Crítica | O Beco do Pesadelo

Liderado por excelente atuação de Bradley Cooper, “O Beco do Pesadelo” é uma realização cinematográfica com grande produção, mas que esbarra em um roteiro confuso com dificuldade de resolver os prórpios problemas.

Novo filme do Guillermo del Toro aborda conceitos como o destino, o papel da pessoa no mundo fluino pelo seu passado até seu futuro e como isso pode ser moldado a partir de diversos elementos externos e internos. Centrado no protgonista Stan Carlisle, interpretado pelo cada vez melhor Bradley Cooper, o filme se destaca por exceleente direção empregada por del Toro com planos e composição de cena típicas do bom diretor que ele se prova a ser ao longo da sua carreira, além disso, chama a atenção a ambientação especialmente no ambiente do circo em que a primeira metade da trama se passa invocando ao mesmo tempo algo alegre e algo melancólico, por fim as atuações e a dinâmica em cena do elenco são o ponto que carrega mesmo os piores diálogos escritos além de Cooper temos Cate Blanchett, Willem Dafoe, Toni Collette e Rooney Mara com excelentes papéis que contribuem para a jornada de Stan ao seu destino final. O roteiro é o ponto mais fraco da película, deixando muito nítido desde os primeiros minutos qual o princípio, o meio e o fim da história do protagonista, na transição do segundo para o terceiro ato o ritmo é quebrado muitas questões são mal resolvidas ou por falta de motivações nítidas ou por falta de desenvolvimento dos personagens chave para que a história se conclua, em determinado momento da trama um personagem diz “as pessoas gritam aquilo que elas são”, e “O Beco do Pesadelo” definitvamente grita o que é e o que quer ser, mas se perde em contradições para chegar do primeiro para o segundo ponto.

Ambientado durante o período da Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos, “O Beco do Pesadelo” é sobre um homem com um passado misterioso chamado Stan (Cooper) que passa a trabalhar em parque de diversões mambembe com atrações que exploram elementos bizarros da condição humana, como um contorcionista, um homem super forte até coisas mais incomuns como um homem-besta enjaulado e maltrado por um dos manda-chuva do parque Clem (Dafoe), que em uma brilhante cena descreve passo-a-passo como se transforma um homem em uma besta. O primeiro ato serve para o protagonista se ambientar nesse ambiente e é a melhor parte do filme, vê-lo interagindo com as diferentes figuras presentes na biosfera, como a Mulher-elétrica Molly Cahill (Rooney Mara) a quem Sten logo se afeiçoa e o casal de mentalistas Zeena e Pete (Toni Collette e David Strahtairn) dois membros mais velhos da trupe que acolhem o personagem e o tornam uma espécie de aprendiz, é a partir deles que boa parte da ação no filme parte, uma vez que o protagonista é apresentado como um personagem silencioso e suas características demoram a aparecer, ele se encontra justamente no reflexo de si que vê no casal que apresenta uma performance trambiqueira de mediúnidade com muita responsabilidade. Após a morte de Pete, Sten e Molly vão embora do circo e um salto temporal de dois anos nos mostra a nova vida do casal com o protagonista apresentando um show fixo em um restaurante de hotel de luxo em que usa os mesmos truques de mentalismo que Pete o ensinou, usando a lógica e sinais verbais com Molly para fingir que lê a mente do seu público. O conlito começa quando Sten deixa de seguir o conselho dos seus antigos mestres e começa a se passar por um verdadeiro medium com capaciade de se conectar com pessoas mortas e faz sucesso entre a elite da sua cidade, para aplicar o golpe, ele se alia a mais famosa psicóloga local Lilith (Cate Blanchett) que o fornece informações sobre as pessoas da cidade para que ele possa enganá-las em troca de ele se tornar seu paciente.

Se nota que uma das maneiras de demonstrar a evolução do protagonista ao longo da trama é a sua verbalidade, ao começar o filme vemos ele sozinho em uma enterrando um corpo no piso de uma casa de madeira e a seguir colocando fogo em toda estrutura, logo o vemos chegando e começando a trabalhar no circo, demora algumas cenas até ele falar sua primeira palavra e isso ocorre quando encontra o Homem-Besta atração do parque pela primeira vez sozinho. Conforme Sten se acostuma ao dia a dia do trabalho entre a trupe mambembe ele sai do espaço de um ouvinte que observa os outros para se tornar uma figura um tanto verborrágica e o espetáculo de mentalismo que apresenta a partir da segunda metade consiste basicamente no uso de palavras, das palavras certas, para convencer seu público que possui dons sobrenaturais. O seu prolixo vocabulário se dilui quando se encontra na sessão de terapia incentivado a se despir do seu lado racional e entregar seu subjetivo demonstrando suas fragilidades, pois o que mantém suas palavras é uma autoconfiança grande que ganha quando descobre sua facilidade em manipular as pessoas na sua volta, por isso se torna impossível para o protagonista recusar trabalhar como uma ligação entre espíritos e mundo físico para as pessoas da cidade, no primeiro ato ele vê a mentalista Zeeza contando para uma mulher da plateia depois do show que seu ato não passa de um truque e que ela não havia ligação nenhuma com pessoas que já morreram. Sten é incapaz de demonstrar a mesma humildade necessária para confessar não possuir nenhum talento sobrenatural e isso o coloca em uma situação irreversível, pois precisa enganar as pessoas sobre coisas muito mais sérias do que a capacidade de adivinhar a cor de um relógio de pulso enquanto está vendado.

“O Beco dos Pesadelos” tem todas chances do mundo de acertar na maneira que conta a história de Sten, como disse, o roteiro em nenhum momento escolhe esconder como o percurso do protagonista terminará e, ao meu ver, isso não necessariamente tira a satisfação em vermos a cena final quando acontece o que esperamos desde o princípio. O problema é que para chegar lá a trama trabalha em caminhos contraditórios, a personagem psicóloga interpretada por Blanchett especialmente é um ponto importante para a virada do terceiro ato e a conclusão esperada mas as suas ações não são suficientemente justificadas e não há como encontrar na história motivações que embasam as ações que conduzem Sten para seu trágico fim. Outro ponto é que o mecanismo central para funcionamento da tese do filme é necessário que o público mergulhe no psicológico do protagonista e por mais que Cooper o interprete muito bem o roteiro tem dificuldade de oferecer uma janela ampla para as suas pequenas transformações, algumas das suas ações são coerentes e justicadas outras são convenientemente esquecidas e, por fim, o incidente que permite a história seguir em frente, a morte de Pete, é deixado em aberto para o público interpretar e isso mais atrapalha na interpretação de Sten do que adiciona camadas na sua vida. Se, ao final, ele finalmente conclui sua transformação naquilo que desde o começo sabemos que ele vai virar é muito mais porque o roteiro deseja que isso ocorra do que por merecimento da história e isso sim tira o prazer de vermos a última chave de Sten girar e ele quebrar todas suas promessas para si mesmo.

Como falei, há vários méritos em “O Beco do Pesadelo”, a maioria deles fica por conta da arte e das atuações secundárias que realmente se destacam em bela construção da proposta noir circense, mas a habilidade de Del Toro trabalhar em diversas linguagens cinematográficas criando universos instigantes e quase palpáveis nas situações mais estranhas possíveis não chega a ser uma novidade. O que falta aqui é uma pulsação sincera sobre a própria proposta, nesse sentido há de se refletir se o filme não sofre do mesmo problema do seu protagonista: se convenceu que era muito mais inteligente e importante do que de fato era, talvez os truques visuais sejam do mais alto nível, mas no fim das contas são apenas truques e não conseguem apagar o fato da história não se resolver ao longo de 140 minutos. Ainda acredito que esse filme vá fazer algum sucesso, mas medindo ele pela régua que a sua produção quer ser medida acaba sendo uma armadilha pois ele não está na altura que acredita, de novo, assim como Sten no terceiro ato quando seu disfarce vai por água baixo ao precisar provar que é tão talentoso quanto acredita que é. “O Beco do Pesadelo” é um bom filme, com alguns méritos, mas não é o que aparenta ser nem o que quer ser.

6,5

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