Crítica | Casa Gucci
considerado favorito para o oscar de 2022 antes de entrar em cartaz, O segundo longa lançado por Ridley Scott em 2021 tem boas ideias, mas é esquecível e ineficaz.
Ancorado na derrocada da família Gucci a frente da famosa marca italiana, “Casa Gucci” é sobre os últimos herdeiros a terem relação com a gestão da empresa mostrando os processos de bastidores na conturbada relação entre pais, filhos, irmãos, sobrinhos e primos, destacando o papel de Patrizia Reggiani (Gucci) nas articulações dos negócios da empresa especialmente nas tramas familiares. Mesmo com Lady Gaga, Adam Driver, Al Pacino, Jeremy Irons, Jared Leto e Salma Hayek no elenco um dos pontos fracos do filme é o desenvolvimento dos personagens que receebe pouca atenção do roteiro e talvez com exceto Al Pacino nenhum dos atores brilha em partes pelos diálogos previsíveis e chatos mas também pela escolha do diretor de forçar que todos falassem inglês com um suposto sotaque italiano, que quebra a atmosfera do filme. Outro erro é acreditar que por se tratar de personagens famosos e uma história rasoavelmente conhecida deve se deixar de lado uma apresentação e desonvolvimento das motivações dos protagonistas, enquanto viajamos pelas cenas e pelos anos não é possível identificar uma personalidade ou objetivo de cada um uniformemente o que resulta em um filme bem esquecível.
O filme começa nos anos 1970 quando a jovem Patrizia Reggiani (Lady Gaga) conhece o então estudante e herdeiro Maurizio Gucci (Adam Driver), os dois se apaixonam e se casam apesar das objeções de Rodolfo Gucci (Jeremy Irons), pai de Maurizio, pela jovem ser de uma família de classe média baixa e acreditar que ela só estaria interessada na fortuna Gucci. Após se casarem, Patrizia convence seu marido a se mudar para Nova Iorque a convite do tio Aldo Gucci (Al Pacino) para trabalhar na direção da empresa, ao se darem conta da perda de prestígio que a loja está sofrendo por conta da popularização da famosa marca dos dois Gs, Maurizio e Patrizia começam a operar contra Aldo e seu filho Paolo Gucci (Jared Leto) para os tirarem dos negócios e resgatar a imagem luxuosa da empresa. O casal entra em diversos conflitos durante a trama, assim como os diversos membros do império Gucci sobre visões para o futuro da companhia e questões pessoais, esses desentendimentos são o motor dramático do filme e são prejudicados pela falta de definição dos protagonistas. Maurizio no começo do filme é inteligente, tímido e quieto, mas convicto a ponto de abrir mão da sua herança para casar e ir trabalhar como caminhoneiro para seu sogro tudo que ele faz a partir daí é mostrado como influência de Patrizia até que de repente o roteiro parece mudar de ideia sobre sua motivação, não que personagens não possam se transformar durante uma história, mas o jeito que os personagens de “Casa Gucci” mudam a cada cena apenas para se encaixarem na visão do roteiro é artificial e nunca é mostrado para o público de maneira satisfatória. Erro comum em cinebiografias que normalmente se origina na vontade de manter o material original intocado não parece ser esse caso, uma vez que Ridley Scott tomou várias liberdades em relação a história da família para facilitar sua trama, algo natural mas contraditório com a maneira pouco criativa com que os personagens agem, que transforma os 157 minutos do filme em inúteis, pois é bastante difícil se conectar com boa parte do enredo de “Casa Gucci”.
Tecnicamente alguns méritos são a excelente fotografia que retrata ambientes de maneira plástica e contribuindo para a construção da atmosfera das épocas diferentes da vida da família que vemos, a alternância entre ambientes claros e escuros é refletida a cada cena. A direção de arte chama atenção também pela construção dos figurinos importante para um filme sobre moda mostrando a transição da imagem tradicional da Gucci nos anos 1970 para a elegância moderna promovida a partir dos anos 1980, as diversas casas e ostentação da famiília são bem construídas para traduzir o tamanho do poder financeiro que os personagens possuem. Há um comentário relevante sobre sociedade e poder quando a história dá a entender que era Patrizia responsável pelo sucesso de Maurizio na empresa e a partir do divórcio deles o herdeiro não consegue se manter no topo, a ideia era falar sobre invisibilazação das mulheres nos espaços de poder, o problema é que o filme abre mão dessa ideia em muitas cenas. Alguns atores conseguem tirar bons momentos, Al Pacino é o maior destaque, Adam Driver e Lady Gaga quando dividem a tela demonstram mais conforto que nas demais cenas quando parecem cansados de forçar o incômodo sotaque italiano, Jeremy Irons e principalmente Jared Leto são pontos baixos, o primeiro na sua última cena ainda cria um belo momento com Driver, mas Leto demonstra mais uma vez sua mediocridade, ironicamente encenando um personagem caracterizado como medíocre. Um outro detalhe incomodo é a escolha da trilha sonora, que parece sempre afastar o público da história, algo que o roteiro já faz muito por conta prórpia, a sequência em que Patrizia e Maurizio se apaixonam é acompanhada por uma melodia repetitiva e incomoda e há outras cenas em que músicas famosas tocam quebrando o clima dramático de “Casa Gucci” como a música “Faith” de George Michael durante o casamento dos protagonistas.
Novembro é o mês em que os principais concorrente ao Oscar são lançados, fatalmente o momento do ano em que os ditos favoritos para o prêmio perdem seu favoritismo ao serem vistos pela crítica e pelo público demonstrando sempre que nenhum marketing melhora a qualidade de uma obra por conta própria (às vezes contribui), “Casa Gucci” aparentemente é o primeiro dos favoritos para 2022 a perder esse posto por pura força da realidade do filme. Longo e tedioso demais para deixar uma boa impressão pela aparência, o roteiro joga contra as ambições drámaticas e realistas da produção e deixa por terra a possibilidade de ser um novo drama de sucesso para as salas de cinema. No terceiro ato quando Maurizio Gucci assume a nova personalidade já é tarde demais para ele virar um bom antagonista perante o público, mas é a prova que com personagens mais bem desenvolvidos essa história poderia ter sido melhor aproveitada no cinema. Para as premiações da temporada indicaria o outro filme de Scott esse ano, o excelente “O Último Duelo”, que além de trazer Adam Driver interpretando um homem péssimo e europeu muito melhor, conta com um roteiro bastante mais envolvente.