Crítica | Ants From Up There - Black Country, New Road

despedidas nunca são fáceis

No 2º álbum de estúdio de Black Country, New Road, Isaac Wood nos deixa com um clássico moderno como lembrança.


O gosto não poderia ser mais agridoce. Ao acabar Ants From Up There - e tê-lo definido como uma obra-prima - fui pego por uma mistura de emoções que não me deparava há muito tempo quando descobri que o vocalista da banda, Isaac Wood, iria deixá-la em função de sua saúde mental. Sim, essa foi sua carta de despedida, implícita até o último verso da última música (Basketball Shoes), que amarra todos os temas descritos no álbum e nos explica, de forma direta e profundamente libertadora, a razão de sua decisão: All I've been forms the drone, we sing the rest; Oh, your generous loan to me, your crippling interest (Tudo o que fui forma o drone, nós cantamos o resto; Oh, seu empréstimo generoso para mim, seu interesse incapacitante).

Fundamentando essa visão (lembrando que essa é minha interpretação sobre o verso e sobre a decisão), Black Country New Road é um coletivo de artistas em um mundo individualista que sempre irá clamar por super estrelas que ajam de maneira específica a ponto de suprir expectativas infindáveis. O mundo precisa de MCCartneys e Lennons; de Morrisays e Brian Wilsons. Por Deus, o mundo precisa de Chris Martin para falar de Coldplay. E sejamos sinceros, Wood era essa estrela, vindo a se tornar, após os dois maravilhosos discos da banda, uma Supernova, gigante e magnética, que deixa estupefato qualquer um que o observe em Ants From Up There.

O ponto em questão é que, junto a ele, na constelação artística que é BC, NR, há corpos celestes tão singulares e magníficos quanto; que se olhados como um todo, formam algo mais impressionante do que quando analisados individualmente. Nesse sentido, imagino que Isaac Wood tenha sido tomado pelo medo de não poder dar o que pediriam dele, optando por evitar o tão temido pós-acontecimento de uma Supernova, onde um buraco negro ganha vida, ofuscando - e engolindo - tudo que acontece ao seu redor. É a beleza antes da tragédia que Wood preferiu evitar por não querer fazer da banda algo sobre si próprio.

Passado isso, é nessa toada astrofísica que começamos a falar essencialmente do álbum, que é um universo vasto. Por vezes denso e claustrofóbico, por outras jubiloso e frenético. Os 7 músicos controlam o tempo e o espaço como querem: dilatam os segundos na empolgante Chaos Space Marine e tornam os minutos mais morosos com a dolorosa e emocional Bread Song. É uma obra tão meticulosamente perfeita e harmoniosa que é difícil de acreditar que tenha sido gravada por inteiro ao vivo e em conjunto. Os arranjos são triunfantes e não há nada fora do lugar, narrativamente e musicalmente falando, mesmo que haja uma abundante mistura de gêneros, instrumentos e histórias entrando e saindo de cena a todo instante.

And you, like Concorde
I came, a gentle hill racer
I was breathless
Up on every mountain
Just to look for your light
— Refrão | Concorde
But for less than a moment
We’d share the same sky
And then Isaac will suffer
Concorde will fly
— Pós-refrão | concorde

Concorde, por exemplo, referencia o incrível avião comercial (atualmente fora de uso) que voava na velocidade do som nas décadas de 70/80. Evidenciado na capa do álbum, ele também justifica seu título: Ants From Up There ou Formigas lá de cima, e sugere como somos vistos há quilômetros de distância. Nessa faixa, debruçado sobre uma das estruturas e harmonias mais simplistas da história da banda, e seguindo a mesma progressão de acordes do início ao fim, Isaac se expõe com uma delicadeza paralisante ao comparar o avião com um amor supersônico, quase intangível, que definitivamente o subvaloriza - na verdade, que mal o vê como ser humano. Ele então pinta o quadro mais epicurista possível no refrão, onde absolutamente nada tem o poder de pará-lo nessa busca incessante por um resquício de atenção. Subindo e descendo montanhas, apenas se depara repentinamente com o sofrimento inerente de sua relação passageira: mesmo aflito, Concorde não irá parar de voar.

Good Will Hunting, por sua vez, adota o divertido contraste onde a produção e a melodia são capazes de curar qualquer dissabor da vida com sua energia contagiante, enquanto a letra, por outro lado, versa sobre algo não igualmente feliz. Independente disso, tal faixa marca um momento importante na discografia da banda e assevera algo que se prenuncia desde a breve Intro de 55 segundos: Que eles acharam o ponto médio entre experimentalismo e palpabilidade.

A fluidez da música em questão, o piano cintilante durante seus versos, os backing vocals elegantemente sutis de Georgia Ellery, o sintetizador TRX antes do refrão casado com o belo e tênue saxofone de Lewis Evans, antecedendo uma divertida referência a Billie Eilish enquanto a voz de Wood explode junto à guitarra de Luke Mark e a bateria de Charlie Wayne. Tudo isso demonstra a mais incrível confiança em sua sonoridade. Por consequência, por mais complexo que seja sua estrutura, eles conseguem transmitir toda grandeza da música de forma lúdica pra nós.

Haldern e Mark’s Theme, justapostas no LP, se contrastam e, desse modo, se engrandecem. Ambas reflexivas, porém de formas completamente opostas. A primeira é fruto de total improvisação, o que é apavorante tendo em vista o quão sentimental ela é. Porém, enfatiza o lado mais maníaco dos artistas, considerando seu final rarefeito e semelhante a um filme de terror, ao passo que o violino se engrandece. Já a segunda é uma linda peça instrumental dedicada ao tio do saxofonista Lewis Evans, o qual faleceu de COVID durante a pandemia e era um dos maiores fãs da banda. Aqui, Evans, que tem espaço e liberdade total para transformar sua saudade em som, e dá vida a notas que acham beleza na melancolia, reserva um lugar pra alguém extremamente importante no Magnum Opus dos artistas que ele tanto amava.

O Grand Finale do álbum é a junção de suas três últimas músicas. A magnificência de The Place Where He Inserted the Blade, Snow Globes e Basketball Shoes é quase incalculável. As três facilmente poderiam ser a faixa final do álbum, me convencendo, uma após a outra, de que eu não precisaria ouvir mais nada tão grandioso e que encerrasse o LP de forma tão necessária, até a música subsequente me provar o contrário. Porém, por mais que a religiosidade metafórica e o tom medieval de Snow Globes sejam grandiosos por essência, e Basketball Shoes, uma jornada catártica e bela, apesar de exaustiva, seja sim o final perfeito, TPWHITB é particularmente o maior feito da humanidade desde que o homem foi à lua.

Desde seu primeiro segundo, a melodia evidenciada pelo piano nos sentencia a ficarmos perpetuamente presos ali. Logo em seguida, quando a flauta aparece, cogitamos a ideia de que ficar seja a melhor opção. E finalmente, quando Isaac surge com sua grave voz para sussurrar You’re scared of a world where you’re needed, So you never made nice with the locals”, temos certeza que ali pertencemos. E ali ficamos, hipnotizados, com destaque para o último pré-refrão, onde todos os músicos e instrumentos pertencentes à BC, NR aparecem claros como a luz do dia. Ao se utilizarem de eufemismos (quando troca Love por Lunch, que são facilmente confundidas ao cantarmos juntos), acrescentam mais essa camada sexual subentendida em uma das músicas sobre amor mais emocionantes que já escutei. Como cereja do bolo, podemos ouvir, em coro, os 7 artistas cantando juntos, criando fogos de artifício nos nossos ouvidos.

Ela é a epítome do que é Black Country, New Road, e também é um dos principais causadores do gosto agridoce mencionado na primeira linha. É a representação da evolução de uma vida inteira em apenas 1 ano (quando lançaram seu primeiro álbum), como se soubessem que não poderiam nos dar mais nada com essa formação.

O que vem depois daqui, é uma fase nova totalmente diferente, mas que me deixa empolgado da mesma maneira. Espero que Isaac Wood esteja bem, assim como seu grupo de amigos músicos que seguirão a banda sem ele.

Despedidas nunca são fáceis. Mas, às vezes, são para o melhor.

10

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