quando Jane sai atrás de mobília para sua casa em vendas de garagem e acaba comprando uma garrafa térmica de uma idosa para usar como vaso. “Sem devoluções!” a senhora rabugenta anuncia. Chegando em casa, Jane acaba descobrindo uma grande quantia de dinheiro escondida dentro da garrafa. Dinheiro que a senhora, bem velha, nem deve se lembrar que existe.

Aí surge o conflito moral na cabeça da garota, que quase chega a devolver o dinheiro mas percebe que existe outro jeito de recompensar a idosa Sadie (um jeito talvez mais útil para as duas): virar amiga dela. A partir daí a garota passa a querer levar Sadie de carro para todos os lugares que ela quer ir (o bingo, o supermercado, o cemitério), enchendo o saco da senhora em uma relação que lembra uma versão mais madura de Up - Altas Aventuras. Mesmo com o humor ranzinza de Sadie, a dupla Jane e Starlet (dona e cachorrinho) segue teimosamente a idosa, sempre oferecendo favores, e aos poucos ela vai cedendo e um laço vai se formando.

Sean Baker dirigiu e montou o filme e isso é perceptível, mostrando que ele segura um ritmo rápido para transições mas leve para a passagem de tempo onde a direção casa com a montagem em uma boa troca. Roteirizado também por ele e Chris Bergoch, o filme consegue transmitir muito bem uma história que facilmente poderia ser contada de forma clichê.

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Enquanto Sadie colocou na sua cabeça que, por algum motivo, é proibida de sorrir e expressar felicidade, Jane tem que parecer sempre simpática e impecável no seu emprego, seja se maquiando para gravar cenas ou sorrindo quando fãs bizarros pedem para tirar uma foto. Se expor é muito mais difícil para a senhora. Ela vive na penumbra e não quer nem que cortem a árvore que encobre sua casa do sol. Jane ganha a vida se expondo, mas de uma maneira nada saudável. Elas passam por esse jogo de dissemelhança, mas com um desejo e uma facilidade cada vez maior de se conectar. A relação de avó-neta ou mãe-filha que se desenvolve entre elas traz um ar ingênuo para Jane, contrastando com a vida difícil que ela leva. Essa relação fica ainda mais clara e emocionante com a surpresa da cena final.

Assim como a vida delas, o filme não tem muita ameaça iminente ou ponto de ebulição à vista. Só uma angústia rasa, que às vezes aparece - principalmente nas cenas que retratam a profissão de Jane e a forma com que ela e sua amiga, também atriz pornô, são tratadas por seu empregador e também nas cenas que mostram o isolamento em que Sadie vive, causado por sua idade e sua melancolia. Mas a angústia rasa logo sai de foco - quando vemos o fofo chihuahua Starlet e a ligação que se desenvolve entre Jane e Sadie através da engraçada insistência da primeira. Essa angústia anterior serve para nos alertar a vários problemas da indústria pornográfica, principalmente sobre como essas garotas são exploradas e dominadas nessa indústria. Esse é outro longa de Sean Baker que humaniza e transmite empatia a pessoas com pouca visibilidade de formas simples.

Dree Hemingway está muito à vontade como Jane e consegue trazer a simpatia e ingenuidade à personagem quando a história pede. Tarefa difícil, mas segurar um cachorrinho por dois terços do filme ajuda bastante. Besedka Johnson, com 85 anos, faz uma linda estreia no cinema. Infelizmente, esse também foi seu último filme - ela morreu um ano após “Starlet” ser lançado. Outra personagem que ganha destaque é a amiga/colega de trabalho e de apartamento de Jane, cuja história se desenvolve lentamente no fundo da trama quando é ferrada por seu chefe após não conseguir gravar uma cena e acaba tendo que se virar para conseguir algum tipo de grana.

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Os temas da solidão, da perda, da dependência emocional, da exploração e da necessidade humana de companhia são todos pincelados na história, que não força a barra com lições de moral. Os tópicos são simplesmente expostos e fica para nós a incumbência de interpretá-los da melhor maneira.

"Starlet" é um filme bonito, sobre uma amizade feminina nada convencional que acaba se tornando essencial para as duas mulheres envolvidas nela. Se preocupa menos em fazer julgamentos e mais em mostrar realidades e sentimentos. Precisamos de mais filmes assim.

8

 

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