Crítica | Collapsed In Sunbeams - Arlo Parks

arlo.jpg

Como integrante dessa geração (z) tão aberta e eloquente em relação aos seus sentimentos mais herméticos, ouvir uma artista como Arlo Parks me deixa muito feliz.

Esses dias li uma frase muito interessante que basicamente explicou a efetividade de uma música adentrar sob nossa pele. Ela salientava que quanto mais um artista busca universalidade, menos ele encontra pessoalidade. Conclui-se então que é perante uma ótica de extrema intimidade que uma letra alcança um significado mais ecumênico, gerando aquele sentimento de “opa, não estou sozinho, como penso que estou”, como a própria Arlo Parks canta sobre os incisivos acordes de piano no refrão de “Hope”.

Contextualizando um pouco sobre quem é Anaïs Oluwatoyin Estelle Marinho, além de cantora, a poeta e multi-instrumentalista britânica possui descendência nigeriana e chadiana, e também se identifica como bissexual. É importante destacar esses fatos, pois eles se manifestam estilisticamente no álbum através tanto da produção quanto de suas letras. Parks dá liberdade para suas raízes e experiências mais pessoais servirem como pilares extremamente importantes sustentando como ouvimos as coisas aqui. Além disso, ela possui um magnetismo inegável em sua voz, daqueles que põe a subjetividade no lixo. Ficar encantado por ela não parecesse opcional e deve ser por isso que ela optou por dar início a Collapse In Sunbeams com uma poesia. Deitada sobre uma atmosfera meditativa, amparada por nada além de um dedilhado simplista e lapsos de um sintetizador, ouvimos o ecoar de seu timbre e seu acento: You shouldn't be afraid to cry in front of me. I promise.‎

O Bedroom Pop, mais do que outras ramificações do Pop, depende intrinsecamente dessa vulnerabilidade lírica, verso após verso. Esse nicho tão novo, porém já datado, parece muito mais uma zona de conforto para artistas reciclarem ideias e tentarem dar sua cara a elas do que uma nova onda de talentos jovens prontos pra reivindicar seu espaço no gênero. É um rito de passagem. O melhor exemplo disso é Clairo, que em Immunity, mesmo não tendo apresentado nada de inovador, alcançou um nível incrível de pessoalidade em algumas músicas e adubou bem o terreno, preparando o que está por vir. Collapse In Sunbeams tem a mesma utilidade.

“Hurt” começa sumarizando todas as ideias citadas acima. A produção é bem polida, a melodia é chamativa e o refrão é ótimo, entretanto Parks se entrega a tendência falha de buscar universalidade a fim de encontrar pessoalidade quando referencia Jai Paul ou Twin Peaks, sem qualquer objetivo claro, e acaba oferecendo pouco sentimentalismo para uma faixa que talvez tivesse muito mais a dizer com outra abordagem. Felizmente o que ela erra na segunda música nos é entregue em “Hope”. Aliás, elas de fato parecem dois lados da mesma moeda. Aqui, os elementos de Lo-fi e Jazz combinam perfeitamente e o timbre da bateria é lindo e acolhedor. Ao invés de citar uma das maiores produções de David Lynch ela nos mostra um parque local que provoca boas lembranças - “Millie tried to talk the pleasure back into being alive, Reminiscing 'bout the apricots and blunts on Peckham Rye” - ao passo que nos lembra no refrão, como se tentasse nos consolar, e conseguisse: You're not alone like you think you are, We all have scars, I know it's hard, You're not alone, you're not alone. É uma música linda com uma letra linda e escolhas de produção coerentes.

Nessa toada, Arlo Parks, como todo jovem se descobrindo, age na base da tentativa e erro. “Caroline”, por exemplo, possui a engenhosidade e a sonoridade ampla, mas não encontra o engajamento emocional que parece desesperada em obter. Por outro lado, em “Green Eyes”, com seu baixo empoderado e destacado na mixagem, ela reflete sobre sua relação com uma garota e menciona as dificuldades atinentes a homofobia: o preconceito público e a dificuldade de agir normalmente com olhos alheios sobre si, além da repressão sofrida pelos pais de sua ex-companheira e como isso gerou o término de seu relacionamento. Ainda assim, ela acha confiança interna suficiente para fazer desta uma faixa libertadora, com um dos refrãos mais otimistas do álbum: Some of these folks wanna make you cry (Oh, oh), But you gotta trust how you feel insi-i-i-ide; And shine, and shi-ine.

De maneira estranhamente encantadora, esse ritmo de acertar e errar segue até o final do álbum. Vemos elementos de Disco incorporados na maravilhosa “Just Go" mas também assistimos à linda e cinemática letra de “Black Dog”, que deriva de um poema autoral de Parks falando abertamente sobre ansiedade e suicídio, contrastando com um arranjo um tanto quanto duvidoso e disperso pro peso emocional de sua escrita. E é exatamente por isso, como expresso lá em cima, que ouvir uma artista como Arlo Parks me deixa muito feliz. Em todas suas ondulações, por vezes se abrindo demais para nós, por outras tentando usando personagens (existem demasiados durante o álbum) para expressar seus sentimentos, ela se mostra disposta a arriscar sem muito receito de parecer inconsistente. Isso é algo verdadeiramente relacionável e principalmente admirável.

Trabalhar com a ideia normalizada dos erros como parte do processo criativo enquanto tão jovem é o indicativo que vai ser fácil aprender com eles.

7.2

Anterior
Anterior

Crítica | A Última Rodada

Próximo
Próximo

Crítica | Liga da Justiça: SnyderCut (versão de Zack Snyder)