Crítica | A Última Rodada
“A Última Rodada” é um filme… estranho.
Um desafio para qualquer pessoa quanto à definição de seu gênero, o longa de Thomas Vinterberg é o vencedor antecipado do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e tem uma das premissas mais… estranhas dessa temporada de premiações. Basicamente: quatro professores de uma mesma escola de ensino médio decidem manter o nível de álcool no sangue elevado a todo o momento, para assim levarem a vida de maneira mais leve.
Mas o que poderia ser só mais uma história de aprender a apreciar a vida (ou uma comédia pastelão feita por Seth Rogen) se transforma em uma discussão sócio-cultural acerca do impacto do álcool na sociedade e da relação simbiótica com esta, que limita seus cidadãos à vidas estagnadas e os induz à vícios para suportá-la. Não que Vinteberg (um cineasta Holandês com uma vasta carreira, que ainda não conheço) não consiga, também, inserir esta mensagem de aproveitar melhor a vida em sua narrativa, que passando por percalços (como pulos temporais mal executados e ilógicos) e turbulências (o filme se extende por pelo menos uns 10-15 minutos em seu segundo ato) chega a uma catarse não apenas gratificante, mas capaz de se tornar icônica.
*tive que retornar após absorver esta cena nos dias seguintes, e posso dizer que a considero a segunda melhor de 2020 (a melhor, aqui).
Fazendo parte de um seleto grupo de filmes indicados à Melhor Direção, mas não à Melhor Filme (algo sempre ilógico), me pergunto se Mads Mikkelsen não merecia um lugar entre os atores principais, pois a maneira como este se introverte (a ponto de deixar Ryan Gosling e sua famosa cara de bunda com inveja) não apenas comunicam o fato de este estar estagnado, mas nos fazem simpatizar com seu modo quieto e cauteloso, como se estivesse com medo de se expressar. E ele também é capaz de mostrar como ainda ama a esposa em algumas poucas cenas, esta interpretada por Maria Bonnevie como uma mulher cansada, mas confusa entre o amor ao marido e os anos difíceis de seu casamento - por mais que sua sub-sub-trama sofra por um pulo temporal que faz o casal ir de uma noite de amor à um término. Compondo quatro seres humanos diferentes e reais, é preciso destacar a força do quarteto principal em protagonizar um filme que se passa em uma escola de ensino médio e não nos fazerem sentir vontade de conhecer melhor seus alunos.
Filmando tudo com uma câmera na mão que parece compartilhar dos níveis elevados de álcool, é interessante notar como Vinteberg e o cinematógrafo Sturla Brandth Grøvlen evitam focar qualquer personagem por completo, e iluminam os seus rostos com luzes suaves, sem jamais destacá-los em relação ao fundo, criando uma sensação de visão levemente embaraçada e que tenta tornar agradável as situações envolvendo personagens que poderíamos muito bem não gostar. Algo que contrasta, talvez propositalmente, com cenas que beiram a galhofa onde homens adultos se comportam como os adolescentes que dão início à sequencia inicial. Ao menos para mim, ver mulheres adultas dançando é algo gracioso, ver homens dançando é algo embaraçoso. Mas de um jeito positivo e, principalmente, puro.
O que me leva à minha relação pessoal com a proposta do filme, pois como alguém que não consome álcool (e um dos únicos em minha bolha), não apenas não me divirto ao ver pessoas bebendo, mas fico incomodado. Talvez por isso “Mais Uma Rodada” tenha chegado a me incomodar em alguns momentos, algo que a catarse, de certa forma, deveria resolver, mas ao fim sua mensagem parece tão clara como as imagens enuviadas. Seria esse um filme anti-bebida? Acredito que sim, mas pelo menos uma das sub-tramas, envolvendo um aluno com problemas de auto-estima, parece trair a mensagem final, ficando em um meio termo de “álcool é ruim” “mas deixa pra lá”.
No fim, “Mais Uma Rodada” é um filme feito para o público adulto, sem qualquer intenção de desenvolver qualquer de seus jovens personagens, a catarse definitivamente será maior se você simpatizar e sentir o que aqueles homens sentem. Na verdade, chega a ser adorável a maneira como o filme os rejuvenesce, talvez sugerindo que não seja o álcool a resposta, mas sim uma inversão dos papéis que a tal sociedade imprime em nossas vidas. Sinto que, se fosse “adulto”, este filme poderia ser transformador.