Crítica | Chemtrails Over the Country Club - Lana Del Rey
O que UM ARTISTA PODE FAZER depois de chegar em seu auge?
E, porque essa questão, quando falamos de Lana Del Rey, é mais complicada do que o normal.
Antes de tudo há de se reconhecer que o apogeu artístico de Elizabeth Grant foi Normal Fucking Rockwell. Não é como se a cantora pudesse exceder o nível estabelecido em seu álbum anterior, e isso possui uma explicação lógica: A melhora de Lana foi gradual, harmônica e paciente até culminar, depois de 10 anos e 5 LPs, no - debatível - melhor álbum de 2019 e, porque não, em um dos grandes da década. Não foi algo banhado em uma embriaguez desproporcional de criatividade, mas sim a consolidação gradativa de seu reflexo, em corpo e alma, como sua arte.
Nesse sentido, podemos usar como antônimos a esse processo paulatino Frank Ocean ou Joni Mitchell. O primeiro é um caso claro de alguém que surgiu nos dando a sua melhor versão a ser ouvida. Afastando a ortodoxia do R&B, quase sem demonstrar querer fazer isso, o laranja veranil de Ocean aqueceu o mundo de maneira completamente inesperada. Já a segunda, com apenas 3 anos de carreira, lançou talvez o maior álbum Folk da história, nos oferecendo um mar azul de sentimentalismo para navegarmos em uma das viagens mais lindas possíveis. Ambos muitos novos, ambos fora da curva e com margem para melhora. Não é surpreendente que o trabalho mais refinado de Mitchell ganhou vida 3 anos depois do lançamento de Blue, com Court and Spark, e o de Frank 4 anos após Channel Orange, com Blonde/Endless.
Lana Del Rey acabou pegando as escadas em direção ao terraço, ao invés do elevador.
Tendo isso em mente, nada do que foi dito significa que Lana Del Rey não possa manter o alto padrão em suas composições. Ela o faz em Chemtrais Over the Country Club, todavia, com uma abordagem mais nostálgica do que vimos recentemente, afinal, depois que percorremos um caminho longo demais, tudo que queremos é voltar pra segurança de nossa casa, e, dessa maneira, relembrar quem éramos pelos olhos de quem somos.
“When I was a waitress wearing a white dress
Look how I do this, look how I got this
When I was a waitress working the night shift
You were my man, felt like I got this”
White Dress instantaneamente reflete sobre a vida de Lana antes da fama, e como ela demonstra, através da dor de sua voz, que não consegue evitar pensar em tempos mais simples, em conversas cotidianas e contemplações do amanhecer sem se sentir melancólica. A faixa choca em vulnerabilidade, tanto por suas palavras escritas, quanto pela maneira com que elas são cantadas - de uma crueza imensurável e que nunca tínhamos ouvido por parte da cantora até então. São muitas reflexões perpetuadas sobre o lindo e minimalista piano de Jack Antonoff logo no 1º verso da canção: “Thinking of a simpler time, Like Sun Ra, feel small, But I had it under control every time”. O mesmo piano, tão seguro e consistente até então, subitamente se mistura com uma percussão propositalmente bagunçada, porém contida, que acompanha as incertezas de Lana enquanto ela não sabe se sussurra, grita, ou fala, tudo isso decorrente de uma saudade imensa de sua inocência e da previsibilidade que desfrutava em sua vida.
Já Chemtrais Over the Country Club é uma daquelas músicas silenciosas que falam muito. Uma balada característica de Lana del Rey. Com sua melodia extremamente calma, sua voz arrastada e sua estrutura encantadora, sempre nos traz de volta para o refrão onde o sentimento de saudosismo explode e ela nos mostra como era feliz quando alienar-se ainda era uma opção. Contextualizando, “Chemtrails” são aqueles rastros gasosos que aviões militares deixam pelo caminho quando se apresentam e há uma teoria da conspiração muito forte alegando que aquelas linhas brancas enormes, bonitas à primeira vista, são químicos soltados pelo governo para prejudicar a saúde de sua população. O que Lana nos apresenta aqui é um conforto verdadeiro na inocência de admirar algo tão dúbio e problemático. As duas faixas já comentadas são duas das mais belas do currículo da cantora.
Dark But Just Game estilisticamente é um dos pontos mais altos do álbum. Quase como uma fábula, Lana expõe o pior da indústria - “The faces aren't the same, but their stories all end tragically, (Sweet or whatever, baby), And that's the price of fame” - sobre uma batida sombria extremamente sedutora. Repentinamente, o tom sombrio se dissipa em um momento catártico quando ocorre a transição estonteante do primeiro verso para o refrão, nos pegando de surpresa. A produção se abre como a aparição de um céu completamente azul, sem nuvem alguma, após um dia nublado. Os vocais são angelicais, chegamos no segundo refrão, e ele é uma orgia sonora. Um piano cintilante aparece gradativamente na mixagem, sintetizadores leves chegam pra acentuar a limpeza quase espiritual da cantora, e o peso emocional se da naturalmente por sua voz, que aqui escancara as marcas de um processo de aprendizado doloroso sobre o jogo que é a fama.
Ademais Wild At Heart e Yosemite são dois espetáculos vocais de Lana. Ambas com a produção extremamente minimalista e pairando sobre a temática do amor, nos mostram transições entre registros vocais mais graves e falsetes da cantora completamente hipnotizantes. Por fim, o álbum acaba prestando homenagem direta a Joni Mitchell. A segunda metade de Dance Till We Die nos mostra vertentes de Country Rock, com Lana cantando sobre guitarras menos deprimidas que o normal e uma instrumentalização genuinamente empolgada, que pode muito bem ser explorado num futuro próximo. For Free, a releitura de uma das músicas mais poderosas de Mitchell, é apresentada de forma extremamente conservadora. Lana não inova em absolutamente nada aqui, sendo essencialmente um tributo, onde quem mais se destaca é Weiyes Blood, que está inacreditável.
Então, o que um artista pode fazer depois de chegar ao seu auge, ele se chamando Lana Del Rey? A resposta é, por mais agridoce que pareça, fazer exatamente o que foi feito em Chemtrails Over the Country Club. É buscar novas inspirações, por mais velhas que elas sejam. Claro que há pontos negativos no LP, onde Lana parece mais desinteressada que o normal (Let Me Love You Like a Woman, Not All Who Wander Are Lost) e a bela atmosfera saudosista que lentamente é construída durante o LP se quebra por causa dessas faixas. Mas não é isso que permanece da experiência e sim como o seu conceito reverbera: