Crítica | Não Olhe para Cima
Apesar da produção de “Não Olhe para Cima” ter começado em 2018, esse roteiro é nitidamente sobre 2020. Como isso é possível? Não sei. Mas é.
Na fase atual da sua carreira, Adam McKay por duas vezes mostrou eventos importantes na história política dos EUA, “Não Olhe para Cima”, usando o mesmo estilo cinematográfico, satiriza eventos que nunca aconteceram, mas poderiam acontecer a qualquer momento.
A história é sobre dois cientistas que descobrem um cometa que pode destruir o mundo, mas precisam convencer o poder político e econômico (como sempre aliados) a agir contra essa ameaça e deixar de lado os possíveis ganhos financeiros que o impacto teria. Completamente adequado para um momento em que vivemos grave crise ambiental e em que empresários e políticos da Terra fazem ainda menos que os personagens do filme para contê-la, “Não Olhe para Cima” possui o mesmo estilo de edição, humor e realismo dos seus antecessores, mas explorando um gênero que, tenho impressão, será extremamente popular nos próximos anos: o “Drama Científico”.
O roteiro, por mais que às vezes soe didático, é afiado e ágil em mostrar diversos personagens essenciais para a trama em conflito e situações diferentes, explorando alguns dramas pessoais dos protagonistas enquanto a trama principal não sai de foco, como nos dois filmes anteriores de McKay o problema central é priorizado e o desenvolvimento dos personagens ficam em segundo plano. Com boa atuação de DiCaprio, críticas fundamentais ao mundo que vivemos e boas piadas fazendo paródia da maneira como a mídia trata questões como aquecimento global e, não intecionalmente, a pandemia do coronavírus, “Não Olhe para Cima” é mais uma obra bastante posicionada e divertida apresentada por McKay.
Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence), uma cientista que descobre um cometa vindo em direção à Terra, e seu professor Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) são encarregados de convencer o mundo sobre a importância de agir para que esse corpo celeste não destrua o nosso planeta, o problema é que a descoberta, mesmo que possivelmente represente o fim de praticamente todas espécies da Terra, representa ganhos financeiros ótimos pois o cometa possui recursos minerais que são finitos e importantes para a indústria de tecnologia. O poder econômico é representado pela figura do excêntrico bilionário CEO de tecnologia Peter Isherwell (Mark Rylance) enquanto o poder político ganha face com a presidente dos EUA Janie Orlean (Meryl Streep), que é principalmente como uma paródia de Trump mas em muitos momentos o filme lança críticas a ela que perpassam diversos políticos do mundo em espectros ideológicos diferentes, e seu incompetente filho/chefe de gabinete Jason (Joshua Hill), a imprensa se personifica especialmente na personagem Brie (Cate Blanchett), âncora de um telejornal muito popular, mas também se encontram em outros personagens como seu colega Jack Bremmer (Tyler Perry) e no namorado de Kate, Phillip (Himesh Patel). Além de tratar da história no plano de fundo político envolvendo esses e outros personagens, como o diretor da NASA Dr. Theddy Oglethorpe (Rob Morgan), também temos a vida pessoal especialmente de Mindy mas também de Kate exploradas.
Algo que chama atenção na estrutura da história é a dinâmica dos acontecimentos, cada ato apresenta um novo arco com novos objetivos e desafios fazendo a dinâmica entre os personagens se alterar e garantindo que o final seja surpreendente. No primeiro ato o objetivo dos protagonistas e de Theddy é convencer a presidente Orlean a desviar o cometa da direção da terra, quando isso dá certo cria um novo problema o bilionário a convence no último minuto a fazer os foguetes darem a volta já voando no céu. Isso muda o status quo do filme pois Mindy passa a trabalhar com o governo dos EUA e vira uma espécie de celebridade da ciência enquanto Kate se torna uma antagonista dele, pois discorda da estratégia de deixar o asteróide colidir isso a faz ser presa e voltar para sua cidade natal. Na virada do terceiro ato temos, na minha opinião, o melhor momento do filme quando o cometa passa a ser visível a olho nu no céu da Terra, a partir daí o protagonista se dá conta que foi enganado pelo vilão Isherwell e se junta a sua antiga aluna e ao ex-funcionário da NASA para convencer as pessoas que o corpo precisa ser destruído e aí vem o pay off do título quando a presidente e seus aliados criam uma campanha para as pessoas não olharem para cima e não verem o cometa.
Todos esses elementos e outros criam uma sensação de realidade paralela, pois assim como em “A Grande Aposta” e “Vice”, McKay constrói uma sátira, a diferença é que aqui a sátira é sobre uma coisa que não aconteceu no nosso mundo, a Terra de “Não Olhe para Cima” é praticamente igual à nossa mas só um pouco diferente, a política é igual, os empresários são iguais, a imprensa é igual, mas as coisas têm nomes diferentes, para entrar no clima de “Sem Volta para Casa” é como se estivessemos vendo uma versão da Terra de outro Universo.
DiCaprio é o motor do filme, com um arco mais profundo que dos outros personagens o ator tem uma performance que mais lembra o trabalho dele antes de se autoproclomar um bom ator em algum tempo indo de encontro ao tom sátirico-dramático proposto pelo roteiro, o resto do elenco apesar dos grandes nomes parece ter entendido menos a missão e acabam em atuações de uma nota só, ou apenas irônica e distante como Meryl Streep e Jonah Hill ou se levando muito mais a sério que o roteiro como Jennifeer Lawrence. Se destaca novamente a edição, especialmente na maneira como McKay costuma colocar algumas apresentações de slides entre as cenas para dar o tom do que está acontecendo, essa técnica utilizada pelo diretor por mais que repetitiva é bastante eficiente e ajuda o roteiro, ponto alto de “Não Olhe para Cima” entregar sua mensagem.
Com fingida seriedade e sátira exagerada de elementos da história recente dos Estados Unidos, McKay forma uma trilogia de filmes com temas diferentes mas propostas semelhantes, se no primeiro explicou comicamente a crise econômica de 2008 e no segundo apresentou a vida de George W. Bush e do seu poderoso vice Dick Chenney até a Guerra ao Terror sob uma perspectiva bastante única, aqui o diretor escolheu uma paródia mais abrangente do jeito que o mundo está. Assim como a personagem de Jennifer Lawrance conta os dias até o impacto num aplicativo de dieta, a nossa Terra também está com os dias contados, sendo destruída pelos grandes empresários acobertados por políticos que se recusam a olhar para cima e convencem seus seguidores a não olharem também.