Crítica | A Noite dos Mortos Vivos

um pós-horror prático

Em clássico máximo, Romero faz síntese social e psicológica por meio de um horror objetivo


Longe de ser o primeiro (White Zombie, de 32, geralmente leva a coroa) e, de acordo com o próprio George Romero, nem mesmo um filme de zumbi, A Noite dos Mortos Vivos é um dos principais filmes do sub-gênero por apresentar ao mundo o que se tornaria seu conceito principal.

Algumas pessoas presas em uma casa, uma horda crescente de zumbis na volta, tentando entrar.

Importa pouco, no filme de Romero, quem são aquelas pessoas, ou quem foram aqueles zumbis. Diferente do pós-horror de hoje, é um filme prático: os vivos querem sobreviver, os mortos querem pegar os vivos. Mas, se assemelhando ao que hoje chamamos de pós-horror, há um sub-texto claro que envolve a segregação racial nos Estados Unidos e as tensões que estavam no ápice nos anos 60 em questão disso.

Assim, praticamente tudo que vemos são tentativas lógicas de se proteger, tingidas por um misto de emoção e preconceito, este centralizado na figura do protagonista negro, interpretado por Duane Jones - cujo fim é mais pós-horror que o próprio Corra! (por mais que Peele não seja diretamente associado à tendência como outros contemporâneos). Em suma, são brancos tendo de ouvir um negro que, visivelmente, é mais preparado para a situação, embora sugerir que seja por conta de sua experiência como afro-americano talvez estique um pouco demais o pensamento do próprio diretor ao escalá-lo: “ele só foi melhor nas audições”, famosamente comentou.

Em uma década que o olhar cinematográfico se tornou moderno e ativo, e que o Cinema atingiu um apogeu técnico que permitia que filmes esticassem suas possibilidades tecnicamente (no mesmo ano, tivemos 2001, afinal), o que mais me impressiona no filme de Romero é sua cara de filme independente, com orçamento curto o suficiente para que a caracterização dos zumbis não seja mais que as faces de seus intérpretes. Me lembra até o Cinema Novo, primando por uma simplicidade nas cenas que conversa com a situação em que seus personagens se encontram.

Utilizando o preto e branco e essas limitações tecnológicas a seu favor, Romero cria um filme onde a ameaça está nela mesma: não tememos os zumbis por estes serem assustadores, ou por estarmos conectados aos personagens, mas sim porque a atmosfera é desesperadora. Temos ciência do exterior da casa, mas também nosso olhar limitado o suficiente para que tudo que vejamos seja a apreensão daquelas pessoas, coletivamente perdendo a consciência cada um de sua maneira - a histeria da loira Hitchcockiana, a insegurança do pai de família, a menina que mata os pais. Assim, tudo que absorvemos é desespero, se tornando também a única maneira de responder a ele.

Intencionalmente ou não, A Noite dos Mortos Vivos é uma síntese de sua própria época, um documento que personifica a famosa frase de Éric Rohmer, e que hoje, em 2022, segue atual por mostrar que embora os efeitos tenham melhorado para tornar os zumbis em criaturas visualmente ameaçadoras, a decadência social que nos encontrávamos segue a todo vapor.

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