Crítica | O Farol

“Dia 1,

Um barco aponta no horizonte, em meio a águas turvas e escuras, que impedem que os homens que cheguem sejam os mesmos que voltem. Nele, há um jovem aparentemente perdido na vida, e um homem que parece ter se acostumado ao fato de ter-la perdido a tanto tempo. A dupla passa pelos seus antecessores sem trocar sequer um olhar. Quando se deitam em suas camas, o mais jovem descobre uma pequena sereia esculpida em osso.

A sirene toca.

Dia 2,

Seus nomes são, respectivamente, Ephraim Winslow e Thomas Wake. Descobrimos isso por suas conversas, obrigatórias, sobre a luz nada confortável de velas que servem apenas para impedir que as sombras tomem conta de seus corpos - e também de suas almas - e para que vejamos que o que comem contraria a natureza repugnante a sua volta.

Há apenas uma luz artificial presente em toda a ilha. Vocês sabem qual é.

A sirene toca.

Dia 3,

As sombras criam pontas que se aliam à paisagem rústica, com pedregulhos e precipícios afiados, que parecem tanto ameaçar como representar os espíritos destes homens. As instalações são grandes o suficiente para uma dúzia de pessoas, o que faz com que as únicas duas pareçam ainda mais solitárias, pois a companhia um do outro raramente é reconfortante, mas eles nunca estão sozinhos. A geografia é irregular, os ângulos imprecisos, as paredes sufocantes, seus aposentos velhos e putrefatos. Tudo parece cheirar a mofo e a umidade, provocados pela presença constante de um vento marítimo que soa como um grito incessante em seus ouvidos, que parece estar prestes a enlouquecer Ephraim, e há muito já tirou a sanidade de Thomas.

A sirene toca.

Dia 4, ou 7… ou 1,

Por vezes, parece que o mais jovem começa a se unir a sirene, como se sua respiração e sua voz fossem os propulsores dela nos ares. O mais velho já parece ter aceitado que em quanto aqui permanece, o mesmo tem de ser com ela para poder desfrutar do pouco que lhe cabe desfrutar. Para ele a pior ofensa existente é que alguém não goste de sua comida, e jogara todas as pragas que conhece em alguém até que receba os elogios que julga merecer - digno de pena, e até afeto. Já Ephraim não suporta ser chamado de “rapaz”. Ele é um homem e quer ser tratado como tal e a ausência de mulheres lhe fazem fantasiar com a miniatura de sereia que segura em suas mãos.

A sirene toca.

Mais um dia,

Ephraim inveja Wake. Wake tem a chave para a luz. Ephraim necessita dela, pois as alucinações começam a soar reais. Ou o pior, ele quer que elas sejam.

A sirene toca.

Mais um dia,

Está quase na hora de Ephraim ir embora, porém um encontro com o mau agouro que tem lhe assombrado traça de vez o seu destino. Uma tempestade os atinge, os dois perdem a razão de propósito. Brigam, se aproximam. Eles vão ficar mais tempo do que o previsto.

A sirene toca.

Outro dia,

Ephraim não aguenta mais, porém não mais precisa voltar, mas sim ficar. Para isso, ele precisa da luz. Sua imagem a recebendo é digna de uma pintura premiada. Sua imagem pagando o preço que ela cobra é um verdadeiro lembrete de que todo o pesadelo que estes dois homens viveram não tem fim. Seus fracassos na vida foram movidos a tentações que não puderam controlar, e por isso, perderam tudo que tinham graças ao egoísmo que os impedia de dividir com os outros as muitas dores que carregam.

A sirene toca, e minha luz faz mais duas vítimas, destinadas a me fazerem companhia até que as próximas apontem no horizonte, em meio a águas turvas e escuras, que impedem que os homens que cheguem sejam os mesmos que partam.

E assim será enquanto estiver aqui, para guiar aqueles perdidos para seu destino. Seja ele qual for.”

9

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