Crítica | Mac Miller - Circles

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O conforto do fim 

Como pessoa que perdeu alguém muito importante na vida, afirmo que é inevitável cogitar a possibilidade de uma última conversa. Não necessariamente voltar no tempo e falar coisas que julgamos necessárias terem sido ditas, mas uma conversa póstuma mesmo. Palavras de conforto ou algo para seguir adiante em um lugar branco, com um sofá confortável, que passasse a tranquilidade basilar antes de um adeus definitivo. 

Justamente por isso, Circles, a primeira faixa do álbum que carrega o mesmo nome, é um pedaço de arte que toca no fundo da minha alma. Prestando atenção o suficiente, o primeiro segundo da música conta com duas notas tocadas em algum instrumento de corda (provavelmente uma guitarra) consideravelmente distante. Entram o baixo e o vibrafone, mas ainda estão comedidos na mixagem. O destaque absoluto é a voz de Malcolm James McCormick, ou Mac Miller, que faleceu em 7 de setembro de 2018, pouco mais de um ano antes do lançamento do álbum.

A primeira palavra dita por ele é um “Well…”, que pode ser traduzido como aquele clássico “Bom…”. A expressão é agridoce e frequentemente antecede a explicação de alguma situação medíocre (por falta de termo mais adequado). Um cenário nem tão bom e nem tão ruim, mas que, nesse caso, harmoniza perfeitamente com a sensação post mortem “de ascensão ao paraíso” causada no Outro de So it Goes (última faixa de Swimming), referenciada assim por Mac em seu twitter algumas horas antes de morrer.

O que essa sequência sugestiva de fatos realmente significa, eu não sei dizer com certeza. É inevitável devanear quando tudo parece se encaixar, especialmente quando, na metade do segundo verso, sua voz açucarada e tênue (mais do que em qualquer outra canção de sua discografia) nos pede para não colocar mais estresse sobre os próprios ombros (“You're feelin' sorry, I'm feelin' fine; Don't you put any more stress on yourself, it's one day at a time”). Um afago no coração. O ar começa a voltar aos pulmões com mais facilidade, mas o choro não pode ser mais contido. O álbum póstumo do cantor é sobre sua morte e a paz que ele encontrou na ideia dela. 


Os timbres de Once a Day, a última faixa do álbum, lembram muito os de So It Goes, já referenciada. As palavras, apesar de sussurradas, nos atingem com a força de um furacão. Poderia ser muito bem a música inicial, mas é escolhida para finalizar o álbum, assim como em um círculo, onde não sabemos muito bem onde começa ou termina. O tom de suas palavras insinua a visão de alguém que sabe melhor das coisas, mas não carrega prepotência alguma, como somos ensinados que alguém sábio deve ser.

Ele, quando fala de si em Circles, nos entrega o conforto que buscamos para seguir em frente após seu falecimento. Entretanto, em Once a Day, ele versa essencialmente sobre nós. Sua voz carrega um peso que não havia sido sentido até esse momento. São suas últimas palavras, então a atenção é redobrada. Mac Miller está bem. Ele nos diz isso diretamente, mas seu esforço antes do adeus atiça a reflexão sobre nosso próprio bem-estar (“Altruísta até depois da própria morte, ein meu camarada?”). Sua preocupação, que ecoou em mim de forma extremamente melancólica, era tudo que tinha naquele momento, me obrigando a pausar a música no final do segundo verso: “Don't keep it all in your head, The only place that you know nobody ever can see; You're running low on regret, No tears, that's keeping you wet, I think you gettin' it now.”

É impossível não entender, Malcolm.

Dou Play novamente e me despeço com lágrimas, um sorriso, e círculo fechado em mãos.

“Once a day, I rise
Once a day, I fall asleep with you
Once a day, I try, but I can't find a single word”

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